Empresas travam guerra judicial contra relatório de transparência salarial
Empresas e entidades patronais estão buscando a Justiça em diversas frentes para não serem obrigadas a divulgar o relatório de transparência salarial, conforme prevê a Lei da Igualdade Salarial. Elas dizem que o relatório não condiz com a realidade e que há risco reputacional. O prazo para divulgação é 31 de março.
Entenda o caso
A lei da Igualdade Salarial prevê que homens e mulheres que exercem trabalho de igual valor ou a mesma função devem ter o mesmo salário. A lei determinou que empresas com 100 funcionários ou mais enviassem ao governo as informações salariais de seus empregados. Com base nessas informações, o Ministério do Trabalho e Emprego elaborou relatórios de transparência salarial para cada companhia.
As empresas dizem que o relatório salarial do governo não condiz com a realidade. Elas têm até o dia 31 de março para divulgar o documento. A principal crítica é que o relatório usa critérios como média salarial de determinada categoria para definir se há distorções de gênero, desconsiderando outros critérios como senioridade e tempo de empresa.
Publicar o documento pode representar risco reputacional, dizem advogados. "Se a empresa divulgar, pode dar a impressão que ela concorda com essa informação. E vivemos em um momento de cancelamentos digitais. Isso pode gerar grande dano reputacional", diz Tatiana Junqueira Ruiz, sócia e chefe da área trabalhista do Feijó Lopes Advogados, que representa cinco empresas em processos contra a divulgação do documento.
O Ministério do Trabalho diz que as empresas nunca haviam explicitado os critérios usados para diferenciações salariais. "Diferentemente do setor público, em que os adicionais de salários por tempo de casa são explicitados no holerite, no caso das empresas privadas não há como saber. O mesmo vale para diferenças de salário decorrentes de produtividade", disse o ministério ao UOL.
Para as empresas que declararam utilizar esse tipo de critério estamos supondo que a maior parte da diferença encontrada decorre desses critérios e não de processos discriminatórios. Para empresas que não declararam nenhum desses critérios, possivelmente as diferenças não têm explicação objetiva, estando sujeitas a verificação por parte da fiscalização.
Ministério do Trabalho e Emprego em resposta ao UOL
Batalha judicial
Entidades empresariais entraram na Justiça. A CNI (Confederação Nacional da Indústria) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal). O caso está com o ministro Alexandre de Moraes, que deu prazo para a União se manifestar. Com isso, a decisão do STF deve ficar para depois do dia 31, prazo para a publicação do documento.
Federação mineira chegou a conseguir uma decisão da Justiça suspendendo a publicação, que foi derrubada depois. A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) ajuizou uma ação civil pública pedindo a suspensão da publicação dos relatórios. A Justiça Federal de Minas Gerais concedeu uma liminar na última sexta-feira (22), suspendendo a publicação. A decisão deixou dúvidas sobre sua abrangência — se valeria só para empresas de Minas Gerais ou se abrange todo o país, dizem advogados ouvidos pelo UOL.
A União conseguiu derrubar a decisão. A decisão saiu na terça-feira (26). Na decisão, a desembargadora Monica Jacqueline Sifuentes, presidente do TRF-6, afirma que há "potencial risco de grave lesão à ordem pública, diante da circunstância de vislumbrar-se a manutenção da desigualdade de gênero no aspecto remuneratório". A FIEMG disse que vai recorrer.
Diversas empresas iniciaram ações individualmente para não ter que divulgar o relatório. O escritório Andrade Maia representa cerca de dez companhias, incluindo as redes de drogarias São Paulo e Pacheco, cujos processos se tornaram públicos. Das dez, apenas uma decisão foi negativa, diz a sócia Maria Carolina Seifriz Lima. Na maior parte dos processos, as decisões ou foram favoráveis às empresas, ou o juiz deu prazo para a União se manifestar.
A comparação que o ministério propõe com certeza vai acarretar inconsistências e não vai representar a realidade das empresas. Os critérios não consideram os próprios requisitos da CLT para diferenciação salarial.
Maria Carolina Seifriz Lima, sócia do Andrade Maia
O que acontece agora?
Empresas consideram publicar relatório alternativo. Algumas empresas estão considerando publicar um relatório próprio sobre o tema, e não o elaborado pelo governo. Outras consideram publicar o relatório oficial, com notas para contextualizar os dados considerados distorcidos. Outras também consideram esperar a decisão do STF sobre o tema, mesmo que ela venha depois do prazo estabelecido pelo ministério. E há ainda as que devem apenas publicar o relatório do governo.
O Ministério do Trabalho diz que, se as empresas entendem que os dados não representam a sua realidade, podem divulgar uma nota explicativa junto com o relatório. Diz ainda que uma parte importante das reclamações das empresas dizia respeito à possiblidade de divulgação dos salários de forma que permitisse a individualização das informações, "o que não ocorreu". No caso de dados errados, as empresas podem corrigir a informação no E-social, diz o órgão.
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Quero receberAs empresas que não divulgarem as informações estão sujeitas a multa. Pela lei, a multa é de 3% da folha de pagamento, limitada a 100 salários-mínimos, cerca de R$ 140 mil. Elas podem recorrer da punição com o argumento de que têm decisões pendentes na Justiça sobre o tema.
Lei é positiva, mas implementação é falha, dizem advogados. Advogados dizem que as empresas têm considerado a lei de igualdade salarial positiva, mas que a implementação é falha. "É possível ter um relatório que seja fidedigno e respeite a proteção de dados e aspectos concorrenciais. A lei é uma ferramenta moderna, mas o ministério está pecando na execução", diz Rodrigo Takano, chefe da área trabalhista do Machado Meyer Advogados.
Mulheres ganham 19,4% menos
Levantamento feito com base nos dados salariais enviados pelas empresas indica que as mulheres ganham 19,4% menos que os homens no Brasil. Foram analisadas informações de 49.587 empresas com cem ou mais funcionários, que somam quase 17,7 milhões de empregados.
As mulheres negras são as que mais sofrem com a renda desigual. A remuneração média da mulher negra é de R$ 3.040,89, o que corresponde a 68% da média, enquanto a dos homens brancos é de R$ 5.718,40 — 27,9% superior à média. Nos cargos de dirigentes e gerentes, a diferença de remuneração chega a 25,2%.
Cuidado com os filhos favorece homens. O levantamento indica que os homens têm mais disponibilidade para o trabalho, horas extras e conseguem atingir as metas de produção com mais facilidade. As mulheres, por outro lado, precisam interromper essa jornada devido à licença-maternidade e à dedicação aos filhos e a pessoas dependentes.
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