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Pedido de recuperação da Latam tem mais chance de dar certo nos EUA

João José de Oliveira

Do UOL, em São Paulo

26/05/2020 17h02

Resumo da notícia

  • Lei de recuperação judicial americana é mais flexível e eficiente que no Brasil, dizem especialistas
  • Acesso a crédito é maior e risco de questionamento é menor, dizem advogados
  • Risco de que operação brasileira seja afetada não deve ser totalmente descartado

A decisão da Latam de escolher os Estados Unidos para pedir recuperação judicial e deixar o Brasil de fora desse processo é explicada pela diferença entre as legislações dos dois países e pelo acesso a crédito, dizem especialistas em direito comercial.

Segundo eles, a lei americana sobre o assunto é mais flexível e tem menos burocracia para ser levada adiante. E, como os riscos de que esse tipo de processo seja barrado, há menos incertezas e, como consequência, fica mais fácil o acesso a crédito para colocar dinheiro novo na operação.

Por outro lado, destacam os especialistas, eventuais decisões tomadas lá nos Estados Unidos podem, sim, afetar a operação brasileira, se ativos negociados no exterior forem necessários para a operação da empresa brasileira de alguma forma —caso de equipamentos, sistemas, peças e mesmo aviões.

"O espírito da lei americana, que busca estimular a recuperação da empresa, e os instrumentos mais claros da legislação favorecem a recuperação da empresa em dificuldades. E ainda tem um histórico maior, uma legislação muito mais consolidada", disse o sócio de ASBZ Advogados Leonardo Adriano Ribeiro Dias, especialista em falências e recuperações judiciais.

Processo mais ágil e menos burocrático que no Brasil

Segundo Dias, as diferenças começam no próprio pedido de recuperação judicial. Nos Estados Unidos, basta preencher formulários informando ativos, passivos e principais credores, e o processo é instalado imediatamente.

As medidas para proteger a empresa —como suspensão de pedidos de apreensão de bens por credores— começam a valer já no primeiro dia do pedido.

No Brasil, o processo precisa passar por um juiz, que vai apreciar todos os documentos, e muitas vezes ainda pedir uma perícia prévia. Só depois de tudo isso é que são suspensas as ações que podem afetar os bens de uma empresa.

Outro ponto que conta é o calendário do processo. Nos Estados Unidos, a empresa tem 120 dias para apresentar um plano de recuperação, mas, se não apresentar esse plano, os próprios credores podem entrar com uma proposta.

No Brasil, quem pede recuperação judicial tem que apresentar um plano em 60 dias e, se não apresentar, pode ter decretada falência. O plano precisa ser aprovado por todos os credores, o que pode atrasar todo o processo e inviabilizar a companhia.

GM, Citi, Delta e American Airlines

Pedir reorganização para renegociar dívidas, usando o capítulo 11 da legislação de falências nos Estados Unidos, é até comum no mercado americano. Por exemplo, já passaram por esse processo empresas gigantes —como a montadora General Motors, o banco Citi e as aéreas Delta Air Lines e American Airlines.

E todas voltaram a operar, mostrando que o sistema lá funciona muito bem. Aliás, as empresas continuam operando normalmente durante o período de reorganização.
Leonardo Adriano Ribeiro Dias, especialista em falências e recuperações judiciais

Operação nos EUA pode ter impacto no Brasil

A princípio, o pedido de reorganização feito pela Latam nos Estados Unidos e outros países não deveria impactar a operação no Brasil, afirmam os especialistas ouvidos pelo UOL.

"São operações bem distintas", afirmou o sócio do escritório Melcheds - Mello e Rached Advogados, Thiago Groppo Nunes.

Segundo ele, inclusive, um credor da Latam no Brasil pode entrar com ação por danos materiais e morais aqui no país —por exemplo, um passageiro que teve mala extraviada ou voo não realizado.

E se a Latam perder, a empresa vai ter que pagar, independentemente de estar em processo de reorganização lá fora.
Thiago Groppo Nunes, especialista em falências e recuperações judiciais

Mas por ser uma operação transnacional, em que uma mesma empresa tem operações em diferentes países em etapas que se complementam, há, sim, o risco de que eventuais decisões tomadas pela reorganização nos Estados Unidos afetem o lado brasileiro do negócio.

"Se alguma decisão tomada pelo juiz dos Estados Unidos impactar ativos em outros países, o credor pode ter dificuldade para acessar esses ativos", disse Ribeiro Dias, do ASBZ Advogados.

Aeronaves podem entrar na negociação

Os especialistas destacam um ponto da legislação americana que difere da brasileira e que deve ter pesado na opção da Latam por fazer o pedido de reorganização nos Estados Unidos: os contratos de alienação fiduciária, quando uma empresa arrenda um bem.

Esse tipo de contrato é muito comum para aeronaves. Grande parte dos aviões operados pela Latam não pertence à empresa, mas são alugados de empresas de arrendamento, estabelecidas no exterior.

No Brasil, esses contratos não entram na recuperação. Ou seja, mesmo depois de pedir reorganização, uma empresa pode continuar sendo cobrada pelos credores desses contratos. Nos Estado Unidos isso não ocorre. Uma vez que pede reorganização, a Latam pode incluir esses contratos no processo e, assim, deixar de pagar esses arrendamentos.

A falência transnacional é um desafio. Em tese, se a matriz pede falência no exterior, a companhia pode continuar operando normalmente no Brasil. Mas uma quebra lá fora pode precipitar problemas na operação no Brasil.
Luis André Azevedo, professor de Direito da FGV e do Ibmec

Latam entra com pedido de recuperação judicial

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