'Tem cheirinho de calote', diz Armínio Fraga sobre precatórios
Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio fundador da Gávea Investimentos, avaliou hoje que a mudança para adiar o pagamento de precatórios que o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deve propor tem "cheirinho de calote".
Em entrevista à Globonews, Armínio disse que o assunto está "assustando bastante". O ministro da Economia, Paulo Guedes, negou que a medida constituísse um "calote". Especialistas e parlamentares que criticaram a proposta, contudo, divergem do ministro.
Tem várias dimensões nessa história sem querer me alongar muito, mas de um lado você tem o próprio conceito de precatório, precatório é divida, é uma decisão em última instância que o governo tem que pagar. Então, isso aí tem cheirinho de calote, é preocupante. E depois tem o impacto sobre o teto, sim, é difícil acreditar que isso tenha sido uma surpresa. Essas coisas vêm num pipeline jurídico que demora muito tempo, isso não aparece assim, da noite para o dia. Não deveria ser objeto de mudança no teto. São ângulos diferentes, ângulos preocupantes Armínio Fraga
Ele disse ainda não ver o motivo pelo qual os precatórios são tratados como uma surpresa.
Precatórios são pagamentos que a Justiça manda o Poder Público (União, estados ou municípios) fazer. Quando alguém entra na Justiça contra o governo federal, estadual ou municipal por algum motivo, essa ação vai sendo julgada até chegar à última instância, em um processo que pode levar anos.
Quando o governo perde e não pode mais recorrer, as ações tornam-se transitadas em julgado. Com isso, o valor que a Justiça manda o governo pagar vira um precatório. Os gestores públicos precisam prever dinheiro no Orçamento todo ano para quitar essas dívidas.
Em 2022, o governo federal deverá pagar cerca de R$ 90 bilhões em precatórios, um salto em relação aos R$ 54 bilhões em 2021.
Em busca de espaço para acomodar seus gastos, incluindo uma eventual reformulação do programa Bolsa Família, o governo estuda parcelar o pagamento da dívida.
Selic
Armínio também comentou a reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) do BC (Banco Central) sobre a taxa básica de juros da economia (Selic). Sua avaliação, assim como a da maioria dos analistas, é a de que o comitê elevará em um ponto percentual a taxa, a 5,25%.
"É mais ou menos consenso do mercado que eles vão subir um ponto. Acho que a complicação maior vem pra frente, o que vai acontecer de fato com a inflação, com a política fiscal também que passou um período de uma certa ilusão de que as coisas estavam bem, pra hoje não vejo nenhum desvio do que parece ser esse consenso", disse ele.
O comitê iniciou em março o ciclo de altas da taxa Selic, que manteve durante sete meses em seu mínimo histórico de 2% para mitigar o impacto da pandemia da covid-19 sobre os investimentos e o consumo.
Em seguida, tentou moderar o ajuste, com a expectativa de que o repique inflacionário fosse absorvido no segundo semestre do ano. Mas tudo indica que isso não vá ocorrer espontaneamente. A inflação acumulada em doze meses saltou de 2,13% em junho de 2020 para quase o quádruplo, 8,35%, em junho deste ano, e poderia chegar a 9% em julho.
Os preços vão aumentar 6,79% em 2021, muito acima do teto de tolerância de 5,25% da meta oficial, segundo a projeção do boletim Focus de expectativas do mercado, em alta há 17 semanas.
A previsão de inflação para 2022 também está em alta e chega atualmente a 3,81%, superior ao centro da meta do ano que vem, de 3,5%.
O mercado, que no começo do ano previa que a Selic alcançaria no máximo 3% até dezembro, agora estima que chegará a 7%.
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