Câmara desiste de votar hoje urgência para legalizar bingo e jogo do bicho
A Câmara dos Deputados desistiu de votar nesta segunda-feira (13) um requerimento de urgência para o projeto de lei que legaliza jogos de azar (bingo, jogo do bicho, cassino e aposta esportiva). O pedido estava na pauta do dia, mas foi retirado por falta de quórum, após forte pressão da bancada evangélica, que é contra a legalização.
Se o pedido fosse votado e aprovado, a tramitação pularia algumas etapas —o texto seria analisado diretamente pelo Plenário sem passar por comissões. Para aprovar o requerimento, seriam necessários 257 votos, número superior aos 162 parlamentares com presença registra na abertura da sessão. A Frente Parlamentar Evangélica é formada por 107 deputados.
O texto da legalização ainda não foi apresentado e está nas mãos do grupo de trabalho criado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em setembro. O UOL teve acesso à minuta do texto. Segundo o relator, Felipe Carreras (PSB-PE), ela ainda passará por ajustes.
O projeto define os jogos de azar e de habilidade como atividades econômicas que serão regulamentadas e fiscalizadas por um órgão federal (que provavelmente seria uma agência reguladora). As empresas interessadas teriam de comprar em leilão uma licença para explorar as diferentes modalidades.
Ao mesmo tempo em que legaliza jogos de azar —proibidos há 80 anos no Brasil—, a proposta aumenta as penas para quem explorá-los sem a licença. A prática deixaria de ser contravenção penal (infração com pena leve) para ser crime punível com até sete anos de cadeia.
Licença para operar jogos de azar chega a R$ 200 mi
O preço mínimo no leilão para cada licença é um dos itens que está em discussão. Na minuta, os valores descritos são:
- Cassino integrado em resort: R$ 200 milhões
- Jogos de habilidade: R$ 200 milhões
- Jogos online: R$ 200 milhões
- Cassino turístico: R$ 100 milhões
- Bingo: R$ 50 milhões
- Jogo do bicho: R$ 40 milhões
- Entidade turfística (os "jockey clubs"): R$ 10 milhões
Metade do valor ficaria para o estado em que o empreendimento se instalar (ou para o Distrito Federal). A outra metade iria para a União, sendo repartida entre a Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) e fundos ligados ao esporte, à proteção de jogadores e apostadores, à cultura e à segurança pública.
Existe ainda uma exigência de capital social mínimo para as empresas, conforme cada atividade. Em todos os casos, a empresa seria obrigada a ser constituída no Brasil como sociedade anônima.
O órgão regulador poderia definir quantos operadores serão licenciados em cada modalidade pelo país —que é um dos pontos mais delicados no processo de legalização do jogo de azar, segundo fontes que acompanham as negociações.
Segundo o relator, o "sarrafo está alto" nos requisitos, o que pode afastar alguns investidores. Os lances mínimos no leilão e a carga tributária podem ser revistos até a apresentação da versão final, prevista para sair até esta terça-feira (14).
Especialistas ouvidos pela reportagem em condição de anonimato afirmaram que o preço mínimo dos leilões foi estabelecido arbitrariamente, sem estudo prévio. Afirmaram também que o prazo de licença previsto no texto deve afastar investidores —o tempo máximo varia de cinco a 15 anos, conforme a modalidade.
Jogadores e agentes registrados
O projeto cria um registro de agentes de apostas, que precisariam passar por exame de certificação técnica e não poderiam ter condenações criminais. Apenas eles poderiam trabalhar na condução dos jogos.
Na prática, o registro seria exigido de bicheiros, dealers de mesa de poker e gerente de cassino, por exemplo.
As apostas seriam liberadas apenas para maiores de 18 anos, registrados e que não estejam em situação de insolvência (quando a Justiça declara que a pessoa tem uma dívida maior que seu patrimônio).
Esses jogadores poderiam, por meio do registro, estabelecer limites ao próprio jogo, para evitar vício e endividamento. Estão previstos mecanismos como limite diário de tempo de jogo e de perda e período de pausa.
Prioridade para cassinos em resorts
O projeto se preocupa em estabelecer uma vantagem competitiva para os chamados resorts integrados: hotéis com cassino e espaço para sediar grandes eventos. Cada estado poderia ter no máximo três resorts, conforme o tamanho da população.
Essa autorização ainda dependeria de o órgão regulador declarar a região como de especial interesse turístico.
Somente os estados com resort integrado poderiam ter os chamados "cassinos turísticos", que dispensam estrutura de hotel e de eventos. Estes cassinos precisariam ficar a uma distância mínima de 100 km do resort integrado, também em áreas turísticas especiais.
O relator, deputado Felipe Carreras, afirmou que a distância mínima pode subir para 300 km. Ele disse que essa é uma forma de incentivar a vinda de investidores estrangeiros para a abertura de resorts.
Na prática, a medida manteria ilegais os cassinos pequenos na maior parte do Brasil.
Cerco fechado para apostas em sites internacionais
O texto define como crime a autorização de transações financeiras por meio de cartão de crédito para sites estrangeiros que explorem jogos no Brasil sem licença. Se o banco autorizar a transação, o responsável estaria sujeito a pena de quatro a sete anos de prisão.
Esta medida dificultaria a exploração de jogos em sites internacionais que atuam com ampla liberdade hoje no Brasil, sem controle público ou cobrança de impostos.
O projeto também proíbe a publicidade comercial de sites de aposta. Isso atingiria em cheio os sites internacionais de apostas esportivas, que patrocinam diversos times de futebol no Brasil e aparecem cada vez mais nas propagandas de TV e streaming, como Sportingbet, Bet365 e 188BET.
Em 2018, no final do mandato de Michel Temer (MDB), foi criada a modalidade de quota fixa para apostas esportivas. As pessoas apostam em resultados reais (como o placar de uma partida ou o vencedor de uma luta) e sabem de antemão quanto ganharão caso acertem a previsão. Apesar da legalização, a modalidade continua sem regulamentação, que depende apenas de ato do Poder Executivo.
Pedido de urgência se justifica?
Parlamentares que se opõem à proposta criticam a tentativa de legalizar os jogos e questionam a necessidade de se analisar a matéria em regime de urgência. O texto será um substitutivo a um projeto de lei que se arrasta desde 1991, com mais de cem propostas apensadas.
A legalização tem resistência principalmente da bancada evangélica. O pastor Silas Malafaia, aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL), afirmou que a aprovação seria uma tragédia.
Vem agora o senhor presidente da Câmara, Arhur Lira, no apagar das luzes, querer aprovar esse lixo? Isso é uma vergonha. Só interessa a grupos econômicos poderosos e à lavagem de dinheiro de corrupto. Não beneficia em nada a economia do país.
Pastor Silas Malafaia
O relator, deputado Carreras, disse que houve amplo debate em audiências públicas e que a proposta está madura para votação.
Não tem nada de 'calada da noite'. O mercado do jogo tem que trabalhar na luz. Precisamos encontrar um equilíbrio, que gere emprego, arrecadação e investimentos.
Deputado Felipe Carreras
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