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CNI: Indústria ganhou incentivo, não investiu e também tem culpa por crise

Vladimir Goitia

Colaboração para o UOL, em São Paulo

25/05/2019 04h00

Não são apenas os governos das últimas duas décadas que têm culpa na crise da indústria. Os próprios empresários são também responsáveis pela situação sombria do setor. Eles ganharam incentivos, mas não fizeram sua parte. A avaliação é do presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Robson Braga de Andrade, no Dia da Indústria, 25 de maio.

No início deste ano, o setor entrou tecnicamente mais uma vez em recessão e se transformou no pivô da deterioração econômica do país. São dois trimestres consecutivos com resultados negativos. No último de 2018, a produção caiu 1,2%, e no primeiro deste ano encolheu outros 2,2%.

"Os governos, assim como os empresários, têm sua parcela de culpa. Os primeiros por não terem implementado políticas industriais para incentivar o setor, e os segundos por terem exigido protecionismo e incentivos fiscais sem compromissos de desenvolvimento e investimento em inovação", disse Andrade ao UOL.

Agora, a indústria quer menor ingerência do poder público, pede medidas que facilitem o investimento e a criação de uma estratégia industrial que indique onde o setor quer chegar, a exemplo do que o agronegócio fez mesmo com todas as dificuldades que existem no país.

Andrade, da CNI, disse ainda que o Brasil precisa melhorar de vez seu ambiente de negócios, que está muito ruim, e aprimorar seu ambiente jurídico, que tem gerado insegurança para quem quer investir aqui.

Maioria dos setores teve queda de produção

Dos 26 ramos industriais identificados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), nada menos do que 20 deles, isto é, 77% ficaram no vermelho no primeiro trimestre deste ano. Pior, metade deles (13) também caiu no quarto trimestre de 2018.

Entre as grandes categorias industriais, a de bens de capital (máquinas e equipamentos) é a que está pior. A produção desse segmento caiu 4,3% no primeiro trimestre, e a de bens duráveis (carros, eletrodomésticos, móveis, entre outros) encolheu 3,4%.

São Paulo é o que mais preocupa

Júlio Gomes de Almeida, diretor executivo do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), disse que o caso de maior preocupação é a indústria de São Paulo, que já soma três trimestres consecutivos de queda --entre janeiro e março deste ano atingiu 72% de seus ramos industrias.

"A fotografia do setor aqui é muito ruim, e o filme dele ainda pior", afirmou Almeida.

O executivo do Iedi lembrou que a indústria demanda hoje 12,5% de insumos agropecuários e 33,1% de serviços, principalmente transporte de carga. Ou seja, a crise na indústria está também impactando esses setores.

Falta estratégia industrial ao país

"Enquanto o país não adotar uma estratégia industrial como a que existe em países como Alemanha, Coreia do Sul, Índia e China, entre outros, a indústria de transformação não vai conseguir recuperar a participação no PIB [Produto Interno Bruto], que hoje não passa de 11,3%, ante cerca de 20 % em 1980", disse Almeida.

Ele afirmou que a indústria deveria recuperar pelo menos cinco a seis pontos porcentuais para chegar a uma participação de 17% do PIB nos próximos dez anos. "Isso não é querer demais", afirmou. "Seriam necessários poucos recursos diante de tudo que já se gastou com políticas econômicas no passado."

Almeida afirmou ainda que é preciso pensar também em uma indústria de padrão mundial que tenha condições de competir minimamente no exterior.

Mudança drástica em impostos

Para isso, segundo ele, deve ser implementada uma estratégia industrial que exige uma mudança tributária drástica, retomar e acelerar o processo de concessões, melhorar significativamente a infraestrutura e ampliar em muito os investimentos em inovação.

"Só com esses vetores teremos condições de recuperar a indústria brasileira. Caso contrário, continuaremos com esse quadro negativo que está aí, com baixa produtividade e pouco competitividade", afirmou o diretor executivo do Iedi.

Segundo ele, a Alemanha iniciou recentemente um plano de estrutura industrial para elevar a participação de sua indústria de 20% para 25% no PIB do país, e o Brasil deveria seguir esse exemplo.

"Enquanto a indústria 4.0 lá fora já está revolucionando os processos industriais, aqui continuamos discutindo questões inócuas e cada vez mais estamos longe e atrasados nessa questão, e nem todas as empresas estão gabaritadas para investir nisso. Mas no futuro isso terá um preço", afirmou Almeida.

Fatores que também levaram a indústria à estagnação

- Tributação dos últimos 20 anos gerou uma complexidade que o empresário não consegue acompanhar.

- Sistemas ineficientes e caros de financiamento, além de escassos.

- Atrasos nas concessões (rodovias, ferrovias, hidrovias e portos), que impedem melhora na infraestrutura.

- Burocracia.

- Ambiente de negócios perverso.

- Âncora cambial (instrumento de política econômica que visa atrelar a moeda nacional a uma moeda estrangeira forte) dos anos 90. Ela foi abandonada em 1999, mas até hoje o comportamento do dólar continua sendo fator determinante da política econômica brasileira.

- Valorização excessiva do real entre 2010 e 2012, o que reduziu a competitividade dos produtos exportados no mercado internacional.

- Invasão de produtos chineses de 2005 em diante.

- Sucessivas crises da Argentina, um dos principais parceiros comerciais do país.

Outros dados da indústria em março (mais recente disponível)

  • Produção: -1,3%
  • Faturamento: -6,3%
  • Exportações: -11,5%
  • Horas trabalhadas: -1,5%

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