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Bolsonaro não tem justificativa para estado de emergência, dizem advogados

Estado de emergência foi usado para governo aumentar despesas, como vale-caminhoneiro e Auxílio Brasil de R$ 600 - Reprodução
Estado de emergência foi usado para governo aumentar despesas, como vale-caminhoneiro e Auxílio Brasil de R$ 600 Imagem: Reprodução

Do UOL, em São Paulo

30/06/2022 04h00

Uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) apresentada no Senado recorre ao estado de emergência para aumentar e criar novos benefícios sociais (como vale-caminhoneiro e Auxílio Brasil de R$ 600). Como é um ano eleitoral, isso não poderia ser feito, mas o estado de emergência permite driblar a legislação. Segundo advogados ouvidos pelo UOL, a proposta é legalmente questionável. Eles dizem que a situação atual não justifica um estado de emergência.

Além disso, o estado de emergência dá ao governo mais poder, pois seria permitida a suspensão de garantias constitucionais sobre propriedade e liberdade de pessoas ou empresas. Mas os especialistas dizem que o texto da PEC 16 limita a atuação do Poder Executivo e não veem riscos contra a liberdade.

Estado de emergência e estado de calamidade

Há na Constituição situações especiais que suspendem ou alteram regras gerais para a atuação do governo em casos excepcionais, como desastre, natural ou não, guerras ou comoção grave de repercussão nacional.

Estado de calamidade pública e estado de emergência: Ocorre quando há uma situação de desastre, natural como aqueles provocados pelo clima, ou não, como foi a pandemia, que afete uma região e comprometa substancialmente o poder de resposta do setor público.

Há duas principais diferenças entre calamidade pública e estado de emergência.

  • No estado de emergência, os problemas ainda não aconteceram, enquanto na calamidade pública, a crise já aconteceu ou está acontecendo. Além disso, no estado de calamidade pública, a situação é mais grave que no estado de emergência.
  • Na situação de emergência, o comprometimento de atuação do governo é parcial, enquanto no estado de calamidade, o impacto no setor público é substancial, ou seja, é mais grave o conjunto de efeitos sobre os cidadãos.

Estado de defesa: Essa situação só pode ser acionada pelo presidente da República, por até 30 dias, prorrogáveis apenas por uma vez, quando a paz do Estado está ameaçada por problemas institucionais ou desastres, naturais ou não.

Estado de sítio: A forma mais radical das situações excepcionais só pode ser decretada pelo presidente da República em três casos: ineficácia do estado de defesa, guerras e comoção grave de repercussão nacional, podendo durar apenas 30 dias e só prorrogáveis em casos de conflito armado contra forças internacionais. Nessa situação, podem estar incluídas a suspensão dos poderes Legislativo e Judiciário, de direitos civis, como sigilo, reuniões, liberdade de ir e vir, e da liberdade de imprensa.

Situação atual não justifica estado de emergência

Para especialistas ouvidos pelo UOL, a atual situação no país não justifica a decretação de um estado de emergência.

O advogado Renato Ribeiro de Almeida, sócio da Ribeiro de Almeida & Advogados Associados, diz que o Brasil passa por uma situação causada por um fato internacional, a guerra na Ucrânia, que elevou os preços das commodities, como petróleo.

Isso encareceu os combustíveis no Brasil, mas por causa da política de preços da Petrobras, já que o país é quase autossuficiente em petróleo.

Essas duas circunstâncias, embora sensíveis para a economia brasileira, não se confundem com estado de emergência ou de calamidade. Estamos muito distantes dessa situação. Não tivemos desastre natural, não estamos em guerra. Então, não há razão para termos estado de emergência nem de calamidade.
Renato Ribeiro de Almeida

PEC para benefício a caminhoneiros não tem base

A decisão de dar o auxílio-caminhoneiro com mudança na Constituição está tecnicamente errada, diz a advogada especialista em direito político e eleitoral, Fátima Cristina Pires Miranda, sócia do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados, e membro titular da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e do Instituto de Direito Político e Eleitoral (IDPE).

Segundo ela, a Constituição deve conter princípios. Essa questão específica do benefício a uma categoria deveria estar em uma lei, a norma jurídica correta para tal previsão.

A iniciativa do governo federal indica clara intenção de burlar a lei eleitoral, o que é inadmissível.
Fátima Cristina Pires Miranda

Também para o advogado Alexandre Rollo, especialista em direito eleitoral e doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a criação do benefício por meio de PEC é questionável. "Criar um artigo novo na Constituição para burlar a legislação eleitoral é discutível na Justiça", diz Rollo.

Para o advogado Cristiano Vilela, sócio da firma Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados, a instituição do auxílio-caminhoneiro por meio de PEC permite, em tese, ao governo driblar o impedimento da lei eleitoral, uma vez que o texto constitucional está acima da legislação sobre eleições.

Mas ele também pondera que alterar a Constituição não é o meio mais adequado para estabelecer benefícios pontuais, como o auxílio-caminhoneiro.