'Posso ir ao cinema às 2 da tarde de sexta': eles trabalham na escala 4x3
Já imaginou trabalhar quatro dias e folgar três?
A proposta de redução da jornada de trabalho, em discussão no Congresso, é realidade em algumas poucas empresas no Brasil. E quem trabalha na escala 4x3 elogia a possibilidade de equilibrar melhor a vida pessoal com a profissional.
'É sobre ter direito ao ócio'
Karolyne Oliveira, 25, é analista de redes sociais da MOL Impacto e está na escala 4x3 desde agosto. Ela, que trabalha na empresa desde 2019, diz que a redução dos dias trabalhados leva em conta o direito dos trabalhadores ao lazer.
Muita gente fala: 'ah, com o fim da escala 6x1 as pessoas vão ser mais produtivas no trabalho'. Mas não é só sobre isso, é sobre ter o direito ao ócio.
Karolyne Oliveira
"Sou uma grande defensora do descanso porque ele também te faz ser produtivo, não só no trabalho, mas na vida pessoal. Há muito tempo que eu não escrevia por lazer, e agora fiz uma newsletter, por exemplo", conta Karolyne, formada em jornalismo.
Ela diz que a folga em dia útil facilita o acesso ao lazer até mesmo por ser um dia menos cheio —e por vezes mais barato— em espaços como cinemas e teatros.
"No final de semana são as sessões mais lotadas, agora eu posso ir às 14 horas de uma sexta, vai ser mais tranquilo."
'Folgo na terça'
Ana Paiva, 21, é assistente de desenvolvimento de software no Efí Bank há um ano e também trabalha em escala reduzida.
O modelo começou em 2022 e foi adotado de forma definitiva em 2023 —segundo a empresa, sem redução de salários.
No caso dela, o tempo livre ajuda nas tarefas de uma segunda graduação, que acabava sufocada em uma semana 5x2.
Sou graduanda em sistemas de informação na Unicamp e acho muito importante esse regime justamente para equilibrar minha vida acadêmica e a vida pessoal com a rotina do trabalho.
Ana Paiva
O curso de Ana tem aulas no período diurno, o que tornava ainda mais difícil conciliar as duas frentes —agora, a estudante e funcionária se planeja para encaixar as aulas que ainda tem no dia a mais de folga.
Atualmente, eu folgo na terça-feira, que é o dia em que eu consigo organizar todas as minhas aulas diurnas e estruturar minha rotina. Acho necessário esse dia útil para resolver pendências. No meu caso, é a faculdade, mas ir ao médico, ir ao banco, isso só é possível em horário comercial, em dia útil.
Ana Paiva
A escala também é elogiada por aqueles que têm filhos.
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Quero receberHilmar dos Santos Serafim Júnior, 41, é especialista em suporte ao cliente da Vockan, que instala softwares de planejamento de recursos em indústrias pelo Brasil.
Em 2022, a Vockan adotou a escala 4x3 —a equipe trabalha oito horas, quatro dias na semana, sem redução de salário.
Pai de uma criança de 9 anos, ele viu a relação com o menino melhorar depois que ganhou uma folga a mais, há um ano e meio.
A minha folga extra é na sexta. Posso investir tempo de qualidade com a minha família, com minha esposa, meu filho, além de poder resolver pendências como agendar algumas consultas médicas. Acaba sobrando o sábado e o domingo totalmente livres para realmente descansar.
Hilmar dos Santos Serafim Júnior
Já Karolyne diz que, de início, aproveitava a folga "apenas" para descansar. Ela emendava os finais de semana com folgas às segundas ou às sextas, em alternância.
"Algumas pessoas pegaram esse dia para resolver a vida. Eu não: peguei essas folgas para descansar, e foi ótimo. Não parecia que era um dia só, parecia que eu tinha quatro dias de folga a mais, porque o tempo rendia. Sabe aquela sensação de: 'está chegando o final de semana e eu estou cansada?' Não tinha, parece até utópico."
'Atendemos de domingo a domingo'
Nas redes sociais, uma das críticas à escala 4x3 depois que a proposta de redução de jornada da deputada Erika Hilton (PSOL) repercutiu era sobre uma possível redução de atendimentos dos estabelecimentos aos finais de semana.
