Investimento de risco triplica, mas verba do órgão que fiscaliza cai 50%
Resumo da notícia
- CVM, que regula e fiscaliza mercados, perdeu metade de seu orçamento, e agora tenta reforçar fiscalização e controles
- Medida busca tirar atraso da CVM, que ficou menor enquanto mercado brasileiro quase triplicou de tamanho
- Juros baixos estão acelerando migração de brasileiros para ações, fundos imobiliários e novos produtos
- Desafio da CVM é acompanhar surgimento de novas empresas que usam tecnologia para oferecer mais aplicações a mais gente
A indústria de investimentos no Brasil praticamente triplicou de tamanho nos últimos cinco anos. O patrimônio de ações, fundos de investimentos, debêntures e outros saltaram de R$ 9 trilhões, em 2015, para quase R$ 27 trilhões, em 2019. O número de pessoas que investem na Bolsa, por exemplo, multiplicou por seis e bateu os 3 milhões de investidores. E para atender esse novo universo de clientes, a lista de empresas e profissionais da indústria de investimentos também cresceu, mais de 20%, chegando a 55 mil.
Mas no sentido oposto a essa onda de expansão, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), órgão do governo responsável por criar regras, investigar e punir crimes no setor, diminuiu de tamanho. O orçamento anual dela caiu pela metade, de R$ 61 milhões para R$ 30,5 milhões entre 2014 e 2019. O número de funcionários ficou 7% menor. Assim, a autarquia vinculada ao ministério da Economia tenta de alguma forma acompanhar as demandas do mercado. O número de punições envolvendo pessoas acusadas de irregularidades, por exemplo, subiu 144% nos últimos três anos.
Tendência é de crescimento no setor
A indústria de investimentos no Brasil segue acelerando o passo, alimentada por dois combustíveis:
Juros baixos: Com a Selic cada vez menor, as tradicionais aplicações de renda fixa (como poupança, fundos DI e Tesouro Selic) passaram a perder da inflação. Mais investidores buscaram opções mais rentáveis e arriscadas, como Bolsa e fundos imobiliários.
Tecnologia: Novas empresas financeiras, plataformas de investimento e gestoras de recursos usam a tecnologia e a internet para levar mais produtos a mais gente. Hoje, a pessoa não tem que ir até um banco, passar pela porta giratória e esperar horas para falar com um gerente; para investir, basta um clique no celular.
A base de tudo é a mudança do patamar da taxa de juros, seguida pelo fenômeno da evolução da indústria de fundos e a nova forma pela qual o cliente é abordado, com a evolução da tecnologia.
José Eduardo Laloni, vice-presidente responsável pelas pautas de mercado de capitais na Anbima
A quantidade de profissionais atuando no mercado também cresceu. O registro de agentes autônomos de investimento, por exemplo, saiu de 1.000 para quase 11 mil.
Ainda há R$ 1 trilhão em renda fixa que pode migrar em grande parte para mercado de capitais, o que vai exigir mais da CVM, que tem pouco braço.
Carlos Ferrari, sócio da NFA Advogados, especializado em mercado de capitais
Mais negócios, mais risco
Com mais aplicadores e mais empresas oferecendo produtos de investimento - e de uma forma muito mais rápida - os riscos do mercado cresceram. Se antes a CVM podia concentrar a vigilância sobre uma dezena de negócios, agora o universo de participantes de mercado e os novos produtos exigem muito mais atenção.
Um exemplo é o uso das redes sociais para profissionais comentarem e venderem investimentos. A própria CVM reconhece que está cada vez mais difícil cobrir tudo que está acontecendo no mercado.
"Juros baixos têm ampliado o crescimento do público investidor e de empresas de mercado. E esse ambiente também atrai oportunistas e golpistas", disse Daniel Maeda, superintendente de relações com investidores institucionais da CVM, em entrevista ao UOL em novembro do ano passado.
Parcerias e multas para dar conta do trabalho
Com orçamento baixo, a CVM busca reforços, financeiros e técnicos.
Multas: Em 2019, por exemplo, entraram na CVM R$ 66,2 milhões relativos a termos de compromisso relacionados a 48 processos. São 61% a mais que os R$ 41,2 milhões em 2018. O problema é que a maior parte desse dinheiro não fica com a CVM, mas com o governo federal.
Parcerias: Para dar conta de monitorar o mercado e certificar novos profissionais, a CVM tem acordos de parceria com entidades, como a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) e com a Bolsa de Valores (B3).
Para um gestor de recursos poder atuar no mercado, por exemplo, ele precisa obter a certificação na Anbima. O modelo tem funcionado e dado conta da demanda.
Mas uma parte do mercado questiona até que ponto não é um conflito de interesses uma entidade dominada por instituições privadas ser a responsável por dar o sinal verde para alguém atuar no mercado.
Nos Estados Unidos ou na Inglaterra, por exemplo, é o órgão regulador que emite essas certificações.
CVM ganha novas áreas
Para tentar acompanhar o ritmo de mercado, a CVM recebeu do governo o sinal verde para aumentar a musculatura do organograma. O decreto nº 10.596, de 8 de janeiro de 2021 permite a criação uma nova superintendência, de Supervisão de Securitização e de duas gerências - a de Controladoria e Contabilidade e a Gerência de Gestão de Dados e Informações.
Após interações e tratativas junto ao ministério da Economia, a CVM apresentou seus desafios regulatórios e necessidades para a melhoria da gestão e dos resultados institucionais. Entre as necessidades, estavam ajustes na estrutura organizacional que demandariam novos cargos/funções, reconhecendo o grande desafio regulatório e o crescimento exponencial do mercado de capitais brasileiro
CVM, em nota enviada ao UOL.
O órgão não disse quantas pessoas poderão ser contratadas nem como vão atuar as novas áreas. Essas informações, afirmou a CVM, serão detalhadas após a nomeação nos novos cargos.
CVM precisa acelerar mais
Como apenas 1% das despesas empenhadas pela CVM a cada ano vão para investimentos, o órgão tem poucos recursos para aplicar, por exemplo, em tecnologia. Um dos projetos da CVM é desenvolver um sistema de inteligência artificial que multiplique a capacidade de monitoramento - algo hoje feito de forma manual.
"Temos um projeto de inteligência artificial para fazer pesquisas na web e buscar atuações irregulares, algo que está caminhando em parceria com Anbima e muito rapidamente deve entrar em operação", contou Daniel Maeda, superintendente de relações com investidores institucionais da CVM, em entrevista ano passado.
Para profissionais de mercado, esse desafio vai ficar ainda maior porque há muito dinheiro ainda procurando oportunidades no mercado de investimentos, não apenas na indústria tradicional, formada por ações e debêntures, por exemplo, mas em novos tipos de aplicações que estão surgindo.
Os órgãos reguladores de mercados como o de Londres e Hong Kong, por exemplo, já conseguem regular e monitorar negócios feitos por meio de blockchain.
O mercado hoje tem mais caixa que ativos. Para buscar ativos que estão além da fronteira do mercado tradicional, os instrumentos de mercados precisam ser aperfeiçoados. A CVM tem não só a missão de regular, mas também de desenvolver o mercado, o que hoje é um desafio que se tornou mais urgente e complexo.
Alvaro Gonçalves sócio diretor da Stratus Investimentos, membro do conselho da Associação dos Fundos de Private Equity (Abvcap) e presidente da Câmara de Empresas e Estruturadores de Ofertas da B3
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