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Inflação faz microempresários usarem economias próprias para manter negócio

Rosângela Tavares começou a usar o dinheiro destinado à educação do seu filho para manter sua empresa viva - Arquivo pessoal
Rosângela Tavares começou a usar o dinheiro destinado à educação do seu filho para manter sua empresa viva Imagem: Arquivo pessoal

Henrique Santiago

Do UOL, em São Paulo

10/06/2022 04h00

Pequenos empresários estão queimando suas reservas pessoais, destinadas à educação dos filhos ou à compra da casa própria, para manter suas empresas vivas. Eles atribuem o problema à inflação, que tem elevado custos de produção e afastado clientes. No acumulado dos últimos 12 meses, a inflação oficial é de 11,73%.

É o caso da pedagoga Rosângela Tavares, 45. Desempregada desde o início da pandemia, ela abriu uma pequena confeitaria dentro de sua casa, na Vila Santa Catarina, zona sul de São Paulo. Em dois anos, a satisfação com o novo trabalho é tamanha que ela desistiu de voltar para sua área de formação, mas a escalada nos preços de materiais básicos para a confecção de bolos, pães de mel e alfajores tem mexido com seu orçamento.

Criadora da Doces Joaninhas, Rosângela tem usado o dinheiro de sua reserva pessoal, destinada à educação de seu filho Nicolas, 14, para continuar trabalhando. Ela diz que a lata de leite de condensado, que há dois anos custava R$ 4,50, hoje está perto de R$ 9. A barra de chocolate ao leite de 2,5 kg saltou de R$ 28 para R$ 60, e 1 kg de açúcar refinado, que em 2020 saía por R$ 2, agora não custa pelo menos R$ 4.

"Eu tive que pôr a mão na minha reserva, preciso tapar o buraco de algum jeito. Quem não tem [dinheiro guardado] sofre", afirma.

De acordo com dados do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), a inflação oficial do Brasil, o preço do leite condensado subiu 6,27% no acumulado dos últimos 12 meses. O chocolate em barra, por sua vez, subiu 10,18% e o açúcar refinado, 35,74%.

Rosângela declara que é mais fácil tirar dinheiro da conta do que subir os preços de seus produtos. Ela estabelece uma meta mensal de vender ao menos 30 bolos, o carro-chefe da casa, mas nem sempre é possível. O bolo simples custa R$ 25, e o confeitado, de R$ 45 a R$ 90. "Se eu aumentar, o cliente não entende. É melhor eu viver com pouco do que perder a minha clientela."

Ainda que enfrente percalços, ela diz que seu atual trabalho garante uma qualidade de vida melhor em comparação com o seu antigo emprego de pedagoga.

Empreendedora se assusta com subida de preços

Camila Alcântara freou o sonho da casa própria para comprar materiais mais caros para sua empresa - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Camila Alcântara freou o sonho da casa própria para comprar materiais mais caros para sua empresa
Imagem: Arquivo pessoal

A empreendedora Camila Alcântara, 28, também tem deixado o saldo de sua reserva pessoal menor a cada mês. Formada em história, ela abriu em janeiro deste ano a empresa Realejo, de encadernação e restauração de livros, e conta que conquistou clientes já nos primeiros meses.

Só que o encarecimento das matérias-primas lhe causa espanto toda vez que vai a uma papelaria em Juiz de Fora (MG), diz. O IPCA registrou alta de 8,69% nos artigos de papelaria no acumulado dos últimos 12 meses.

Hoje, Camila afirma que paga R$ 24 pelo pacote de 500 folhas A4 — há dois meses, custava R$ 18. A cola de 1 kg, tão essencial quanto o papel, subiu de R$ 28 para R$ 33, diz. Mesmo a contragosto, ela mexe no dinheiro guardado para comprar a sonhada casa própria com o objetivo de manter a Realejo de pé.

