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Pressão nos títulos públicos deve continuar com risco fiscal em meio a Selic baixa

Selic baixa dificulta apelo pela compra de títulos públicos - Getty Images
Selic baixa dificulta apelo pela compra de títulos públicos Imagem: Getty Images

José de Castro

Da Reuters, em São Paulo

17/09/2020 15h58

O mercado de títulos públicos deve continuar a experimentar pressão de taxas, ainda na esteira da persistente desconfiança do lado fiscal, com a perspectiva de que a Selic fique nas mínimas históricas por mais tempo somando-se à percepção de contínua turbulência para o financiamento da dívida pública.

Os aumentos dos prêmios cobrados para emissões de prefixados ocorrem desde março, quando estourou a crise do coronavírus, e afetam negociações tanto nos mercados primário quanto secundário.

As taxas mais salgadas vêm conforme o Tesouro precisou turbinar emissões para financiar gastos com medidas de combate à pandemia. A necessidade de levantar mais caixa por si só tornaria o financiamento da dívida mais difícil, mas a situação se agravou à medida que a Selic caiu a mínimas recordes de 2% ao ano, tirando atratividade dos papéis.

O apelo pelos títulos ficou ainda mais prejudicado pela constante percepção de risco fiscal, alimentada pelos aumentos de despesas correntes, e também por dúvidas relacionadas à capacidade de aprovação de reformas econômicas substanciais que corrijam a trajetória da dívida pública — a caminho de bater 100% do PIB (Produto Interno Bruto).

A indigestão do mercado se tornou ainda mais visível na semana passada, quando o Tesouro realizou um megaleilão de 44,5 milhões de títulos públicos prefixados, o maior da história em termos de risco, segundo a Renascença, o que pressionou a inclinação da curva e inflou os prêmios cobrados.

Mas o que assustou de vez foi o salto nos últimos dias nas taxas das LFTs, título que carrega o risco-base de mercado, cuja rentabilidade é atrelada à variação da taxa Selic over, que por sua vez tem como referência a meta Selic definida pelo Copom (Comitê de Política Monetária).

A LFT é um título muito utilizado por fundos de renda fixa e também é demandado por amplo grupo de investidores que o usam como margem de garantia e como forma de adequar "duration" nas carteiras em busca de tratamento tributário específico.

Para se ter ideia, a LFT emitida em setembro de 2019 com vencimento em março de 2026 chegou a ser negociada na terça-feira com PU (preço unitário) 0,86% abaixo do preço médio do dia anterior, considerado dados do mercado secundário disponibilizados pelo Banco Central. É uma desvalorização diária bastante aguda em se tratando de título considerado de risco virtualmente zero.

Os preços das LFTs caíram na quarta-feira pela quarta sessão consecutiva, conforme o índice da Anbima IMA-S. É a mais longa série do tipo desde o período entre o fim de abril e início de maio de 2002 — quando as LFTs estavam sendo negociadas com crescente deságio em meio a incertezas políticas e pouco antes do estouro da crise da marcação a mercado, período marcado por uma onda de saques de fundos de investimento.

No mesmo dia do megaleilão de prefixados na semana passada, o Tesouro vendeu pouco mais da metade (266.550) do lote de 500 mil LFTs disponibilizado. Na operação realizada nesta quinta, a colocação foi ainda menor — apenas 18% dos 500 mil títulos ofertados foram vendidos.

"Ainda não dá para dizer que o pior já passou", afirmou Sergio Goldenstein, consultor independente e estrategista na

Omninvest Independent Insights. Segundo ele, o risco de base relacionado à pressão nos títulos públicos é fiscal, mas não se pode ignorar o efeito das sucessivas quedas de juros na situação atual.

"A meta do BC, claro, é inflação, mas a decisão de política monetária não se baseia apenas em modelos econométricos. O BC tem que ter preocupações com questões financeiras e prudenciais, até porque se passa do ponto você acaba tornando as condições financeiras mais restritivas", disse. "O Tesouro não pode afetar a política monetária, mas o BC pode afetar as condições de financiamento do Tesouro?", questionou.

