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Engraxates tradicionais do centro de SP perdem renda por corte de luz

Engraxates do centro de São Paulo trabalham sem energia elétrica após corte de luz - Fernando Moraes/UOL
Engraxates do centro de São Paulo trabalham sem energia elétrica após corte de luz Imagem: Fernando Moraes/UOL

Henrique Santiago

Do UOL, em São Paulo

10/02/2022 04h00

Flávio Augusto Guimarães, 45, aguardava a chegada de clientes para engraxar sapatos quando a luz do quiosque onde trabalha se desligou repentinamente. Ele pensou se tratar de uma falha na região, mas não imaginava que seria o início de um problema que já dura seis meses.

Engraxates da praça Antônio Prado, no centro histórico de São Paulo, perto da B3 (a Bolsa de Valores), estão trabalhando no escuro após a concessionária de energia Enel cortar a luz sem aviso prévio. O problema afeta diretamente a renda dos profissionais, que afirmam perder mais de um salário mínimo (R$ 1.212) por mês. Tentaram patrocínio ou pagar diretamente a conta de luz, mas sem sucesso.

Os trabalhadores dizem que os quiosques de madeira envernizada foram concedidos pela Prefeitura de São Paulo nos anos 80 e eram mantidos pela B3. A prefeitura não informa a data exata de concessão.

A Enel diz que o local não está cadastrado em sua base de clientes. A gestão municipal afirma não ser responsável pelo pagamento das contas. A B3 relata que foi mantenedora do espaço do trabalho dos engraxates até 2016, sem manter nenhuma relação desde então.

Flávio Augusto conta que o quiosque onde trabalha foi patrocinado por 30 anos pela Bolsa de Valores - Fernando Moraes/UOL - Fernando Moraes/UOL
Engraxates reclamam que perdem um salário-mínimo por mês em razão da falta de luz
Imagem: Fernando Moraes/UOL

Menos trabalho, menos dinheiro

Desde agosto de 2021, os engraxates da praça costumam encerrar as atividades antes das 17h, encurtando o trabalho diário em mais de duas horas. Flávio Augusto afirma que a falta de luz deixa o interior dos quiosques escuro e impossibilita o atendimento aos clientes. Dias nublados e chuvosos, típicos no verão, antecipam ainda mais o fim do expediente.

Os profissionais do ramo ouvidos pelo UOL dizem que a ausência de energia elétrica dificulta a visão geral do calçado, essencial para que o serviço de engraxamento e polimento seja bem feito.

No início da pandemia, os clientes pararam de engraxar por causa do home office. Mas o retorno ao trabalho presencial na segunda metade do ano passado começou a mudar o cenário.

Advogados e banqueiros engravatados costumavam ir em busca do serviço após o encerramento do horário comercial, às 18h. Agora, muito raramente alguém pisa ali para engraxar sapatos depois do anoitecer.

Flávio Augusto diz que está deixando de faturar cerca de R$ 1.500 por mês — a engraxada custa R$ 15. "Eu estou perdendo, no mínimo, uns cinco clientes por dia."

Josué Silvério Batista, 41, conhecido como Gil, diz que já recusou vários atendimentos a clientes por falta de energia elétrica. "Eu digo para eles virem no dia seguinte. Eles costumam entender." Ainda assim, calcula que deixa de ganhar cerca de R$ 900 por mês.

Os engraxates dizem que têm buscado resolver o problema. Participaram de reuniões com a Enel, visitaram a subprefeitura da Sé, responsável pelo bairro, e tentaram contato com a B3 e o Santander, que acreditavam ser o último mantenedor dos quiosques. Nada, porém, surtiu o efeito desejado.

Os irmãos Flávio Augusto e Fernando Guimarães, engraxates há mais de 25 anos - Fernando Moraes/UOL - Fernando Moraes/UOL
Os irmãos Flávio Augusto e Fernando Guimarães, engraxates há mais de 25 anos
Imagem: Fernando Moraes/UOL

Sensação de abandono

Fernando Augusto Guimarães, 43, compartilha o mesmo ofício do irmão Flávio. O engraxate reclama que a falta de luz tem atrapalhado até mesmo a hora do almoço, pois não tem como esquentar as marmitas no micro-ondas colocado no quiosque.

Ele montou um fogão improvisado com uma lata e álcool para aquecer as refeições. Outros preferem pagar R$ 1 ou R$ 2 para esquentar a comida em lojas próximas. "Sinto que há preconceito por sermos engraxates", lamenta sobre a falta de resolução para o caso.

Para Flávio Augusto, a falta de energia elétrica aumenta a sensação de perigo. "As pessoas querem engraxar em um ambiente com claridade e segurança. Estou no centro financeiro de São Paulo, e os clientes têm medo de vir aqui. O centro da cidade está abandonado."

Os trabalhadores questionaram a Bolsa de Valores sobre o fim do apoio financeiro e, segundo eles, ouviram que a manutenção do espaço era responsabilidade do banco Santander.

Fernando Augusto Guimarães: "Sinto que há preconceito por sermos engraxates" - Fernando Moraes/UOL - Fernando Moraes/UOL
Fernando Augusto Guimarães: "Sinto que há preconceito por sermos engraxates"
Imagem: Fernando Moraes/UOL

O que dizem as partes envolvidas

A B3 disse ao UOL que deixou de patrocinar os quiosques em 2016. O Santander afirma que fez uma ação pontual na praça, como a pintura de áreas comuns, para celebrar a abertura do Farol Santander, em 25 de janeiro de 2018. Mas nunca patrocinou a área.

Os engraxates entraram em contato com a Enel para pedir o restabelecimento de energia. Disseram à empresa responsável pela distribuição de energia que se responsabilizam pelos custos do serviço. No entanto, ainda aguardam uma resposta.

Em nota, a Enel afirma que os quiosques não estão cadastrados em sua base de clientes.

"Para que seja feita a ligação de energia subterrânea, a concessionária já orientou que façam a solicitação diretamente em uma das lojas, definindo o responsável por todos os aspectos vinculados à prestação de serviços", registra a nota.

A reportagem questionou quem era a empresa responsável pelos cuidados do espaço e há quanto tempo as contas não eram pagas, mas não houve resposta. A Enel também não disse se emitiu comunicados para avisar sobre desligamento da luz.

A subprefeitura da Sé informa que não tem ligação com o pagamento das despesas de energia elétrica. Acrescenta que acionou a Enel "para o pronto restabelecimento da energia dos espaços".

Para Flávio Augusto, o patrocínio do local por outra empresa garantiria mais tranquilidade para trabalhar. "Somos seres humanos, somos trabalhadores. Merecemos respeito."