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Fluxo para América Latina diminui com menor crescimento e ameaças de Trump

Por Jamie McGeever

31/05/2019 16h48

BRASÍLIA (Reuters) - O desagradável cheiro de recessão está pairando sobre a América Latina, e os investidores estão se protegendo à medida que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aumenta as tensões políticas e comerciais.

O fluxo de fundos para os mercados de ações e títulos da região evaporou nas últimas semanas, mostram indicadores, e o sombrio cenário doméstico --e ainda mais cinzento quadro internacional-- ameaçam deflagrar saídas de recursos.

Trump lançou uma bomba sobre a economia mundial e os mercados financeiros na quinta-feira, dizendo que iria aumentar tarifas sobre as importações do México para até 25%, a menos que o fluxo de imigrantes do país latino-americano para os EUA seja interrompido.

Esse pode ser o gatilho a transformar a desaceleração na demanda por ativos financeiros latino-americanos em saídas de recursos, segundo alguns analistas. Todas as três maiores economias da região contraíram no primeiro trimestre deste ano.

"(Isso aconteceu) justamente quando você pensou que não poderia ficar pior", disse George Saravelos, diretor global de pesquisa de câmbio do Deutsche Bank. "A economia global está sendo confrontada com um enorme choque de incerteza em várias frentes... Este é um grande choque adicional."

O Deutsche Bank diz que os títulos mexicanos e brasileiros são particularmente vulneráveis aos investidores estrangeiros que estão reduzindo posições e saindo dos mercados.

Uma parcela de cerca de 61% do mercado local de títulos de renda fixa do México é detida por estrangeiros, a maior entre os países emergentes. O Brasil vem em seguida, com 51% da dívida local nas mãos de estrangeiros.

Nenhum outro país emergente tem mais de 40% dos títulos locais detidos por investidores estrangeiros, mostram números do Deutsche. A média na América Latina é de 54%, --bem acima dos 28% da média dos emergentes e mais que o dobro da média da Ásia (23%).

O peso mexicano também é altamente vulnerável a uma liquidação rápida, levando em conta o posicionamento dos fundos hedge e outros especuladores nos mercados futuros dos EUA. A moeda mexicana já caiu 2,5% nesta sexta-feira, sua maior queda desde outubro do ano passado.

Dados da Commodity Futures Trading Commission mostram que os fundos acumularam uma enorme posição líquida comprada no peso mexicano, efetivamente uma aposta no ganho de valor da moeda. No mês passado, a posição líquida alcançou um recorde de 156.030 contratos, uma aposta coletiva de cerca de 4 bilhões de dólares na valorização do peso.

Demanda evaporando

Números do Instituto Internacional de Finanças (IIF, na sigla em inglês), com sede em Washington, mostram que o fluxo de entrada para as carteiras --demanda externa por ações e títulos locais-- evaporou. Em alguns casos, como o Brasil, os investidores agora estão tirando dinheiro.

O ingresso líquido de recursos de não residentes para os mercados da América Latina em maio foi de apenas 300 milhões de dólares, segundo o IIF, o menor volume de entrada neste ano.

Os números de abril revelam que os estrangeiros sacaram 1,7 bilhão de dólares do Brasil e 1,5 bilhão de dólares do México, os primeiros resgates líquidos nos dois países desde dezembro.

Dados divulgados na véspera pelo IBGE mostraram que a economia brasileira encolheu entre janeiro e março, na primeiro declínio desde 2016. A contração de 0,2% aumentou a perspectiva de que o Brasil possa entrar em recessão neste ano.

Na semana passada, foi o México que reportou recuo de 0,2% em seu PIB no primeiro trimestre, antes de Trump anunciar as tarifas.

Quando a análise inclui a Argentina --que já está em profunda recessão e sem sinais de melhora antes da eleição presidencial de outubro--, chega-se à conclusão de que os investidores da América Latina têm a que temer.

"Claramente, investidores e analistas, incluindo nós mesmos, ficamos mais nervosos", disse Dirk Willer, diretor-gerente e chefe de estratégia de mercados emergentes do Citi.

Análises feitas por Willer e seus colegas mostram que os investidores estão retirando dinheiro dos fundos mútuos da América Latina há mais de um mês. Os ingressos acumulados neste ano agora são de apenas 106 milhões de dólares, depois de retirarem 1 bilhão de dólares em meados de abril.

Não era para ser assim. No Brasil, a expectativa era que as reformas pró-mercado do presidente Jair Bolsonaro (eleito no ano passado), principalmente a da Previdência, gerassem o tão aguardado crescimento econômico e de mercado no Brasil.

No México, a eleição em julho do esquerdista Andrés Manuel López Obrador para a Presidência não empurrou a economia de um penhasco, como alguns temiam.

Embora a Argentina esteja em profunda recessão desde meados do ano passado e a incerteza política esteja aumentando, uma série de medidas do governo e do banco central, em conjunto com o pacote de 50 bilhões de dólares do Fundo Monetário Internacional (FMI), deveria marcar um ponto de virada.

Essa esperança minguou.

"Estamos ficando mais preocupados", disse Alberto Ramos, chefe de pesquisa econômica do Goldman Sachs para a América Latina. "O crescimento tem sido decepcionante em todos os lugares."