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Perdi minha renda extra porque não consigo comprar gás para fazer coxinhas

A artesã Michele Caza, de 47 anos, parou de vender alimentos para economizar nos gastos com gás de cozinha  - Arquivo Pessoal
A artesã Michele Caza, de 47 anos, parou de vender alimentos para economizar nos gastos com gás de cozinha Imagem: Arquivo Pessoal

Colaboração para o UOL, em São Paulo

06/09/2022 04h00

O preço do gás de cozinha subiu o dobro da inflação medida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) dos últimos 12 meses. De acordo com o IPCA-15, o preço do botijão subiu 18,96% no período, enquanto a inflação foi de 9,6%. Isso afeta diretamente a vida dos brasileiros mais pobres.

A artesã Michele Caza, 47, fazia salgados como fogazza e coxinhas para vender e complementar a renda. No entanto, o valor do botijão de gás a fez parar com a atividade. Ela acabou perdendo a renda extra que tinha.

"Um dia o botijão estava por R$ 90. De repente, já estava pagando R$ 125. É uma diferença bem grande", afirma. "Repassar o aumento para o produto não deu muito certo, já que as pessoas acabaram diminuindo a compra ou deixando de comprar", conta.

Sem a atividade de renda extra, Michele diminuiu o uso do gás de cozinha em casa, mas mesmo assim teve de fazer outros cortes. Ela conta que atualmente prepara mais comida no jantar e guarda as sobras na geladeira. Na hora do almoço, quando há menos gente em casa, a artesã aquece os pratos no microondas. O uso do forno está fora de cogitação.

Uma pesquisa do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), em parceria com Instituto Cidades Sustentáveis, indica que o caso de Michele não é isolado. O estudo mostra que 45% dos brasileiros fazem bicos para complementar a renda. Entre os trabalhos mais comuns, estão serviços gerais como faxina, manutenção e a produção de alimentos em casa.

E justamente a alta do preço do gás de cozinha é um dos fatores que inibem essa atividade.

O que está acontecendo? O preço do gás liquefeito de petróleo (GLP), mais conhecido como gás de cozinha, depende de fatores como a cotação internacional do petróleo, do dólar, de impostos e margem de lucro das distribuidoras.

A maior parte do gás consumido no Brasil é produzida pela Petrobras, mas o governo brasileiro adota a política de paridade de importação (PPI) para todos os combustíveis —e isso inclui o gás de cozinha.

Dados mais recentes da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) apontam que o preço médio do botijão de 13 kg saltou de R$ 87,43 em junho de 2021 para R$ 112,55 no mesmo mês deste ano.

Quase metade desse valor (49,51%) está ligado ao custo de produção, enquanto impostos representam 12,16%. O valor restante é a margem de lucro dos distribuidores e revendedores.

Como isso afeta as famílias? O gás de cozinha é responsável pelo cozimento de alimentos em 94% dos lares brasileiros, de acordo com o relatório Atlas da Eficiência Energética no Brasil mais recente.

Além disso, o preço médio do botijão de gás representa hoje aproximadamente 9,3% do salário mínimo do Brasil, o que impacta a renda das famílias mais pobres.

Cozinhando para a família toda: Isabel Cristina Shibuya, 38, relata que está com dificuldades para comprar o botijão de gás todo mês. Mãe de quatro filhos, ela diz que tenta economizar onde pode, mas que o "fogão não para" na sua casa.

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Isabel Cristina Shibuya, dona de casa, conta que o Vale-Gás e o Auxílio Brasil não suprem as despesas de casa
Imagem: Vinicius de Oliveira

"É difícil economizar, porque tem o almoço, o jantar e a mamadeira das crianças. Às vezes, a gente faz uma refeição só, para tentar economizar e acabou", afirma a dona de casa.

O micro-ondas ajudava no dia a dia, evitando o uso do forno e o aquecimento da mamadeira dos bebês no fogão, mas ela afirma que o equipamento quebrou e ela não teve dinheiro para consertar.

Atualmente, ela recebe o Auxílio Brasil e espera o valor do Vale-Gás para ajudar a complementar a renda de casa —o marido também não tem emprego fixo, vivendo de bicos. "[O Auxílio] não paga tudo dentro de casa. Você não gasta menos de R$ 500 para comprar o básico no mercado. O auxílio ajuda, mas não está nem perto de ser o suficiente. É desesperador", diz.

Restaurantes também são afetados: O preço do gás de cozinha também afeta o setor de restaurantes, que ainda está se recuperando das restrições impostas pela pandemia. A chef de cozinha Izabela Dolabela afirma que os gastos com gás no restaurante Nattu subiram até 30% nos últimos meses.

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A chef de cozinha Izabela Dolabela, do restaurante Nattu, conta que os gastos subiram até 30% com o gás de cozinha
Imagem: Arquivo Pessoal

"A gente usa forno elétrico, mas não compensa muito. Antes, usar o forno a gás compensava mais que o elétrico. Hoje, acaba sendo a mesma coisa", afirma. De acordo com a chef de cozinha, os preparos de molhos e caldos — que levam horas de cozimento — acabam impedindo que os custos com gás de cozinha diminuam.

"Uma hora fica impossível não repassar isso para os clientes. Tudo está aumentando muito", afirma Izabela. Os cardápios tiveram uma revisão de preços, que chegaram a aumentar cerca de 20%. Ela diz que o gasto médio dos clientes, mas a frequência de pessoas caiu.

Preço do gás de cozinha pode cair? A Petrobras anunciou em abril uma redução de 5,58% no preço do gás liquefeito de petróleo (GLP). O valor por quilo caiu de R$ 4,48 para R$ 4,23. De acordo com a empresa, as cotações e as taxas de câmbio "se estabilizaram em um patamar inferior para o produto".

Se a tendência de deflação no cenário internacional permanecer, o preço do gás no Brasil também tende a diminuir. Além disso, o governo federal e os governos estaduais anunciaram redução nas alíquotas de ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços) em julho, o que impactou no valor final do produto para os consumidores.