Como uma doença e o clima inflacionaram o preço da laranja no Brasil

A produção de laranja no Brasil tem sido afetada por dois fatores: condições climáticas desfavoráveis e a presença do greening, uma doença que tem se espalhado em pomares em todo o país. A crise no quintal do maior produtor mundial da fruta preocupa até mesmo os Estados Unidos, um dos principais consumidores da commodity brasileira.

Uma doença silenciosa e destruidora

A próxima safra, que se encerra em abril, será menor. O Fundecitrus (Fundo de Defesa da Citricultura) estima que os produtores do cinturão citrícola — que compreende São Paulo e Triângulo Mineiro e é responsável por cerca de 80% da produção nacional — colherão 307 milhões de caixas de 40,8 kg de laranja, queda de 2,2% em relação ao ano passado. Essa quantidade equivale a 12,5 milhões de toneladas.

O sobe e desce anual já é realidade nos pomares de laranja. A próxima safra, que já tem 95% da produção colhida, seguirá o ritmo de baixa dos últimos quatro anos (veja abaixo). O que chama a atenção de especialistas é que a combinação da doença e de temperaturas atípicas tem feito com que os agricultores colham as frutas antes da hora. Por isso, elas estão menores em tamanho.

O greening ataca todas as plantas de citros e não tem cura para as doentes. As bactérias são transmitidas por um inseto chamado psilídeo, de 3 mm de comprimento, que se "instala" nas árvores e impede o crescimento saudável das frutas, que caem do pé prematuramente, explica o pesquisador do Fundecitrus, Renato Bassanezi. No Brasil, a doença foi detectada pela primeira vez em 2004, no estado de São Paulo.

Uma laranjeira nova sequer produz e uma laranjeira adulta perde até metade da produção. As árvores se mantêm vivas, mas sua capacidade de gerar frutas diminui significativamente. O greening é controlado a partir do plantio de mudas sadias e a eliminação de plantas doentes, pois essa doença se espalha facilmente pelos pomares, segundo o especialista.

O consumo de laranjas infectadas não traz problemas à saúde. É muito provável que as frutas e os sucos vendidos nas feiras e nos supermercados tenham sido contaminadas pela doença. Afinal, o greening está presente hoje em 38% dos pomares no estado de São Paulo, o maior produtor de laranja do mundo. A diferença está no sabor.

É como se você chupasse uma laranja verde. O gosto é até parecido com o do limão.
Renato Bassanezi, pesquisador do Fundecitrus

Perspectivas de produção não são animadoras

Com oferta em baixa, os produtores têm investido em laranjas de menor qualidade. O preço da laranja-pera, a mais comum no Brasil, disparou 32,58% no acumulado dos últimos 12 meses, segundo o IPCA. "Eles conseguem ter receita com as plantas doentes", destaca Bassanezi. E a previsão é que a fruta fique mais cara em 2024.

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As mudanças climáticas seriam a principal responsável pelo encarecimento da fruta. A pesquisadora do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) Fernanda Geraldini, diz que a falta de chuvas e as altas temperaturas na segunda metade de 2023 tiveram impacto direto na queda de produção que será finalizada este ano. O ideal é que chova para que as laranjas sejam colhidas maduras.

A crença dela é amparada pelo Departamento de Agricultura dos EUA. Um relatório recente do órgão aponta que o clima desfavorável durante a segunda floração dos pomares resultou em menor quantidade de frutos. A expectativa é que a produção brasileira de laranjas 2023/24 seja de 16,5 milhões de toneladas (-1,5%) e a de suco de laranja atinja 1,1 milhão de toneladas (-2%) na safra 2023/24. O documento não menciona as implicações do greening no país.

Existe um consenso no setor de que a produção da safra de 2024/25, que ainda que vai começar, poderia ser menor do que a safra que encerra este ano. Teremos que esperar até maio para saber realmente a dimensão disso.
Fernanda Geraldini, pesquisadora do Cepea

O preço caro da laranja 'azeda' o consumo

A combinação de emergência climática e greening impôs uma nova realidade no campo. Produtores com condições financeiras têm migrado do tradicional cinturão citrícola para plantar laranja em estados reconhecidos pela produção da soja, como Goiás e Mato Grosso do Sul, e livres da doença dos cítricos. Outros agricultores já antecipam a irrigação do solo porque as chuvas diminuem na primavera, período essencial para o florescimento das frutas.

"O que no passado era uma migração por terra mais barata hoje é por uma questão fitossanitária", aponta o pesquisador de Estimativa de Safra do Fundecitrus, Vinícius Trombin. Ele afirma que, mesmo com essas dificuldades, a lucratividade do produtor de laranjas ainda compensa o investimento. Ele evita falar em cifras.

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Trombin reconhece que a subida de preços mexe com o consumidor. O produtor prioriza a exportação do suco de laranja, mercado em que o Brasil domina com uma fatia expressiva de 80%. Segundo a Secex (Secretaria de Comércio Exterior), o país enviou 543.768 toneladas da bebida de julho a dezembro de 2023, redução de 7,25% em comparação com o mesmo período da safra passada. Porém, o faturamento subiu: US$ 1,3 bilhão (+20,7%).

Para muitos brasileiros, resta se perguntar se vale a pena ou não comprar. "O suco de laranja tem se tornado um produto de nicho pelo preço. O que era uma fruta acessível está menos acessível hoje. [Essa mudança] já está acontecendo. Se vai intensificar ou não no futuro, vai depender da resposta da nossa produção", conclui Trombin.

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