Por exemplo, diziam que os restaurantes não poderiam ficar abertos aos domingos porque não haveria gente para trabalhar.
Mas Ana conta que, no caso da empresa onde trabalha, isso não aconteceu. Segundo ela, no Efí Bank há uma equipe disponível para os clientes de domingo a domingo.
Os funcionários se alinham para que as três folgas por semana não deixem algum dia "esvaziado", sem atendimento ao público.
Tem como fazer tudo funcionar, é só uma questão de estruturar a rotina para que a gente tenha o melhor aproveitamento possível. E no final de semana você está conversando com o cliente e está bem, porque conseguiu o seu descanso em outro momento.
Ana Paiva
Karolyne diz que trabalha com a cabeça "mais calma" graças ao dia extra de folga, que permite que ela resolva "coisas da vida".
"Você tem uma lista de problemas e está em uma reunião. Pipoca na sua cabeça: 'eu preciso ver se o cara vai instalar o box lá em casa'. Isso não surge mais [na escala 4x3] porque você já resolveu", exemplifica.
A jovem conta que a escala reduzida ainda está em teste na MOL, especializada em produtos sociais (vendidos para gerar dinheiro para causas beneficentes).
A 4x3 foi aplicada aos poucos: um primeiro grupo, de áreas selecionadas, começou o experimento. Com o sucesso, a fase dois —que incluía a analista— também foi contemplada.
Ela diz que a nova rotina facilitou até suas amizades com colegas de trabalho, algo mais difícil em um dia a dia mais puxado.
"Eu já me dava muito bem com as pessoas, mas agora acontece algo que é: uma colega designer, que não era tão próxima, também folga na sexta. A gente pode tomar um café, e até falar sobre trabalho mesmo, de uma forma diferente, que não aconteceria na empresa."
'Alteramos rotinas'
Hilmar, que estava há seis meses na Vockan quando a nova escala foi aplicada, confessa que teve dificuldade de se adaptar, mas aprendeu a desempenhar suas funções usando menos tempo.
"A gente teve de alterar algumas rotinas no trabalho. Nossas reuniões têm 15 minutos, passando disso só se for realmente necessário", diz Hilmar.
Na Vockan, segundo o CEO, a produtividade da equipe aumentou 32%, após a mudança de escala.
É uma agenda mais organizada e mais focada no trabalho durante esses quatro dias. Já trabalhei na escala 5x2 anteriormente, e acho que eu não quero mais ter essa experiência.
Hilmar dos Santos Serafim Júnior
Teste do modelo no Brasil
Empresas como a Vockan e a MOL Impacto testaram o modelo em um projeto piloto feito em parceria entre a FGV-EAESP e a 4 Day Week Global, dentre outras entidades. O piloto já foi realizado em diversos países. Um novo teste no Brasil está previsto para o início de 2025.
Participantes desse piloto relataram menos estresse e exaustão. Os dados do projeto mostram que 72,8% dos trabalhadores participantes relataram uma redução na exaustão frequente, enquanto 71,3% relataram mais energia para família e amigos. No trabalho, 80,7% relataram melhoria na criatividade e inovação e 52,6% viram melhora na capacidade de cumprir prazos.
Lideranças relataram melhora na produtividade. Houve também percepção de melhor qualidade no trabalho e redução nas faltas, além de ganhos na retenção de talentos. Ao final do piloto, 46,2% das empresas participantes disseram que manteriam a semana de quatro dias, enquanto 38,5% optaram por estender o piloto.
"Sextou" foi um dos desafios. Um dos desafios encontrados foi a manutenção da produtividade às quintas-feiras, para as empresas que adotaram a folga na sexta-feira. Em alguns casos houve a sensação de que a perda de produtividade que usualmente ocorre na sexta-feira foi transferida para a quinta-feira.
Garantir cobertura durante toda a semana também foi desafiador. A dificuldade apareceu principalmente em setores que requerem cobertura contínua, como atendimento ao cliente. "As empresas precisaram implementar escalas de trabalho diferenciadas e por vezes contratações adicionais. É difícil, contudo, identificar até que ponto as contratações ocorrem por aumento de demanda, notado por diferentes empresas, ou redução da jornada", diz o relatório do estudo.
*Com informações de reportagem publicada em 14/11/2024
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