Por falta de celular e internet, mais pobres ficaram sem auxílio, diz FGV
A dificuldade de acesso a celular e internet de qualidade foi uma barreira que prejudicou principalmente os mais pobres no cadastro do auxílio emergencial, aponta estudo da FGV. Segundo um levantamento do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira (FGVcemif), queixas relacionadas à exclusão digital são mais frequentes entre as classes D e E.
Pessoas que tentaram sem sucesso receber o auxílio emergencial em 2020 alegaram barreiras tecnológicas (como falta de celular, limitação da internet e falta de memória no celular) e a dificuldade em baixar ou utilizar o aplicativo da Caixa. Quanto mais pobre, maior a porcentagem dessas queixas.
O estudo teve como base o painel TIC Covid-19 do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), complementado por pesquisa telefônica. Foram consideradas pessoas com 16 anos ou mais, que podiam marcar mais de uma resposta no questionário.
A pesquisa foi feita entre 29 de julho e 20 de agosto do ano passado, mas a análise dos dados pelo FGVcemif só agora está sendo divulgada. Foram realizadas 2.408 entrevistas (95% por questionários na internet e 5% por telefone).
As classes sociais foram divididas em AB, C e DE, com base no critério de classificação econômica Brasil de 2015, da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep). A classificação leva em conta a posse de alguns itens duráveis de consumo doméstico e o grau de instrução.
Desigualdade social e exclusão digital
A falta de acesso a um celular é um motivo que afetou quase três vezes mais usuários das classes D e E na comparação com o total de pessoas que não conseguiram receber o auxílio (7% x 20%).
As limitações no acesso à internet, que afetaram 9% do total de solicitantes, foram relatadas por 22% entre os usuários das classes D e E.
Dificuldades pessoais no download do aplicativo para celular da Caixa também aparecem com porcentagem duas vezes maior nas classes D e E (18%) do que o informado pelo total de entrevistados (9%).
28% dos usuários das classes mais pobres relataram falta de habilidade em utilizar o aplicativo após tê-lo baixado em um aparelho celular —contra 12% do total.
O cadastro para o auxílio emergencial começou em abril de 2020, por meio de um aplicativo da Caixa. Pessoas que já estavam no Cadastro Único ou no Bolsa Família não precisaram fazer o cadastro.
Atualmente, os pagamentos do auxílio são todos feitos em poupanças digitais que só podem ser acessadas por outro aplicativo, o Caixa Tem.
Necessidade de inclusão digital e financeira
Lauro Gonzalez, coordenador do FGVcemif, afirma que 1 em cada 4 brasileiros ainda não utiliza a internet —proporção que representa aproximadamente 47 milhões de pessoas.
A maior parte está nas classes D e E. "Isso acaba sendo um problema, já que as pessoas dessas classes são justamente aquelas que estão em maior condição de vulnerabilidade social e precisam de políticas de transferência de renda."
O pesquisador diz ainda que o acesso a celular e internet não garante que a pessoa esteja integrada. "É preciso ir mais a fundo nos conceitos de inclusão digital e financeira. Interessa a qualidade do uso e do acesso."
Alerta para novos programas sociais digitais
Para Gonzales, a pesquisa mostra que o governo não pode apostar apenas na estratégia de cadastramento digital para futuros programas sociais.
O governo estuda priorizar esse formato de autocadastro por aplicativo na reformulação do Bolsa Família. A proposta é criticada por especialistas, pois reduziria a atuação dos Cras (Centros de Referência de Assistência Social) e outras estruturas municipais na identificação das populações mais vulneráveis.
"É importante atentar para esses obstáculos apontados no estudo, porque o governo corre o risco de fazer uma mudança para pior. A tentativa de digitalização para reduzir custos pode ser problemática", afirma o pesquisador da FGVcemif.
Governo não comenta problemas no acesso
Procurados para comentar estudo e as críticas à logística de cadastro no auxílio emergencial, o Ministério da Cidadania e a Caixa não responderam até a publicação desta reportagem.
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