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Brasileiro consegue mais emprego com carteira, mas está ganhando 9% menos

Mais emprego, menos salário: dados do Caged mostram que remuneração inicial está menor - iStock
Mais emprego, menos salário: dados do Caged mostram que remuneração inicial está menor Imagem: iStock

Fabrício de Castro

Do UOL, em Brasília

26/06/2022 04h00

Passado o pior momento da pandemia de covid-19, a economia brasileira vem gerando mais empregos formais (com carteira assinada). Houve um crescimento de 8,5% em relação a janeiro de 2020 (antes da pandemia). Mas os salários iniciais estão menores. Dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério do Trabalho e Previdência, mostram que o salário médio dos trabalhadores contratados em abril deste ano é 9,34% inferior ao valor verificado em janeiro de 2020, já considerando os ajustes pela inflação.

Os salários de contratação deste ano também estão abaixo dos registrados um ano atrás, quando a crise sanitária era mais intensa. Para economistas ouvidos pelo UOL, os números traduzem essa percepção de que o país está gerando mais vagas, mas com salários menores.

"O Caged mostra que está havendo redução do desemprego, mas com salários mais depreciados", afirma o economista William Baghdassarian, professor de finanças do Ibmec em Brasília. "Depois de tanto tempo de crise, de desemprego, as pessoas estão aceitando funções com salários mais baixos."

Pelos dados do Caged, após a forte queda do emprego formal provocada pela pandemia no primeiro semestre de 2020, o estoque de vagas com carteira assinada passou a subir.

Em abril de 2022, o total de vagas formais no Brasil já estava em 41.448.948, um crescimento de 8,5% em relação a janeiro de 2020.

Embora mais pessoas estejam empregadas atualmente, as remunerações estão menores do que se viu antes da pandemia.

Em janeiro de 2020, o salário médio de contratação era de R$ 1.735,87. Se atualizado pela inflação até abril deste ano, esse valor seria equivalente a R$ 2.102,97. Conforme o Caged, o salário de contratação em abril deste ano foi de R$ 1.906,54. Ou seja, considerando a inflação, o salário de hoje é menor que o do início de 2020.

Veja nos gráficos abaixo o estoque de vagas com carteira assinada e os salários médios de contratação, atualizados pela inflação até abril de 2022.

A atualização inflacionária foi feita com base no INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), indicador medido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que serve de parâmetro para negociações salariais de diversas categorias profissionais.

Salários menores em 2022

Os dados do Caged indicam que os salários de contratação nos primeiros quatro meses deste ano também foram inferiores aos registrados no início de 2021.

O salário médio de contratação em abril de 2021, por exemplo, já atualizado pela inflação, foi de R$ 2.086,82. O valor é superior aos R$ 1.906,54 pagos, em média, a quem foi contratado em abril deste ano.

A queda do desemprego veio muito em função da redução salarial. Não é de se surpreender que tenhamos no Brasil um processo de empobrecimento grande, com as pessoas entrando na insegurança alimentar.
William Baghdassarian, professor do Ibmec

Para o professor Marcelo Manzano, do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o emprego de fato está crescendo no Brasil, mas os salários estão mais baixos.

"Nos últimos meses, temos observado a recuperação do emprego, que é resultado da retomada da economia pós-pandemia", explica Manzano.

As atividades ligadas a serviços, que foram muito prejudicadas pela pandemia, estão se recuperando. Mas tem muita gente trabalhando em atividades informais, por conta própria. Nessas condições, é muito difícil haver recuperação salarial. Os trabalhadores estão aceitando trabalhar por salários muito baixos, em função do quadro social. Com o excedente de mão de obra, o salário não se recupera.
Marcelo Manzano, professor da Unicamp

Reforma trabalhista

Manzano aponta um segundo fator para que os salários não se recuperem: a reforma trabalhista realizada durante o governo de Michel Temer, que tornou mais flexíveis as relações entre patrões e empregados.

Segundo ele, a reforma restringiu a atuação de sindicatos e facilitou a demissão de funcionários por parte das empresas. "A homologação de uma rescisão contratual não passa mais por sindicatos. Então, as empresas demitem um funcionário e contratam outro. Antes, o sindicato tinha que fiscalizar isso", afirma.

O professor cita ainda a maior dificuldade de acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho. "Hoje, ao mover uma ação, se o trabalhador perder, ele paga as custas do processo. Isso passa uma mensagem, para a classe patronal, de que é possível não cumprir com absoluta clareza os pagamentos devidos. Abrem-se brechas para pagamentos reduzidos", opina.

Baghdassarian, do Ibmec, tem avaliação diferente. "A reforma trabalhista foi boa. Ela não tirou tantos direitos e possibilitou maior empregabilidade", afirma.

Mas quando os salários vão melhorar?

Os economistas ouvidos pelo UOL afirmaram que a recuperação dos salários passa pelo crescimento econômico. Eles lembraram que, nos últimos anos, o Brasil vem apresentando resultados cada vez menores para o PIB (Produto Interno Bruto).

Os dados do IBGE mostram que, de 2007 a 2010 (segundo governo Lula), o PIB brasileiro cresceu em uma média anual de 4,61%. De 2011 a 2014 (primeiro governo Dilma), a média anual de crescimento foi de 2,34%.

No período de 2015 a 2018, que abarca o segundo governo Dilma e o governo Temer, o PIB registrou retração anual média de 0,96%. De 2019 a 2021 (três primeiros anos do governo Bolsonaro), a média anual do PIB foi de 0,57%.

"O Brasil tem dificuldade grande de crescer desde 2015. Em 2015 e 2016, em meio à crise, o PIB recuou cerca de 7%. É como retirar Minas Gerais do mapa", compara Baghdassarian, do Ibmec.

"Se o país não crescer, fica complicado ter mais renda. Para gerar emprego, é preciso gerar empresas, crescimento econômico. A nossa situação está muito mais ligada à dificuldade de voltar a crescer do que à reforma trabalhista."

Para o economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e presidente do Cofecon (Conselho Federal de Economia), a recuperação de salários passa pelo estímulo do governo ao crescimento econômico. "O crescimento econômico é o motor da geração de emprego e renda", defende.

Essa também é a visão de Manzano, da Unicamp. "O Estado tem que reintroduzir a industrialização no país", defende. "Houve um esgarçamento do tecido econômico. Não dá para cicatrizar os buracos apenas pelo setor privado."

Governo

O UOL abriu espaço para posicionamento do Ministério do Trabalho e Previdência sobre a geração de empregos formais e os salários no país. O ministério não se pronunciou.