Para Goldenstein, que já chefiou o Departamento de Operações de Mercado Aberto do Banco Central, no momento o Tesouro deveria emitir mais título longo, ainda que pagando taxas mais salgadas, já que essa estratégia reduziria riscos relacionados ao encurtamento da dívida pública. O problema desse encurtamento, segundo Goldenstein, é mais na frente o Tesouro precisar vender a qualquer preço para refinanciar o estoque vincendo.

Fernando Ferez, estrategista-chefe da Renascença, avalia que o BC exagerou na dose de cortes de juros e coloca em dúvida o benefício econômico, por exemplo, de o juro ter caído de cerca de 4% para os atuais 2%.

"Ontem, o BC soou para mim um pouco mais 'dovish' (inclinado a estímulo monetário). O BC poderia ter mostrado na argumentação um sinal mais forte de cautela sobre o risco fiscal, passar uma mensagem para o mercado de que está monitorando mesmo de perto essa questão."

O BC manteve a Selic na mínima recorde de 2% na quarta-feira à noite, elevou a barra para mais cortes de juros, mas indicou estabilidade da taxa nos próximos vários meses.

Teto de gastos

O ponto central que ainda joga contra o Tesouro, segundo os analistas, é a persistente incerteza fiscal, com dúvidas sobre se o teto de gastos será rompido em 2021 em meio a receios de um governo mais gastador.

"Todos os entes têm alguma coisa para fazer, e ninguém tem um grau de liberdade muito grande parar errar numa hora dessas. Então a gente volta para a discussão sobre responsabilidade fiscal, cumprimento e manutenção do teto, entendendo a pandemia e as restrições que ela causa", disse Sergio Silva, sócio e gestor da AZ Quest.

Nesse contexto, Silva entende que o Tesouro precisa ser mais sensível na execução do financiamento. "Ele colocou o maior leilão da história numa fase delicada, hoje diminuiu o lote, e é assim que terá de gerenciar esse momento de maior necessidade de financiamento."

No leilão de pré realizado nesta quinta, o Tesouro já diminuiu os lotes somados de LTN e NTN-F para 20,150 milhões de papéis, 55% a menos do que na semana passada, mas manteve o tamanho de 500 mil ativos para LFT. As taxas pagas pelo Tesouro ainda vieram altas, mas o menor tamanho da operação ajudou a tirar pressão da curva de DI, que oscilava em queda nesta quinta.

A curva de juros, porém, segue bastante inclinada. O spread entre os DIs janeiro 2025 e janeiro 2022, por exemplo, estava em 323 pontos-base, o maior desde abril e muito acima dos 250 pontos-base vistos em meados de julho.

O aumento desses prêmios na curva acaba tornando mais atraentes a montagem da chamada LFT sintética — por meio de uma LTN e um contrato de DI —, já que incorpora as taxas mais altas dos prefixados. Isso tem pressionado ainda mais a demanda pelas LFTs "secas", cuja taxa over segue bem abaixo das praticadas no mercado.

Ronaldo Patah, estrategista do UBS Wealth Management, chama atenção para o mal-estar no mercado de títulos públicos e no financiamento da dívida mesmo com o reforço de caixa de 325 bilhões de reais obtido pelo Tesouro a partir do lucro cambial do BC do primeiro semestre. Segundo ele, a persistência dessa taquicardia entre investidores mostra que o "vírus é de ordem fiscal".

"A transferência (dos recursos do BC para o Tesouro) foi um paliativo, não atacou a raiz do problema... Se o (presidente Jair) Bolsonaro não entender, se os políticos não entenderem que eles também têm que cortar na carne, esse problema (fiscal) persistirá", afirmou, referindo-se a uma necessidade de uma agenda mais robusta de reequilíbrio das contas públicas.

Em sua avaliação, o estresse recente nos títulos públicos serviu para colocar esses receios nos preços. "O que não está no preço seria um rompimento descarado do teto de gastos, tentativa de mudar a Constituição (para acomodar mais gastos) e uma virada na política econômica para um lado mais populista."