Ex-vendedora da Ricardo Eletro espera indenização há 2 anos e vive de ajuda
A vendedora Ivany dos Santos, 44, foi demitida da Ricardo Eletro no mesmo dia em que soube do fechamento da loja onde trabalhou por quase dez anos, em Ipatinga (MG), em 29 de julho de 2020. O espanto repentino do desemprego só não foi maior do que a demora do pagamento dos acertos trabalhistas.
Há quase dois anos, Ivany tenta receber os valores referentes à rescisão do contrato de trabalho e ao FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Ela entrou na Justiça do Trabalho contra a Ricardo Eletro, e a juíza deu ganho de causa em setembro de 2021.
Entretanto, a vendedora teve apenas o depósito de cinco parcelas do seguro-desemprego, que totalizam R$ 5.500. Ao todo, ela calcula que tem direito a R$ 30 mil. "É triste você se dedicar tanto a um trabalho e agora se sentir humilhada por querer um dinheiro que é seu", diz.
No dia 7 de agosto de 2020, o grupo Máquina de Vendas, dono da Ricardo Eletro, entrou com pedido de recuperação judicial. A varejista, que chegou a ser uma gigante de 1.200 lojas e 28 mil funcionários, acumulou dívidas superiores a R$ 4 bilhões, 17 mil credores e hoje tem apenas um site com oferta limitada de produtos.
Em menos de um mês, o TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) decretou a falência do grupo duas vezes -a decisão mais recente é de terça-feira (5). A empresa recorreu e está com liminar pendente no tribunal para tentar reverter a decisão.
Ela parou de trabalhar por causa de hérnia de disco
Ivany conseguiu um emprego na área em uma loja de móveis depois de quase seis meses de procura. Mas ordens médicas forçaram o pedido de afastamento do trabalho após ela descobrir duas hérnias de disco. Ficar de pé, uma situação cotidiana para vendedores, virou um grande desafio.
Ela declara que a dor é tanta que às vezes não consegue fazer tarefas domésticas simples, como passar pano em casa. Sua rotina de venda deu lugar a sessões de fisioterapia.
"Eu moro de aluguel, tenho uma mãe que depende de mim. Se eu tivesse esse dinheiro, poderia pagar pilates e hidroginástica [para tratar a hérnia]. Tenho amigos que compram remédio para mim", declara Ivany, que diz já ter esgotado sua reserva financeira e hoje conta com ajuda de amigos e familiares para pagar suas contas.
'Perdi o emprego e o casamento'
Rodrigo Rojahn, ex-gerente da Ricardo Eletro de Quedas do Iguaçu (PR), põe na conta da empresa o acúmulo de dívidas que deu fim ao seu casamento de oito anos. "Eu não era inadimplente e hoje sou", diz.
O ex-gerente trabalhou por quase quatro anos na unidade paranaense e afirma ter R$ 28 mil para receber, entre FGTS, férias e 13º salário.
Sem dinheiro, diz que sua família passou a ter dificuldades para pagar as parcelas da casa que havia financiado e teve de vender o imóvel.
Ele também acionou a Justiça e venceu a causa em março deste ano, mas ainda não viu a cor do dinheiro. "Eu tinha casa para pagar e fiquei um bom tempo desempregado, minha ex-esposa passou um tempo bancando tudo sozinha. Mas, depois de tantos problemas financeiros e tantas discussões, o casamento acabou."
Atualmente, Rojahn mora na casa da mãe e trabalha como representante de vendas de placas solares. Dos R$ 25 mil de dívidas que contraiu, ele ainda tem pouco menos da metade do valor para pagar.
"A Ricardo Eletro parou minha vida. Eu poderia estar melhor hoje", declara o ex-funcionário, que espera ficar com o nome limpo até o fim deste ano.
Funcionários demitidos entraram com ação coletiva
Demitida em dezembro de 2019, Edvane Zipperer juntou mais cinco ex-colegas que trabalhavam na loja de União da Vitória (PR) para abrir uma ação coletiva contra a Ricardo Eletro. O resultado foi o mesmo: vitória no tribunal, mas o pagamento não chegou.
Funcionária da rede por oito anos, a analista de créditos aguarda até hoje o depósito de aproximadamente R$ 30 mil de FGTS e multa de 40% —o seguro-desemprego caiu na conta.
Ela imaginava que a saúde financeira da empresa estava fragilizada quando produtos essenciais, como geladeiras e fogões, começaram a faltar no estoque. Entretanto, a promessa que ouviu de seus superiores era de que tudo ia ficar bem.
Edvane afirma que assinou um acordo em que a empresa propôs dividir a rescisão em três parcelas, mas os outros direitos não foram cogitados naquele momento.
"Não tenho mais contato com ninguém, não tenho para onde ligar nem para onde correr e pedir ajuda", declara.
Ela conseguiu emprego na área depois de quase um ano e tem dúvidas se realmente será paga um dia.
Lei beneficia empresas em recuperação
Empresas que entram em recuperação judicial têm um prazo de blindagem de 180 dias a partir do início desse processo, que pode ser estendido por mais 180 dias —ou quase um ano.
Na prática, o juiz do Trabalho fica impossibilitado de ter acesso ao patrimônio da companhia nesse período, segundo a lei atualizada em dezembro de 2020.
No entanto, o juiz pode decretar a penhora de bens, que são bloqueios para assegurar a quitação das dívidas após o prazo de 360 dias.
"A lei de recuperação judicial traz benefícios para empresas que estão nessas condições", comenta Nasser Ahmad Allan, advogado e doutor em direito pela UFPR (Universidade Federal do Paraná).
Nesse caso, o ex-trabalhador precisa entrar com um pedido na Vara de Falência para receber os valores, tornando-se um credor trabalhista.
O advogado e mestre em direito empresarial pelo UniCuritiba (Centro Universitário Curitiba), Alcides Wilhelm, afirma que, em caso de recuperação judicial, os prazos são diferentes para cada classe de credor.
"Não existe uma ordem legal, mas a lei prevê que trabalhadores recebem em um prazo menor [de 12 a 24 meses]".
Gabriel Henrique Santoro, advogado e mestre e Direito do Trabalho pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), assinala que a decretação de falência coloca o ex-funcionário como prioridade na ordem de pagamento, mas isso não é garantia de nada.
"Eles [credores trabalhistas] têm mais chances, mas pode ser que a empresa não tenha mais patrimônio para quitar as verbas trabalhistas."
O que diz a Ricardo Eletro
Procurada pelo UOL, a Ricardo Eletro respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa, que todas as verbas rescisórias estão sujeitas ao processo de recuperação judicial.
Segundo a companhia, os ex-funcionários aprovaram, por maioria, as condições de acerto em setembro de 2021, e os pagamentos não começaram a ser feitos porque o plano de recuperação judicial ainda não foi homologado pelo Poder Judiciário.
"Caso a falência seja mantida, o que confiamos e acreditamos que não será, o pagamento das verbas trabalhistas dependerá da apuração e arrecadação dos bens [mediante venda dos ativos] para posterior divisão entre os credores, observando a ordem de prioridade legal", diz.
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