Estoques industriais recuam e estimulam produção após dois anos sem avanços
A indústria brasileira atravessa um momento de redução dos níveis de estoque ao menor nível desde a pandemia. O cenário colabora para o maior patamar em mais de 10 anos do Nível de Utilização de Capacidade Instalada e tende e impulsionar a produção do setor após o tombo de 0,7% da produção em 2022 e a variação positiva de apenas 0,1% no ano passado.
O que aconteceu
Estoques industriais recuam nos últimos meses. Segundo dados da CNI (Confederação Nacional da Indústria), o estoque efetivo-planejado aparece aos 48,2 pontos, o menor nível desde fevereiro de 2021. O indicador tem os 50 pontos como a linha de corte que separa crescimento e queda de armazenamento. O cenário é confirmado pela FGV (Fundação Getulio Vargas), que mostra os estoques no mais baixo nível desde março de 2022.
Cenário reflete aumento da busca por bens industriais. Marcelo Azevedo, gerente de análise econômica da CNI (Confederação Nacional da Indústria), classifica a atual redução dos estoques como um bom sinal da economia. "Os empresários, eles estão vendo suas prateleiras vazias e com a demanda crescendo. A tendência é de uma alta de produção para atender essa demanda e recompor os estoques nos próximos meses", avalia ele.
Escassez vista no ápice da pandemia foi superada. O movimento atual não conta com os entraves enfrentados na última vez em que estoques industriais apareciam tão baixos. Na ocasião, havia limitações de abastecimento devido às restrições impostas pela crise sanitária. "A dificuldade ali era conseguir acessar os insumos", recorda Azevedo. "Isso não é uma questão hoje", garante Igor Rocha, economista-chefe da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
Aquele cenário duro, com escassez de insumos que inviabilizavam o processo produtivo ou tinha algum tipo de repasse nos preços de maneira bastante significativa, não está ocorrendo.
Igor Rocha, economista-chefe da Fiesp
Movimento eleva o uso da capacidade instalada. Aliado com a redução dos estoques, o NUCI (Nível de Utilização da Capacidade Instalada da Indústria) apurado pela FGV aparece em 83,4%, o maior patamar desde 2011, quando o setor surfava no maior volume de produção da série histórica da PIM (Pesquisa Industrial Mensal), coletada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Nível dos estoques pode estimular inflação. Com a contração da oferta, a estabilidade da demanda tende a resultar na elevação dos preços. No entanto, os especialistas no setor ressaltam ser necessário aguardar para ver se o movimento vai persistir por mais tempo. "O certo para não ter um impacto nos preços é que esse crescimento da demanda seja acompanhado com uma expansão da oferta", avalia Rocha. "A utilização da capacidade instalada permite que tenha essa recuperação da demanda sem uma pressão muito pesada sobre os preços", complemente Azevedo.
Se você não tiver uma expansão da oferta proporcional e ou conjugada com o aumento da produtividade, obviamente que a gente pode ter um impacto nos preços da economia e, obviamente, na inflação. Por enquanto, eu acho que é muito cedo fazer qualquer tipo de análise, porque a gente vinha de uma base muito deprimida da indústria.
Igor Rocha, economista-chefe da Fiesp
Produção em alta
Pesquisas reforçam bom momento da indústria. Os últimos dados da PIM mostram que o setor cresceu 4,1% em junho, a maior alta mensal desde julho de 2020 (+9,1%), período em que a economia se recuperava do impacto inicial da pandemia.
Alta foi marcada por recuperação após perdas. O avanço da produção industrial no fechamento do primeiro semestre ocorreu após dois meses consecutivos de recuos ocasionados pelas enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul. A retomada das fábricas contribuiu "direta ou indiretamente" para o resultado, afirma André Macedo, gerente da PIM.
Ambiente ainda segue distante de recorde. Apesar do cenário visto como positivo, o relatório do IBGE mostra que a produção nacional ainda figura 14,3% abaixo da marca histórica, atingida em maio de 2011. Ainda assim, o setor industrial opera em patamar 2,8% acima do registrado em fevereiro de 2020, último mês sem efeito restritivo da Covid-19.
Indústria caminha para alta significativa após dois anos. O momento favorável faz a indústria percorrer para fechar 2024 com o primeiro crescimento efetivo desde 2021, quando o avanço de 3,9% representava uma recuperação do tombo de 4,5% do ano anterior. Em 2022, a produção encolheu 0,7% e ficou estável (+0,1%) no ano passado.
Banco Central prevê alta de 2,7% da indústria neste ano. No último relatório trimestral de inflação, a autoridade monetária avalia que a indústria de transformação tende a se beneficiar do aumento do consumo das famílias e da FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo). "A gente acredita em um crescimento bastante positivo da indústria de transformação neste ano, diferentemente do que aconteceu ano passado", prevê Azevedo.
Atual nível da taxa básica de juros ainda preocupa. Azevedo classifica a recente evolução da indústria como reflexo da redução de 3,25 pontos percentuais da taxa Selic. Para ele, a manutenção da taxa a 10,5% ao ano nas últimas duas reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária) pode frear a recuperação. "Essa interrupção dos cortes traz preocupação, não só pela questão do investimento, mas também pela continuidade de um crescimento da demanda", avalia.
O crescimento da demanda está vindo também por conta de crédito, que reage à taxa de juros e à melhora do mercado de trabalho. A nossa expectativa é de continuidade disso como sustentação da demanda até o final deste ano.
Marcelo Azevedo, gerente de análise econômica da CNI
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