Com aumento do diesel, autônomos vendem caminhões e abandonam a boleia
O número de caminhoneiros autônomos vem caindo nos últimos anos. De acordo com a ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre), o Brasil tinha 919 mil transportadores autônomos cinco anos atrás. Em 2021, o órgão estimou que esse número caiu para 696 mil motoristas, uma queda de 24%.
O aumento dos preços dos combustíveis e a defasagem do frete são os principais vilões dessa história, além da alta dos custos de manutenção dos caminhões.
José Roberto Stringasci, presidente da Associação Nacional de Transporte do Brasil (ANTB), diz que muitos motoristas estão optando por deixar a profissão. "Um monte de gente já parou o caminhão, vendeu ou voltou a ser empregado de transportadora", afirma.
É o caso do baiano Alexsandro Bastos, de 37 anos e motorista profissional há 19 anos. "Vendi meus dois caminhões e preferi trabalhar para uma transportadora. Infelizmente, não compensa ter caminhão no Brasil. Você tem muita punição, pouco benefício e uma vida de escravidão na estrada. Eu vivia para o trabalho e não via a minha família", disse.
Segundo o motorista, que costumava fazer viagens entre São Paulo e cidades do Nordeste, 75% do custo do frete de um motorista autônomo vai em gastos de viagem. "Hoje, um frete de São Paulo para Recife custa R$ 12 mil. Desse valor, R$ 9.000 são diesel e pedágio", afirma.
O lucro de R$ 3.000 pode parecer bom em um primeiro momento, mas parte desse dinheiro é utilizada no retorno, já que o frete para voltar à cidade de origem costuma ser mais barato. Além disso, é preciso descontar gastos com alimentação e manutenção do caminhão.
Como autônomo, Alex costumava fazer duas viagens dessas por mês, já que são seis dias para ir e outros seis dias para voltar. Por isso, o motorista calcula que conseguia tirar entre R$ 3.000 e R$ 4.000 livres.
Agora, dirigindo para uma transportadora, ele tem uma remuneração maior. "Eu consigo tirar na faixa de R$ 5.500 de salário. O valor fixo na carteira é o valor do sindicato [R$ 2.186,43, de acordo com o SETCEB]. O restante é de comissão em cima do frete que a empresa cobra", completa.
Apesar disso, o motorista pretende deixar a profissão nos próximos dois anos após juntar algum dinheiro extra. "[Com a venda de um dos caminhões] eu comprei um terreno, onde quero construir uma mercearia na Ilha de Itaparica, na Bahia", conta.
Os motivos seriam a falta de segurança e condições adequadas para o trabalho como caminhoneiro. "Qual profissão a gente fica 30 dias fora de casa? Isso é na empresa que eu trabalho. Em outras, são quatro meses de estrada. E não temos nenhum benefício: não tem localidade para pernoitar com o caminhão, não tem lugar para tomar banho, não tem segurança", conta.
"Fui assaltado duas vezes e, em uma, me colocaram no cativeiro. É uma viagem que eu sei que vou, mas eu não sei se volto. Já conversei com a minha esposa. É melhor parar para viver um pouco mais a vida, porque eu estou vivendo para trabalhar", finaliza.
Frete defasado
A falta de segurança também foi um dos fatores decisivos para Paulo Nunes, de 59 anos, deixar a boleia após 40 anos de profissão. Ele relembra que em um assalto, em 2002, os bandidos fizeram roleta-russa três vezes com ele durante uma viagem para Salvador. "Por sorte e por Deus, eu sobrevivi", conta.
Depois deste episódio, o caminhoneiro optou por fazer viagens entre São Paulo e o porto de Santos, onde os motoristas costumam andar em comboio para evitar abordagens de assaltantes. Ele se manteve na profissão até 2018, quando o Brasil parou devido à greve dos caminhoneiros.
"A gente estava com o frete muito defasado. Pagavam R$ 1.200 para a gente descer para o litoral, pegar o contêiner, subir, descarregar e voltar com ele vazio para o Porto. Depois da greve, saiu a nova tabela e, pela quilometragem calculada, o frete iria para R$ 1.700. Com esse valor, daria para continuar, mas ninguém quis me dar nem R$ 50 de aumento", relembra.
À época, Nunes trabalhava com cerca de 70 empresas que operavam no Porto de Santos. O caminhoneiro diz que chegou a falar com todas, mas apenas duas aceitaram pagar o preço de tabela do frete. "Todo mundo trabalha com valor abaixo, ninguém paga a tabela. É muito raro", lamenta.
Para ele, a saída era que a ANTB fizesse um posto de fiscalização nas proximidades do Porto de Santos para garantir que o frete pago ao motorista fosse o estabelecido na tabela do frete nacional. "Se pagassem os R$ 1.700, dava para tocar. Gastaria uns R$ 500 com óleo diesel, mais R$ 150 de pedágio e R$ 50 para almoçar. Sobraria R$ 1.000", conta.
Segundo Nunes, para um frete ser bom, o lucro para o motorista autônomo tem de ser algo entre 50% e 70%. Isto porque os gastos com a manutenção do caminhão são altos. Um jogo de pneus novos, por exemplo, custa pelo menos R$ 3.800. O preço é três vezes maior do que o kit de pneus para um carro de passeio.
Desiludido com a profissão, o caminhoneiro agora trabalha transportando material para sua mulher, Celi de Castro. Juntos, eles administram dentro de casa uma empresa que vende artigos de festa para lojas. "Ela faz a venda e eu faço as entregas. Não tenho salário porque trabalho para mim mesmo", conta.
Sem revelar valores, Nunes diz que ele e a esposa faturam o suficiente para manter os gastos com a casa em Itaquaquecetuba, região metropolitana de São Paulo. No entanto, ele se preocupa com a falta de uma aposentadoria, já que constantemente tem problemas com úlcera na perna, que causam incômodo ao dirigir. "Estou com a quarta [ferida] aberta. Está sarando e espero que seja a última", disse.
Diesel corrói lucro dos autônomos
Dados do site de transporte Fretebras mostram a diferença entre reajuste de fretes e do óleo diesel. Entre fevereiro de 2021 e fevereiro de 2022, o frete médio por quilômetro rodado teve um aumento de apenas 1,96%. No mesmo período, o preço do diesel subiu 41,48%.
O levantamento analisou mais de 8 milhões de fretes registrados na plataforma da Fretebras. O site conta com 675 mil caminhoneiros autônomos registrados e 17 mil empresas, que fazem entregas em 95% do território nacional.
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