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Tenho 31 anos e ainda sonho com carteira assinada, plano de saúde e INSS

Dayse Rogers dos Santos, 31, ainda espera encontrar um emprego formal  - Arquivo Pessoal
Dayse Rogers dos Santos, 31, ainda espera encontrar um emprego formal Imagem: Arquivo Pessoal

Colaboração para o UOL, do Rio

09/08/2022 04h00

O trabalho com carteira assinada ainda continua sendo o sonho de muitos brasileiros. No segundo trimestre deste ano, foi atingida a marca de 39,3 milhões de pessoas no regime informal de trabalho. Os dados são da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios Contínua) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). É o maior número de trabalhadores sem carteira desde o quarto trimestre de 2015, quando o órgão começou a reunir os dados.

Desde 2018 sem carteira assinada, a empreendedora Dayse Rogers dos Santos, 31, ainda espera encontrar um emprego formal "com plano de saúde, vale-refeição, INSS e tudo mais corretinho", disse ao UOL.

Enquanto a vaga não aparece, ela se dedica exclusivamente à loja virtual de bijuterias que mantém desde setembro de 2020, com pouco mais de 7.000 seguidores no Instagram.

Dayse conta que antes trabalhou como modelo para feiras no Rio de Janeiro e como recepcionista, mas foi demitida pela empresa.

"Quando saí desse emprego, eu comecei a fazer eventos de moda, me oferecia para fotografar com roupas e outras peças. Fiquei fazendo isso até início de 2020, quando veio a pandemia. Com todo mundo em casa, passei a comprar peças de aço e a trabalhar para mim mesma, fazendo pulseira, cordões e fotografando".

O Espaço Dayse Rogers já garante uma renda superior ao que a empreendedora conseguia antes, quando trabalhava para terceiros. Mesmo assim, ela avalia que vale a pena ainda buscar um trabalho de carteira assinada.

"Seria bom ter um trabalho em paralelo, poder contar com plano de saúde, vale-refeição, os saques do fundo de garantia, mas enquanto não der, eu vou me dedicando somente à loja", disse ao UOL.

Com medo de ficar doente

Moisés - Marcela Lemos/Colaboração para o UOL - Marcela Lemos/Colaboração para o UOL
Moisés Moreira, 52, trabalha como camelô no Rio há 20 anos
Imagem: Marcela Lemos/Colaboração para o UOL

Há 20 anos, Moisés Moreira, 52, trabalha como camelô no RJ. Antes, trabalhou como porteiro durante três anos. Essa é a única anotação que consta na carteira de trabalho dele.

Ao UOL, o vendedor disse que abandonou a antiga profissão para seguir os passos da mãe, que também era camelô e que apesar de ter um rendimento líquido melhor como autônomo, sente falta dos benefícios da carteira assinada.

Moisés conta que a principal preocupação é adoecer e ficar alguns dias sem trabalhar —situação que acabará comprometendo a renda da família formada por ele, a esposa e mais dois filhos.

"O medo é ficar doente. Até para atravessar a rua eu presto muita atenção para evitar qualquer acidente. Para voltar a trabalhar de carteira assinada, eu preciso voltar a estudar, fazer uns cursos profissionalizantes, e a dificuldade é ter tempo hoje para isso. Mas, se tivesse essa oportunidade, a carteira assinada faria toda diferença".

Moisés trabalha há 12 anos no mesmo ponto: no bairro do Catete, na zona sul do Rio, vendendo bolsas, meias e outros produtos. Hoje, ele tem autorização da prefeitura para ocupar um espaço na calçada da Rua do Catete, mas durante oito anos, chegou a trabalhar sem documentos e a ter que correr durante as fiscalizações da Guarda Municipal.

Técnica de enfermagem é garçonete

Beatriz/Coren - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Beatriz da Silva Correia diz que não tem dinheiro para pagar a anuidade da categoria e se registrar no Coren-RJ
Imagem: Arquivo Pessoal

Desde que se formou como técnica de enfermagem no ano passado, Beatriz da Silva Correia, 21, não pôde atuar na área devido a ausência de registro no Coren-RJ (Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro). Segundo a jovem, tem faltado dinheiro para o pagamento da anuidade da categoria, que está em R$ 210.

Enquanto isso, Beatriz tem trabalhado como garçonete em um bar na zona norte do Rio para ajudar a mãe a pagar as contas da casa. Ela é contratada como freelancer, entre sexta e domingo, e ganha até R$ 100 por dia. O valor varia conforme o movimento do estabelecimento.

"Entre pagar o Coren e outras pendências dentro de casa, resolvi pagar essas despesas. Eu queria um emprego para ajudar minha mãe e gostaria ainda de fazer faculdade de enfermagem", lamentou a jovem, que trabalha desde os 17 anos como garçonete e nunca teve carteira assinada.

Quatro anos fora do mercado

Allesandra Falconi - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Allessandra Falconi, 34, empreendeu na confeitaria em 2018, mas a pandemia agravou as dificuldades
Imagem: Arquivo Pessoal

Demitida em 2018, a consultora comercial Allessandra Falconi, 34, resolveu mudar de área e empreender no ramo da confeitaria. Já acostumada a preparar bolos, em dezembro de 2019, ela foi para Moscou, na Rússia, para se especializar na área.

Só que, no começo do ano seguinte, Falconi foi surpreendida pela pandemia de covid-19, o que levou ao isolamento social e afetou em cheio o setor de eventos.

Em 2021, ela sofreu o baque de perder o pai que foi infectado pelo coronavírus. Hoje, com 10% da renda que tinha antes, quando contratada pelo regime CLT, a consultora pensa em retornar para área comercial. Para ela, a carteira assinada garante um trabalho mais humanizado.

"Quando você trabalha por conta própria, não há nenhum tipo de suporte e você nunca é legal com você mesma. É difícil se dar uma licença, se afastar do trabalho por motivo médico, obter crédito... É tudo difícil, apesar do romantismo que rola em torno do empreendedorismo. Você precisa estar com a saúde mental muito em dia para seguir nisso."

Falconi planeja agora fazer cursos para retornar ao antigo cargo.

"Estou buscando cursos para compensar esse tempo [fora do mercado de trabalho] e analisando se volto integralmente para o mercado formal ou até se mantenho as duas atividades".

Durante esses quatro anos, a confeiteira contou com apoio do marido, que não teve a renda afetada pela pandemia.