Após foto com homens brancos, ação pede indenização de R$ 10 mi a XP e Ável
Entidades dos movimentos negro, feminista e de defesa dos direitos humanos protocolaram, nesta quarta-feira (18), uma ação civil pública contra a corretora XP e o seu escritório credenciado Ável Investimentos, pela falta de diversidade no quadro de funcionários. A ação, à qual o UOL teve acesso com exclusividade, pede indenização de R$ 10 milhões por dano social e moral coletivo e que as empresas cumpram uma série de medidas para aumentar a diversidade.
A iniciativa acontece depois da repercussão, na semana passada, de uma foto divulgada pela Ável, com um grupo de mais de cem pessoas, formado em sua quase totalidade por homens brancos e jovens. A empresa, que se apresenta como "o maior escritório de assessoria digital da XP", tem sede em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Procurada pelo UOL, a XP não se manifestou especificamente sobre a ação civil. A empresa reconheceu que "a inclusão de pessoas negras na companhia e rede de parceiros é uma questão fundamental" e disse que tem metas internas para "aumentar a contratação, em todos os cargos, de pessoas negras, mulheres, LGBTQIA+ e PCDs". A Ável afirmou que não vai comentar o assunto.
Além da falta de diversidade entre os profissionais, a foto atraiu críticas devido ao fato de os profissionais estarem aglomerados na cobertura de um prédio, quase todos sem máscara.
No site da Ável, de 111 assessores de investimentos apresentados, apenas nove são mulheres. Ou seja, pouco mais de 8%. Pelas imagens, não é possível precisar a quantidade de pessoas negras entre os profissionais.
"As pessoas imaginam que a discriminação só acontece por palavras ostensivas. Mas não é só isso. Esse é um caso exemplar, que mostra como o processo de recrutamento nas empresas pode ser cruel", afirmou Márlon Reis, advogado que representa as entidades na ação. "As empresas devem estar atentas, porque quando se abre o processo de recrutamento de forma aparentemente igualitária, na verdade, se exalta uma desigualdade que já há na sociedade."
Ação civil pública é para proteção de direitos
A ação civil pública é um tipo processo judicial destinado à proteção de direitos. Podem propor esse tipo de processo órgãos como Ministério Público, Defensoria Pública, União, estados e municípios. Entidades como ONGs também podem, desde que preencham alguns requisitos.
A ação contra a XP foi protocolada na 25ª Vara do Trabalho de Porto de Alegre. Assinam o documento o Centro Santo Dias de Direitos Humanos e as ONGs Educafro e Visibilidade Feminina.
As duas primeiras são as que moveram ação contra o Carrefour no caso João Alberto, homem negro espancado até a morte por um segurança da rede de supermercados, em novembro de 2020. As entidades também entraram na Justiça contra o Assaí, no episódio em que um homem negro foi obrigado a tirar a roupa para provar que não tinha furtado produtos.
Agora, a Justiça de Porto Alegre deverá marcar uma audiência de conciliação entre as partes. Se elas não concordarem em tentar um processo conciliatório, a Justiça vai ouvir os dois lados para então dar sua decisão.
Ação pede R$ 10 milhões e várias medidas
A ação contra a XP e a Ável pede que as empresas elaborem um plano de diversidade, com metas, para impedir a ocorrência de atos de discriminação de raça, sexo, gênero e idade em todos os processos de recrutamento, e para proporcionar o desenvolvimento de carreira dos funcionários.
A ação pede, por exemplo, que:
- A composição do quadro de contratados permanentes ou temporários tenha a mesma proporção de negros, mulheres e indígenas presente na sociedade brasileira;
- Sejam disponibilizados cursos gratuitos e estágios remunerados para promover a formação e a experiência profissional desses colaboradores;
- Haja cotas para pessoas idosas e pessoas com deficiência;
- Seja estabelecido um prazo de 90 dias para apresentação de um plano de diversificação do quadro de colaboradores;
- Seja definido um prazo de 90 dias para apresentação de plano de aceleração de carreira, para favorecer a diversidade em todos os níveis da gestão empresarial;
- As empresas incorporem ao conselho de administração quatro novos membros, integrantes das comunidades sub-representadas;
- Seja contratada uma auditoria externa para acompanhar a execução das medidas.
Uso dos recursos
Reis disse que, em caso de vitória, os R$ 10 milhões serão destinados ao FDD (Fundo de Defesa de Direitos Difusos), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e à Secretaria Nacional do Consumidor.
A gestão desse fundo é feita por um conselho, que seleciona os projetos que serão financiados com os recursos.
"Mas existe a possibilidade de se discutir também na Justiça a destinação para finalidades específicas. Vai depender do andamento do processo. Mas, mesmo nesse caso, as entidades não participam da governança desses recursos", diz.
Alerta ESG
Para Reis, o processo também sinaliza ao mercado financeiro brasileiro a necessidade de se atentar à agenda ESG (ou ASG, em português, referência a Ambiental, Social e Governança).
"O sistema financeiro foi desenvolvido para gerar desenvolvimento e equilíbrio social, e não para promover concentração de poder e riqueza, e o mercado financeiro não pode ficar de fora desse universo sustentável", disse.
O que diz a XP
A XP afirmou ao UOL que "está comprometida em fazer transformações significativas e reconhece que a inclusão de pessoas negras na companhia e rede de parceiros é uma questão fundamental. Nosso compromisso com a diversidade e inclusão estabelece metas internas para aumentar a contratação, em todos os cargos, de pessoas negras, mulheres, LGBTQIA+ e PCDs. Além disso, contamos com o suporte de consultores externos e coletivos de trabalhadores. Estamos trabalhando, incansavelmente, para ser cada vez mais um agente de mudança da sociedade e do mercado financeiro".
O UOL também procurou a Ável. A empresa informou que não vai se manifestar sobre o assunto.
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