Operar plano individual é desafio no Brasil, diz executivo da Alice

A healthtech Alice começou a operar vendendo planos individuais e, desde novembro do ano passado, não oferece mais a modalidade, apenas os planos empresariais. O cofundador da Alice, Guilherme Azevedo, afirma em entrevista exclusiva ao UOL que operar planos individuais no Brasil é um desafio, que ofertar os dois tipos de produto causava confusão no mercado e há mais oportunidade de crescimento vendendo para empresas.

Oferta de planos de saúde

A empresa começou com os planos individuais, mas o objetivo sempre foi oferecer os empresariais. A estratégia foi começar com o individual para serem conhecidos no mercado e só depois passarem a oferecer os planos focados em empresas.

O plano individual foi o ponto de partida por ter menos competição no mercado. "Se a gente começasse com o empresarial, ninguém ia comprar. Conforme fomos ganhando corpo, estruturando e construindo a rede, o produto foi ficando mais amplo", afirma Azevedo.

A Alice só passou a vender para empresas quando teve cobertura nacional. No começo, os atendimentos eram apenas em São Paulo. Azevedo diz que a venda dos dois tipos de planos (individuais e empresariais) causava confusão no mercado e esse foi um dos motivos para a companhia decidir seguir apenas com os destinados a empresas.

Mas por que os empresariais e não os coletivos? Azevedo explica que a decisão tem ligação com a quantidade de vidas disponíveis no mercado e a dificuldade de operar um plano individual no Brasil.

A grande verdade é que crescemos até um pouco mais de 20 mil membros no individual. Só que o empresarial tem 80% das novas vidas no Brasil, representa 80% do mercado. Sair do zero para 20 mil já é bastante. Agora precisamos ir para um número bem maior. Fizemos uma escolha consciente e decidimos focar no B2B [de empresa para empresa].
Guilherme Azevedo, cofundador da Alice

O plano individual só funciona para operadoras com um modelo de gestão de saúde — que diz ser o caso da Alice. Para o executivo, operar planos individuais é um desafio pelo fato de o reajuste ser determinado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

Hoje a ANS determina qual o valor máximo de reajuste que as operadoras podem aplicar nos planos individuais. Os planos empresariais são livres para aplicar o aumento que desejarem, sem existir uma fórmula ou limite estabelecidos. O setor costuma criticar o valor dos reajustes, dizendo que a inflação médica pressiona os planos e a sinistralidade alta também encarece os custos. A sinistralidade é a taxa de uso daquele plano. Quanto mais as pessoas usam o plano, maiores os custos para a operadora — que são repassados a todos na hora do reajuste.

É um baita desafio operar um produto [individual], hoje 70% da nossa base é individual. Não é trivial assim, é difícil. Você tem que ter um modelo operacional de saúde, que é esse que eu te mostrei, que permita que você consiga fazer gestão coordenada de saúde, baseada em ciência.
Guilherme Azevedo, cofundador da Alice

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É um produto que tem a regulamentação de reajuste, é mais desafiador em termos de operação, em termos econômico-financeiros. Eu acho que no modelo onde você não gerencia a saúde é difícil.
Guilherme Azevedo, cofundador da Alice

Falta de planos individuais

Os planos individuais e familiares à venda caíram 90% no Brasil em quase dez anos. Em dezembro de 2013, estavam disponíveis 203 planos individuais e familiares por município, em média. Em junho de 2023 — último disponível —, havia 18 planos, segundo dados da ANS.

A definição do reajuste é um dos motivos para a queda dos planos individuais. É o que diz a advogada do programa de Saúde do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) Marina Paullelli. Outro motivo é que as operadoras não podem cancelar os contratos individuais de forma unilateral, enquanto isto é a permitido nos coletivos.

