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País tem 400 mil vagas de TI com salário alto, mas não tem gente, diz Dell

Divulgação/Editoria de Arte
Imagem: Divulgação/Editoria de Arte

Beth Matias

Colaboração para o UOL, em São Paulo

18/07/2022 14h40

Diego Puerta, presidente da Dell Technologies no Brasil, diz em entrevista na série UOL Líderes que o Brasil tem 400 mil vagas na área de tecnologia da informação, com altos salários, mas que o país não consegue preencher.

"Temos hoje 12 milhões, 13 milhões de desempregados, enquanto na área de tecnologia nós temos 400 mil, 500 mil vagas de alto valor de remuneração que não são preenchidas por não encontrarmos profissionais qualificados."

Para o chefe da Dell, a exclusão digital impactará "seriamente" o desenvolvimento do Brasil e é uma das principais preocupações do executivo.

A cibersegurança é outro assunto que tira o sono de Puerta, diz. O trabalho remoto, amplamente adotado na pandemia, segundo ele, aumentou a vulnerabilidade dos sistemas. Ele é enfático ao afirmar que é preciso uma mudança na legislação para não tratar crimes cibernéticos como golpes. E alerta: "é muito fácil ver hackers oferecendo dinheiro em troca de senhas para funcionários insatisfeitos".

Puerta fala também sobre as dificuldades de operar no Brasil, com a complexidade de regulamentações, sobre a chegada do 5G e a importância que os computadores tiveram durante a pandemia.

Ouça a íntegra da entrevista com Diego Puerta, presidente da Dell Technologies no Brasil, no podcast UOL Líderes. Você também pode assistir à entrevista em vídeo no canal do UOL no YouTube.

Leia a seguir trechos da entrevista:

Apagão de empregos em tecnologia

UOL - Como podemos usar a tecnologia para produzir impacto social relevante?

Diego Puerta - Durante a pandemia, a variação do dólar e os lockdowns, principalmente na Ásia, impactaram na capacidade das pessoas de terem acesso a computadores. Dada a renda média brasileira, o valor desses equipamentos está mais alto do que em países desenvolvidos. Isso, infelizmente, causará um grande problema para o país: a exclusão digital, provocando um grande impacto de produtividade.

Temos atualmente entre 12 milhões e 13 milhões de desempregados, enquanto na área de tecnologia há 400 mil, 500 mil vagas de alto valor de remuneração que não são preenchidas por não encontrarmos profissionais qualificados.

Com a aceleração da tecnologia, teremos cada vez mais vagas, mas não estamos conseguindo formar gente. Isso é péssimo para a produtividade do Brasil, péssimo para a economia.

E qual é a saída a curto prazo?

A pandemia ampliou as fronteiras, e é possível contratar pessoas de qualquer lugar. Estamos fazendo isso para achar os profissionais qualificados. Vale também para as empresas de fora do Brasil, que estão contratando nossos profissionais.

O Brasil é um centro muito bem percebido globalmente, tanto que um dos quatro centros de desenvolvimento global da Dell está aqui. A preocupação é com como manter todo esse desenvolvimento para suportar a aceleração que virá daqui para frente.

Novo momento para os PCs

UOL - A pandemia mudou a forma de usarmos a tecnologia. O smartphone deixou de concorrer com o computador?

Diego Puerta - O consumo de tecnologia como um todo, e não apenas de produtos, aumentou de forma significativa para tornar as empresas mais competitivas e, em muitos casos, foi a diferença para manter um negócio operacional ou não. É um movimento que veio para ficar.

O PC [personal computer] ganhou um novo significado, em um processo acelerado durante a pandemia, porque todo mundo precisou ser produtivo trabalhando de casa, tendo um equipamento individual e pessoal. Já o smartphone e o notebook são equipamentos complementares.

O que ocorre é que o celular concorre com o orçamento limitado das pessoas. O Brasil é um país pobre, os produtos são importados e há uma taxação alta atrelada ao câmbio. Os computadores têm valor elevado e disputam o orçamento com o smartphone.

Mas, no momento de ser produtivo, o PC realmente é o mais adequado, e isso ficou constatado. Voltamos a ver grandes números de crescimento do PC no mercado.

Quais as principais mudanças da Dell nos 23 anos da empresa no Brasil?

Passamos de uma empresa concentrada no hardware para uma empresa focada em soluções. Temos dispositivos de acesso na ponta, soluções de segurança, gerenciamento, processamento, data center, nuvem. Hoje, 95% do que vendemos é produzido na nossa unidade de manufatura brasileira.

Bate-papo entre máquinas

UOL - Como a Dell antecipa as evoluções do mercado de tecnologia? Que novidades virão daqui para a frente?

Diego Puerta - Temos uma série de tecnologias que foram desenhadas nesse novo contexto para facilitar a vida de quem está conectado. Fazer um vídeo de qualquer lugar passou a ser fundamental. São produtos e sistemas para melhorar a experiência do usuário, como baterias mais longas, sensores de movimento e supressor de ruído.