Ela recebe em média de 15 a 20 encomendas por mês, mas depende da sazonalidade de datas comemorativas para bater sua meta de faturamento. Repassar o preço dos insumos para seus serviços está fora de cogitação. Ela cobra até R$ 50 para criar cadernos do zero e R$ 70 para restaurar livros.

"Tenho plena consciência de que estou começando agora e não está fácil para ninguém. Quando eu falo quanto custa, algumas pessoas já nem procuram mais. Está difícil, praticamente não tenho lucro."

Brasileiro prioriza arroz e feijão, diz empreendedora

Julia Berengani afirma que a venda de iogurtes orgânicos caiu pela metade - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Julia Berengani afirma que a venda de iogurtes orgânicos caiu pela metade
Imagem: Arquivo pessoal

Demitida no começo da crise sanitária, a assistente de atendimento Julia Berengani usou seu seguro-desemprego para abrir sua própria empresa. Ela tem a dupla tarefa de se dividir como produtora cultural e sócia-proprietária da Berelu Orgânicos, que vende iogurtes veganos e orgânicos, e tem como sócios seu irmão, Pedro, 32, e sua cunhada, Cristina, 30.

Ela vive entre Santo André, no ABC Paulista, e o sítio da família, localizado em Cerqueira César, no interior de São Paulo.

Desde o início, ela diz que seu objetivo era oferecer seu produto a um preço acessível, que não passasse de R$ 4,50 para o consumidor. Hoje, no entanto, os estabelecimentos de orgânicos vendem o produto a R$ 8,50, dependendo da unidade.

Com a escalada nos preços, Julia teve que seguir o mesmo ritmo para não acumular prejuízos. O quilo do morango orgânico custa R$ 10 -ela desembolsava metade do valor há três meses. O inhame, que é usado como base do iogurte, é vendido direto do produtor por R$ 5 o quilo, e não mais R$ 3.

O morango acumula aumento expressivo de 57,63% no acumulado dos últimos 12 meses, de acordo com o IPCA. O preço do inhame subiu 3,67% nesse período.

Além de competir com grandes marcas, que dominam as gôndolas dos estabelecimentos, Julia atribui à cesta básica mais cara a diminuição nas vendas. No início deste ano, a Berelu vendia 200 potes ao mês e, nos dias atuais, oscila entre 70 e 100.

"A crise econômica tem feito com que as pessoas comprem cada vez menos o nosso produto", diz ela, que reconhece que a busca por arroz e feijão tem sido prioridade do brasileiro.

Julia acredita que a situação de empresa poderá melhorar a partir de 2023, com a tentativa de colocar seu produto na merenda de escolas e universidades.

Subir preços afasta clientes, diz especialista

A consultora do Sebrae-SP Paula Pereira afirma que a combinação da inflação desmedida e a perda do poder de compra do brasileiro afetam principalmente quem é MEI (microempreendedor individual) e MPE (micro e pequeno empresário).

Uma pesquisa divulgada em maio deste ano pela entidade com mais de 13 mil participantes mostrou que o aumento dos custos (50%) e a falta de clientes (21%) são os fatores que mais trazem dificuldades para quem tem pequenos negócios.

Segundo ela, esses profissionais não têm o poder de barganha de uma grande marca por comprarem em menor escala e, como resultado, deixam os preços como estão. "O consumidor naturalmente diminuiu os seus gastos. Se repassar o aumento, ele foge", declara.

Embora considere válido segurar os preços, Paula afirma que é essencial que os donos de negócios tenham o controle financeiro bem ajustado, incluindo todo dinheiro que entra e sai.

"É necessário entender que sua margem diminuiu, mas as despesas aumentam. Ter esse controle hoje é essencial para sobreviver." Segundo a pesquisa do Sebrae, 41% de empresários estão preocupados com o futuro de sua empresa.

Ela recomenda que os empreendedores pratiquem o reajuste escalonado, ou seja, façam a mudança de preços aos poucos, idealmente com intervalo de um ou dois meses.