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Lula e Bolsonaro já enfrentaram economia ruim, mas 2023 ameaça ser pior

Fabrício de Castro

Do UOL, em Brasília

01/07/2022 04h00

Inflação acelerada e baixo crescimento: esses são dois dos principais desafios que o próximo presidente do Brasil enfrentará a partir de 2023. Economistas ouvidos pelo UOL afirmam que os dois candidatos que lideram a disputa —o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL)— já enfrentaram dificuldades na economia, mas podem encontrar no próximo ano um cenário econômico ainda mais complicado que no começo de seus primeiros mandatos.

Lula foi presidente entre 2003 e 2006 (primeiro mandato) e entre 2007 e 2010 (segundo mandato). Bolsonaro assumiu o governo em 2019. Os dois candidatos têm uma característica comum: ambos já se sentaram na cadeira de presidente e, por isso, enfrentaram problemas na área econômica herdados de administrações anteriores. Mas qual é o tamanho do desafio para 2023?

Os dados abaixo ajudam na comparação. Eles refletem a situação de alguns dos principais indicadores econômicos no primeiro dia de cada mandato presidencial. Os números sobre o início do próximo governo, em 2023, são projeções atuais da MCM Consultores Associados.

No caso do câmbio, os valores foram atualizados pela inflação do Brasil e dos Estados Unidos para refletir quanto valeria US$ 1 do passado em valores de abril de 2022. Com isso, é possível comparar os valores de outros anos com a projeção para o fim deste ano (R$ 5). Os cálculos foram feitos pelo professor Alexandre Cabral, da Saint Paul Escola de Negócios, de São Paulo.

O indicador da relação entre dívida bruta e PIB (Produto Interno Bruto) passou por modificação metodológica ao longo do tempo, mas ainda assim serve de parâmetro para mostrar como era o cenário em 2003, quando Lula assumiu a Presidência.

Os desafios de Lula

Os dados mostram que a inflação no início do primeiro governo Lula, de 12,53%, era superior ao projetado para o início do próximo governo, de 7,4%. Ainda assim, economistas afirmam que a inflação atual é um problema — como foi em 2003. No caso do PIB (Produto Interno Bruto), um eventual novo governo Lula começaria com o crescimento abaixo (2%) do que foi visto no início de 2003 (3,1%).

O economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central e sócio da consultoria Schwartsman & Associados, defende que o desafio de Lula, se eleito, será maior que em 2003.

"Será muito maior, porque em 2003 o [ex-presidente] Fernando Henrique Cardoso já havia feito o ajuste das contas públicas, subindo imposto", diz o economista, que foi diretor do BC durante o governo Lula. "Do ponto de vista fiscal [de despesas] a casa estava em ordem, era só não mexer. Lula até melhorou um pouco."

Schwartsman chama a atenção para a necessidade de o próximo governo estabilizar a relação entre dívida bruta e PIB, considerado o principal indicador sobre a capacidade de um país cumprir seus compromissos.

"Grosso modo, vamos terminar 2022 com uma dívida perto da casa de 80% do PIB, com 5% de juro real [descontada a inflação]. Se o país conseguir crescer 2% ao ano, o governo terá que fazer superávit perto de 2,5% para estabilizar a dívida", calcula.

O superávit primário ocorre quando as receitas do governo são maiores que as despesas.

Na prática, o próprio governo precisaria, na visão de Schwartsman, cortar mais despesas para garantir um superávit próximo de 2,5%, o que evitaria que a dívida avançasse para além de 80% do PIB.

"Há um caminho para seguir. E um caminho complicado, entre outras coisas, porque o Orçamento hoje é muito mais rígido do que quando Lula assumiu pela primeira vez", diz. Segundo ele, o governo tem hoje ainda menos espaço para cortar despesas.

Inflação elevada

Para o economista-chefe do C6 Bank, Felipe Salles, os dados indicam que os desafios de Lula, caso ele seja eleito para novo mandato em 2023, serão semelhantes aos enfrentados 20 anos antes, em 2003.

Tanto em 2003 quanto agora, nós vemos problemas de inflação alta. Em 2003, a inflação estava em dois dígitos e atualmente também está em dois dígitos. Os juros estavam elevados em 2003 e [também estão] agora, exatamente para trazer a inflação para baixo. E havia problemas fiscais tanto em 2003 quanto agora.
Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank

O economista lembra que a inflação de 2002/2003 foi resultado de uma crise de confiança do mercado financeiro em relação a Lula. Em meio às dúvidas sobre o futuro da economia com o petista na presidência, o dólar disparou e contaminou a inflação.