E como será com a chegada do 5G?

Eu acredito muito no poder de transformação do 5G. Quando falamos de 5G, não é apenas a velocidade para fazer download de filme. Esse é um dos benefícios, mas não é o mais importante. O principal ponto é que máquina vai falar com máquina, de forma autônoma, como inteligência por trás facilitando as nossas decisões. Isso é que será fundamental.

A outra vantagem é a latência, ou seja, tempo de resposta menor, e maior resposta de capacidade. Significa conseguir cobrir mais equipamentos no mesmo espaço. É o carro inteligente falando com o semáforo inteligente, e eles se coordenarem para melhorar o fluxo. O 5G vai viabilizar isso.

Surgirão coisas que nem imaginamos. Quando começaram os smartphones, ninguém pensou que os hotéis ou os táxis seriam impactados por causa da tecnologia.

Diego Puerta, presidente da Dell Technologies no Brasil - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Eu acredito muito no poder de transformação do 5G. Surgirão coisas que nem imaginamos. Quando começaram os smartphones, ninguém pensou que os hotéis ou os táxis seriam impactados por causa da tecnologia
Diego Puerta, presidente da Dell Technologies no Brasil

Ataque cibernético é crime

UOL - Qual a sua opinião sobre os cibertaques? As punições deveriam ser mais rigorosas?

Diego Puerta - Com esse novo modelo de trabalho —pessoas trabalhando de qualquer lugar, servidor na nuvem, pouca segurança —, aumentou a superfície de ataque, e a legislação para o malfeitor online tem punições menores do que os crimes convencionais.

Por isso, precisamos encarar o crime digital de uma outra forma. É preciso uma mudança da legislação e de educação. Pessoas e empresas deixam brechas por não entender o real impacto do crime cibernético.

Eu brinco com vários empresários, que me perguntam qual é o risco de a empresa ser atacada. Eu respondo: ela não tem risco de ser atacada, ela já está sendo atacada. Há o risco de algum ataque ser bem-sucedido. Todos nós somos atacados todos os dias.

A educação é um fator muito importante e, não tendo uma legislação que dê tratamento adequado, fomenta ainda mais os ataques.

As senhas estão com os dias contatos com o aumento da biometria?

A biometria traz um nível de controle e eficiência muito alto. Hoje na "deep web" é muito fácil ver hackers oferecendo dinheiro para funcionários de empresas que estão insatisfeitos. Para entrar na empresa, basta, às vezes, uma senha. Com a biometria, não seria tão simples. O submundo da cibersegurança se alavanca na fragilidade de senhas.

Componentes: sem solução a curto prazo

UOL - Como estão lidando com a falta de componentes para montar computador?

Diego Puerta - A questão da restrição de componentes no mercado é um problema sério e não tem uma solução de curto prazo, talvez nem de médio. Há uma série de fatores, de capacidade produtiva a restrições logísticas. O que está faltando são os microprocessadores de baixo custo, de grande importância operacional.

A concorrência é grande. Por exemplo, um carro novo que está sendo lançado no Brasil, de uma grande montadora, uma SUV de altíssima geração, tem 6.800 microprocessadores. Ele tem 50 e poucas polegadas de tela e bateria. O computador e celular também têm. Eles começaram a competir nessa indústria.

Começamos a ter mais produtos conectados e, agora com o 5G, carros autônomos e outros dispositivos, essa demanda está crescente. E existe restrição de oferta.

Não há uma solução de curto prazo, mas o mercado vai acabar se equilibrando.

O Brasil não é um país fácil

UOL - Quais são as dificuldades do Brasil para atrair a indústria de hardware?

Diego Puerta - O Brasil não é um país simples de operar. Fizemos um excelente trabalho em entender a dinâmica de operação do mercado brasileiro, o que nos possibilita ser mais competitivos, ter escala, fábrica própria.

Mas continuo dizendo que não é simples. Há uma série de regulamentações e processos. E não preciso ir muito longe. Na nossa indústria, existem alguns concorrentes internacionais cuja participação no mercado brasileiro é mais tímida do que a que eles têm globalmente. O Brasil de fato não é um país simples.

Como isso poderia ser simplificado?

Você pode perguntar para qualquer multinacional que opere no Brasil e tenha operações em outros países. Tenho certeza de que o time de regulação tributária operando no Brasil vai ser de um tamanho desproporcional à estrutura global. É desproporcional. Não é que o Brasil tem 3% e o time lá fora representa 5%. É algo como 30% ou 40% do time global.

Esse time é necessário para entender a política tributária. E é mais difícil ainda explicar isso para o time lá fora. Não é apenas a quantidade de pessoas, mas a própria insegurança jurídica relacionada ao tema. Esses são exemplos de pontos que não estimulam os investimentos.

Infográfico Entrevista Dell 750 - Divulgação/Editoria de Arte - Divulgação/Editoria de Arte
Imagem: Divulgação/Editoria de Arte