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Eles cortaram bares, cinema, shows e baladas porque lazer ficou caro demais

Henrique Santiago

Do UOL, em São Paulo

28/05/2022 04h00Atualizada em 30/05/2022 11h39

Hugo Victor da Silva trocou as baladas por encontros em sua casa com amigos próximos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Hugo Victor da Silva trocou as baladas por encontros em sua casa com amigos próximos
Imagem: Arquivo pessoal

Nas últimas semanas, Hugo Victor da Silva, 30, queria comprar um ingresso para ver uma exposição do pintor Vincent van Gogh em São Paulo. Porém, o editor de vídeo desistiu ao saber o preço da entrada: R$ 80.

Com a retomada das atividades culturais e de entretenimento após a fase aguda da pandemia de covid-19, Hugo Victor adaptou sua procura por lazer. Filmes no cinema, shows e exposições foram cortados do seu dia a dia. Bares e restaurantes, apenas em datas comemorativas.

Ele afirma que já perdeu ao menos duas apresentações de música eletrônica porque os ingressos custavam mais de R$ 200. "É importante consumir lazer e cultura, mas com esse dinheiro eu compro comida para a semana", afirma o editor de vídeo.

De fato, o lazer está mais caro no Brasil, de acordo com os dados do IPCA-15 (Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo 15), a prévia da inflação oficial no país. No acumulado dos últimos 12 meses, o preço das refeições fora de casa subiu 8,55% e cinema, teatro e concerto subiram 11,08% (confira o gráfico abaixo).

Para quem tem interesse em viagens mais longas, de avião, a passagem aérea ficou 89,19% mais cara nesse período. Os serviços de streaming, como Netflix e Amazon Prime Video, seguem a mesma escalada: 11,52% de alta. Os dados são divulgados mensalmente pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Para economizar dinheiro, Hugo Victor substituiu a balada, que antes da covid-19 era um acontecimento quase semanal, por encontros com amigos em sua casa. "Quando eu coloco na ponta do lápis, vejo que fica mais barato" diz ele, que divide os custos de comidas e bebidas com quem o visita.

'Ir a um show virou luxo'

Aline Monteiro não vai mais a shows desde a flexibilização por causa dos preços dos ingressos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Aline Monteiro não vai mais a shows desde a flexibilização por causa dos preços dos ingressos
Imagem: Arquivo pessoal

A designer Aline Monteiro, 33, tem acompanhado de longe os anúncios de shows na cidade de São Paulo. Demitida no início da pandemia, ela tem se virado nos últimos dois anos com a renda de trabalhos pontuais como freelancer.

Entusiasta da vida noturna, Aline se viu forçada a ser uma pessoa mais caseira. As opções que têm à mão são o videogame (novos jogos só são comprados em raras promoções), plataformas de streaming (compartilhadas com amigos e familiares para aliviar o preço das mensalidades) e um teclado musical antigo que comprou por R$ 50.

"Eu gostaria muito de prestigiar as bandas de que gosto, sei o quanto os artistas foram impactados por não poderem tocar [no primeiro ano de pandemia]. Mas eu não tenho condições de consumir lazer agora. Ir a um show virou investimento, um luxo", declara.

Entre sair e pagar as contas, Aline prefere manter o aluguel da casa em dia. "Eu ainda não fui a shows, ao cinema e a bares por causa dos preços. Não consigo viver como se não houvesse amanhã."

Mais pobres descartam lazer, dizem especialistas

Para o economista da FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas) André Braz, a inflação brasileira se espalhou para além dos componentes essenciais na vida do brasileiro: alimentação, habitação e transporte.

Como consequência, o lazer é a primeira opção a ser descartada por famílias de menor renda. "Quem é menos favorecido certamente vai privilegiar o seu sustento. E a classe média precisa se adaptar a esses tempos difíceis. Num dia vai ao cinema, no outro fica em casa", diz.

A professora de economia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Cristina Helena Melo avalia que a participação das famílias brasileiras em atividades de lazer tende a diminuir conforme os custos aumentam.

Segundo ela, as três esferas do governo (municipal, estadual e federal) precisam oferecer alternativas gratuitas para que a população, sobretudo a mais afetada com o custo de vida elevado, possa acessar os serviços de lazer. "Está cada vez mais difícil comprar comida, e o brasileiro ainda tem que ser um herói para conseguir se manter culturalmente."

Economizar para mudar de país

A analista internacional Sabrina do Livramento, 31, enxugou seus gastos desde que foi demitida em fevereiro deste ano. Ela se mudou de Curitiba para o Rio de Janeiro para buscar um emprego temporário e se impressionou com a quantidade de atividades turísticas de graça na capital fluminense.

Para unir o útil ao agradável, tem preferido andar de bicicleta a pedir um carro por aplicativo. Sabrina também cancelou todas as plataformas de streaming, poupando mais de R$ 100 ao mês, e eliminou as compras de refeições por app de entrega.

Uma vez ou outra tem de recusar convites de amigos para atividades pagas que antes aceitaria de imediato. "A minha visão sobre lazer mudou bastante na pandemia".

Ela começou a juntar suas economias porque pretende se mudar para Portugal ainda este ano, principalmente porque quer elevar sua qualidade de vida.