Assim, no início do primeiro mandato de Lula a inflação estava na casa dos 12% e o dólar próximo de R$ 7 (em valor de abril de 2022) —números acima dos projetados para o começo de 2023.

"No primeiro mandato de Lula, quando ficou claro que o país seguiria o chamado tripé macroeconômico [dólar flutuante, meta de inflação e meta para gastos], a inflação diminuiu", lembra Salles.

A situação agora é diferente. Economistas lembram que a inflação atual, de 11,73% nos 12 meses até maio, é provocada por uma série de choques —eventos econômicos inesperados, como a pandemia de covid-19, a crise hídrica, a disparada nos preços de combustíveis e a guerra entre Rússia e Ucrânia.

"Não sabemos como estará o mundo em 2023. Em princípio, tendo a dizer que os desafios de Lula, se eleito, são semelhantes. Mas apenas se o mundo continuar do mesmo jeito que está agora. Se continuar com choques, o desafio aumenta", diz Salles.

Os desafios de Bolsonaro

Atual ocupante do Palácio do Planalto, Bolsonaro também terá alguns desafios maiores que os vistos no início de seu governo, caso seja reeleito.

"A inflação era menor, sem dúvida nenhuma, no começo do mandato de Bolsonaro. E os juros estavam em um patamar sustentável", cita Salles. "Por outro lado, no começo do governo Bolsonaro o Brasil tinha gastos mais elevados —inclusive mais elevados que agora. Havia também uma dívida bruta alta, com tendência de aceleração", acrescenta.

O economista Mauro Schneider, da MCM Consultores, afirma que o debate sobre gastos "avançou muito pouco" no governo Bolsonaro. "A única coisa que foi feita foi a Reforma da Previdência", diz. "As questões dos gastos com servidores públicos, subsídios a empresas, despesas obrigatórias não foram tratadas."

Schneider avalia ainda que o exterior é uma preocupação para o próximo presidente. "O cenário externo é pior que aquele que Bolsonaro teve pela frente em 2019 e o Lula enfrentou em 2003", afirma. "Lá fora, estamos vendo um processo de aperto de política monetária [alta de juros], por conta da inflação elevada. E os países também estão com níveis altos de endividamento."

O economista da MCM vê um cenário mais difícil para a economia global agora, com reflexos no Brasil. "Antes havia forças favoráveis ao crescimento global, como juros baixos e oferta de recursos. O cenário agora, para um segundo governo Bolsonaro, é outro."

O que querem os eleitores?

Longe das discussões técnicas, eleitores de Lula e Bolsonaro esperam o básico do próximo presidente: que a economia melhore.

Sem emprego formal há dois anos, Gislaine da Rosa, de 46 anos, deposita no próximo presidente a esperança de uma vida melhor. Estudante de Serviço Social em Ponta Grossa (PR), ela espera que o próximo governo consiga controlar a inflação e estimular o crescimento, gerando mais empregos. Gislaine é eleitora declarada de Lula.

Tem que ter esperança, né? E eu tenho esperança de que Lula vai conseguir controlar a inflação e, com o tempo, começar a investir na economia, a gerar empregos.
Gislaine da Rosa, estudante, eleitora de Lula

Crítico a Lula, o representante comercial Willian Silva, de 34 anos, votará em Bolsonaro caso a disputa fique realmente entre os dois. Morador de Franca (SP), ele também se preocupa com a inflação, mas defende que esse não é um problema exclusivo do Brasil. "O mundo inteiro tem inflação recorde. Infelizmente, para nós já é corriqueiro."

A expectativa de Silva é de que Bolsonaro, no início de seu segundo mandato, respeite o teto de gastos —a regra que limita as despesas públicas ao Orçamento do ano anterior, corrigida pela inflação. Silva demonstra preocupação com o controle de despesas e o uso dos recursos públicos.

Não existe justificativa para que não se respeite o teto de gastos. Não seria justo ameaçar o futuro das próximas gerações mudando o teto de gastos. Como em qualquer orçamento, como na nossa casa, não se pode gastar mais que se arrecada.
Willian Silva, representante comercial, eleitor de Bolsonaro