O reajuste dos planos coletivos é mais alto. Uma pesquisa do Idec mostrou que, de 2017 a 2022, as mensalidades dos planos individuais cresceram 35,41%, enquanto as de planos coletivos apresentaram subiram bem mais. Veja o aumento segundo o Idec:

  • Individuais: 35,41%
  • Coletivos empresariais, com 30 vidas ou mais: 58,94%
  • Coletivos por adesão, com 30 vidas ou mais: 67,68%
  • Coletivos por adesão, com até 29 vidas: 74,33%
  • Coletivos empresariais, com até 29 vidas: 82,36%
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O argumento das empresas é sempre da necessidade de se aplicar um reajuste alto para compor os valores relacionados à utilização do plano. O grande problema em relação a isso é que falta transparência para justificar um reajustamento tão alto, principalmente nos planos coletivos.
Marina Paullelli, advogada do Idec

As operadoras não são obrigadas a oferecer planos individuais. "A maioria das operadoras simplesmente não oferece uma modalidade de contratação individual ao consumidor, ou se oferece, é por preços muito altos e proibitivos", afirma Paullelli.

O Idec diz esperar que a ANS regulamente os planos coletivos. Que o consumidor tenha acesso mais claro às informações sobre o seu contrato, haja uma fórmula de reajuste e que não seja possível realizar o cancelamento unilateral. Para o Idec, a fixação de um limite para o reajuste dos planos coletivos é a demanda mais urgente para o setor.

Setor de saúde

Como o sistema de saúde brasileiro foi construído é o que gera os altos reajustes, segundo Azevedo. O executivo diz que muitas vezes o consumidor usa o plano de saúde sem necessidade e que alguns procedimentos não são necessários, são apenas gastos de dinheiro.

O reajuste médio dos produtos da Alice foi de 13% em 2023. Dados da ANS mostram que o aumento médio aplicado aos contratos coletivos de assistência médico-hospitalar foi de 14,38% de janeiro a novembro de 2023.

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Com o sistema da Alice, Azevedo diz que a situação é mais controlada. A empresa funciona assim: o consumidor pode buscar direto um especialista, mas é incentivado a primeiro conversar com uma enfermeira pelo aplicativo que será responsável por identificar qual o caso da pessoa. Se for uma situação simples, como uma dor de garganta, ela pode solicitar fotos da garganta do paciente e passar uma prescrição. Caso a situação persista ou o quadro piore, existe a indicação de procurar um especialista para avaliar melhor o caso.

Desafios para Alice

No ano passado, a Alice comprou a carteira de clientes da QSaúde. Azevedo diz que a empresa não planeja fazer novas compras e que o caso da QSaúde foi uma boa oportunidade, porque a empresa atuava com o atendimento voltado para a atenção primária, assim como Alice. A diferença é que no concorrente, o cliente era obrigado a passar primeiro pelo clínico para depois ter acesso ao especialista.

Comunicar os serviços da Alice é um desafio, para Azevedo. "Eu acho que a gente tem que fazer um trabalho melhor de mostrar o nosso produto", afirma. A empresa quer continuar crescendo a carteira de clientes, que hoje em sua maioria são pequenas e médias empresas. A meta é quadruplicar a base de membros nos planos empresariais em 2024 e chegar a empresas de maior porte. Hoje são mais de 3.000 empresas na Alice, com 7 mil membros. O objetivo é ultrapassar 20 mil membros até dezembro.

A nossa meta é ser o novo sistema de saúde privado e ter o maior plano de saúde do Brasil. A nossa ambição é reconstruir do zero o modelo que achamos que gera melhor custo-efetividade e reduz o desperdício, só que é uma jornada de décadas.
Guilherme Azevedo, cofundador da Alice

Digitalização da saúde

A saúde caminha para a digitalização, assim como aconteceu com muitos bancos, segundo Azevedo. O executivo diz que gostaria que a Alice tivesse o impacto na saúde que o Nubank teve no setor financeiro.

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Tomo cuidado com a comparação com o Nubank, porque eu posso ter cinco cartões de créditos ao mesmo tempo, e não vai custar mais nada, mas eu só posso ter um plano de saúde. Acho que a gente tem, sim, a expectativa de que a transformação positiva que podemos gerar no setor é semelhante ao que o Nubank fez no setor financeiro.
Guilherme Azevedo, cofundador da Alice

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