'Tenho dois pós-doutorados e hoje faço bico em obras para ganhar dinheiro'
Péricles Sant'Ana, 41, tem dois pós-doutorados, mas não consegue trabalho em sua área. Formado em Engenharia de Produção, ele pesquisa temas relacionados a física e química. Seu trabalho mais recente foi um bico como auxiliar de serviços gerais em uma casa.
Nem mesmo seu currículo acadêmico, que inclui passagens por instituições como Unesp (Universidade Estadual Paulista), UFV (Universidade Federal de Viçosa) e ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), garantiu uma vaga de professor ou pesquisador até o momento.
"No último trabalho, eu fiz de tudo: limpeza, lixamento, pintura... Eu não recuso oportunidade, o que aparecer eu pego. Já faz uns anos que eu vivo assim", diz o doutor.
Sant'Ana faz parte do grupo de 10,1 milhões de brasileiros desempregados atualmente, segundo dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Em média, ele ganha de R$ 100 a R$ 300 por semana com os trabalhos braçais. A última vez que executou essa função foi há dois meses. "Tenho colegas com currículo equivalente ao meu que recebem salário de R$ 6.000 a R$ 12.000 como professores em faculdades."
Seu último vínculo empregatício foi em 2014, quando ministrou aulas em uma universidade particular de Sorocaba (SP), cidade onde vive. Ultimamente tem se dividido entre procurar trabalho e caçar bicos durante o dia e desenvolver seu trabalho científico à noite, sem hora para acabar.
Ir para Itália é opção, mas há obstáculos
Em julho deste ano, o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) negou um pedido de financiamento de projeto de pesquisa sobre dióxido de titânio. A justificativa do órgão foi que a proposta já era bastante conhecida e explorada.
A Universidade de Bari, na Itália, foi mais receptiva e enviou, no início da pandemia de covid-19, uma carta de aceite em que se dispõe a oferecer "todas as instalações e conhecimentos necessários para atingir os objetivos."
Para chegar até o país europeu, Péricles precisa tirar o visto e comprar a passagem aérea. Sua renda atual, abaixo de um salário-mínimo (R$ 1.212) é um complicador no momento, conta. Ele tem menos de quatro meses para resolver essas pendências.
"Os investimentos em ciência no Brasil diminuíram muito nos últimos anos. É difícil saber o que o governo espera da gente. Nós temos cientistas que estão indo fazer sua carreira fora. E é o que eu pretendo fazer, por mais que eu ame aqui", afirma.
Faxina virou único trabalho de bacharela em Teologia
O desemprego interrompeu os planos de Ana Cléa Carvalho, 45, de fazer pós-graduação. Em 2019, ela emendou a dupla especialização em Gestão de Pessoas e Ciências da Religião logo depois de concluir o bacharelado em Teologia na Fatin (Faculdade de Teologia Integrada).
No entanto, ela foi forçada a trancar o curso após ser demitida do emprego de secretária em uma igreja no Recife. A mensalidade custava R$ 210. Ela tem sobrevivido à pandemia com os bicos de faxina na capital pernambucana.
No começo, Ana Cléa limpava três casas regularmente, o que garantia uma renda mensal de aproximadamente R$ 1.300. A clientela sumiu aos poucos, sob a justificativa de dificuldades financeiras para bancar o serviço, e hoje ela atende apenas uma pessoa de 15 em 15 dias. Seu pagamento despencou para R$ 300.
Na hora de pagar as contas, o dinheiro que cai do BPC (Benefício de Prestação Continuada) de sua mãe idosa, no valor de R$ 1.212, faz toda a diferença. "É frustrante passar por isso porque as pessoas estudam e se preparam para ingressar no mercado de trabalho e não encontram oportunidades. O tempo passa e não vejo solução."
Mesmo desanimada, Ana Cléa iniciou, depois de três anos parada, uma nova pós-graduação em Psicopedagogia Clínica e Institucional. As parcelas promocionais de R$ 80 ao mês serão pagas com o dinheiro das faxinas.
Ela quer se qualificar para fazer atendimentos psicológicos com base em conhecimentos teológicos. "Eu não vou desistir", declara.
Desempregada e sem oportunidades na educação
Já Cláudia Silva quase desistiu. Aos 44 anos, ela ainda não encontrou trabalho em sua área de formação.
Em 2021, ela concluiu a licenciatura de Letras em Espanhol no IFB (Instituto Federal de Brasília) depois de encarar as aulas virtuais. O ensino a distância foi bem aceito, já que ela vive em Cidade Ocidental (GO), a 50 km de Brasília, e o deslocamento interestadual era "cansativo".
Durante o estágio, Cláudia afirma que sentiu as dificuldades de lecionar no Brasil. "O professor vive sobrecarregado, tem que preparar aulas para 40 alunos e muitas vezes não é respeitado pelos alunos. É uma profissão cansativa, penosa, trabalhosa e que não traz retorno financeiro."
Ela fez uma entrevista para trabalhar como atendente em uma cafeteria — a única em 2022—, mas a conversa não avançou. Para conseguir dinheiro, Cláudia pensa em escrever livros de ficção e elaborar cursos de desenvolvimento pessoal para vender na internet.
Enquanto procura conhecer esse novo mercado, ela iniciou um curso de pós-graduação em Educação Profissional e Tecnológica no Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo).
Cláudia quer usar o dinheiro da venda de seu trabalho intelectual para financiar seu objetivo atual de trabalhar em escolas técnicas. Ela não descartaria, entretanto, uma oferta de emprego para dar aulas de espanhol.
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