Por que o investimento privado caiu mesmo com o PIB em alta

Em 2023, o PIB brasileiro cresceu 2,9%, acima da expectativa do próprio governo. Embora agronegócio e serviços tenham se destacado positivamente, a queda de 3% na taxa de investimento, que calcula a capacidade produtiva do setor privado, impediu que a atividade econômica avançasse 0,5 ponto percentual no acumulado do ano.

No início deste mês, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), comemorou o crescimento do PIB, mas alertou que investimentos precisam ser feitos para dar mais produtividade à economia. Este ano deve ser mais positivo em relação a 2023, já que o trimestre encerrado em dezembro trouxe crescimento de 0,9%.

Afinal, o que é taxa de investimentos?

O investimento privado é um termômetro da confiança de empresas privadas. O indicador FBCB (Formação Bruta de Capital Fixo) mede o aumento da capacidade produtiva por meio de compras em máquinas e equipamentos e construção civil e por outros ativos como propriedade intelectual, lavouras permanentes e gado de reprodução.

Já investimento público envolve tudo o que está nas mãos do governo. Ou seja, inclui ações nas esferas federal, municipal e estadual voltadas para a criação de estradas, hospitais e moradias populares, por exemplo, e pode fazer parte de um pacote de ações para solucionar gargalos estruturais e gerar desenvolvimento econômico.

Existe uma diferença entre ambos que precisa ser ressaltada. O investimento privado visa o lucro, enquanto o público não olha apenas para isso. Por isso, o empresariado avalia bem a situação política e econômica do país antes de pôr dinheiro em uma iniciativa, já que espera retorno por aquele investimento.

A taxa de investimentos em 2023 foi de 16,5% do PIB. Esse percentual equivale a R$ 1,8 trilhão da produção nacional, número considerado baixo por especialistas ouvidos pelo UOL. O Brasil está atrás de países latinos como México, Equador e Paraguai, todos com a economia menor que a nossa (veja o segundo gráfico ao longo a matéria).

O investimento por si só é uma atividade de longo prazo. Por exemplo, um dono de uma fábrica têxtil que decide comprar um lote para expandir sua capacidade produtiva só vai ter a concretização disso em dois, três, quatro anos. E os retornos só serão vistos no longo prazo.
Clara Brenck, pesquisadora do Made-USP (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP)

Como o governo pode melhorar esse ambiente

O governo tem pouco espaço para expandir os investimentos. A pesquisadora do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), Silvia Mattos, afirma que a União sofre de um problema fiscal que impede que gastos sejam feitos em determinadas áreas.

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Em 2023, o governo central teve déficit primário de R$ 230,5 bilhões. "Como o governo vai aumentar o investimento se não consegue ter superávit primário [resultado contas positivas sem os juros da dívida pública]? Ou seja, falta dinheiro e não tem como resolver de maneira fácil", pondera Mattos.

A taxa básica de juros também assusta os investidores, diz a especialista. Depois de três anos com a Selic a 13,75%, o Banco Central começou a reduzir a taxa em agosto de 2023 - atualmente, a Selic está em 11,25%. Com o desconto da inflação, é uma das taxas de juros reais mais altas do mundo.

Outro ponto que equilibra ou desequilibra a relação é a estabilidade política. Economista da LCA Consultores, Chico Pessoa declara que os empresários estão mais propensos a tirar o pé de um investimento se o ambiente de negócios tem inseguranças causadas pelo governo. Como exemplo, ele ilustra o imbróglio dos dividendos aos acionistas da Petrobras.

Quando um governo gasta mal, ele fala para o investidor que vai continuar muito endividado e a taxa de juros vai ser alta. Logo, o país não vai crescer e isso vai prejudicar o crescimento. E quando o governo mexe a regra, a estabilidade vai para o espaço.
Chico Pessoa, economista da LCA Consultores

O ano deve ser melhor para investimentos, mas...

Este ano deve ser melhor para o investimento privado no Brasil. A reforma tributária pode oferecer ao empresariado mais confiança para que seus planos sejam concretizados. Além disso, o governo anunciou recentemente o novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), de R$ 1,7 trilhão, e o Nova Indústria Brasil, com previsão de investimentos na casa de R$ 300 bilhões nos próximos anos.

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Essa soma de fatores tem chances de animar o empresariado. Em sua fala, Haddad defendeu que um dos seus objetivos em 2024 é criar um melhor ambiente de negócios para o setor privado. Clara Brenck analisa que o governo tem menor participação no novo PAC anunciado pela terceira gestão Lula.

Segundo ela, o financiamento privado responderá por 36% do total do programa. Nos PACS anteriores, de 2007 a 2010 (Lula) e 2011 a 2014 (Dilma), a participação do setor foi de 21% e 18%, respectivamente. "Minha única crítica ao Haddad nesse caso é que eu sinto que ele está apostando muito no investidor privado. É papel do governo investir mais, ter uma participação mais ativa", diz a pesquisadora do Made-USP.

Mas nem tudo é otimismo para o andamento da economia brasileira. Silvia Mattos entende que os planos mencionados acima devem trazer uma melhora instantânea na Formação Bruta de Capital Fixo, mas questiona os efeitos para o médio e longo prazo. "A dúvida é sobre a intensidade e esse espírito mais audacioso, digamos, do setor privado de aumentar o investimento com esses ruídos que têm ocorrido [na política brasileira], ainda mais em ano de eleições."

Chico Pessoa afirma que investimento privado vai voltar a subir de fato se o governo rever seus gastos. "É necessário ter uma discussão séria sobre a eficiência dos gastos públicos. Primeiro, permite que o próprio governo também faça investimentos. Não existe país que não tem setor investindo. Segundo, o governo faz baixar a taxa de juros e aumenta a perspectiva de crescimento. Terceiro, é necessário ter regras estáveis. Intervenções mal localizadas podem apagar todo esse esforço."

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