Fachin anula condenações de Lula em Curitiba e restaura direitos políticos
Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - Em uma inédita decisão que poderá ter ampla repercussão política, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou nesta segunda-feira todas as condenações impostas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela 13ª Vara Federal de Curitiba no âmbito da operação Lava Jato, medida que devolve ao petista seus direitos políticos e poderá, se mantida, embaralhar a sucessão presidencial de 2022.
A decisão, que determinou a remessa dos processos à Seção Judiciária do Distrito Federal, deve ser posteriormente avaliada pelo plenário do STF.
Segundo nota do gabinete de Fachin, o ministro entendeu que a vara em Curitiba não tem competência para julgar os processos e anulou todas as decisões proferidas nos casos do tríplex do Guarujá, do sítio em Atibaia, da compra de uma sede para o Instituto Lula e das doações feitas ao instituto do ex-presidente.
A nota explica que o entendimento da 2ª Turma do STF, em casos semelhantes, tem sido amadurecida na direção de restringir o alcance da competência da 13ª Vara Federal, em Curitiba. Pela jurisprudência, ficam com a vara de Curitiba os casos relacionados apenas à Petrobras.
A decisão de Fachin ocorreu em resposta a habeas corpus formulado pela defesa de Lula em novembro do ano passado.
"Embora a questão da competência já tenha sido suscitada indiretamente, é a primeira vez que o argumento reúne condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal", diz a nota.
A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que a decisão de Fachin foi um reconhecimento que a posição do ex-presidente sempre esteve certa e lamentou que ela não possa reparar "danos irremediáveis".
"A decisão que hoje afirma a incompetência da Justiça Federal de Curitiba é o reconhecimento de que sempre estivemos corretos nessa longa batalha jurídica", afirmam os advogados de Lula, Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Zanin Martins, em nota.
"Mas ela não tem o condão de reparar os danos irremediáveis causados pelo ex-juiz Sergio Moro e pelos procuradores da Lava Jato ao ex-presidente Lula, ao Sistema de Justiça e ao Estado Democrático de Direito", acrescentam.
Procurada, a Procuradoria-Geral da República informou à Reuters que vai recorrer da decisão de Fachin. Disse que a tendência é que o recurso seja apresentado à 2ª Turma, mas, por ora, não detalhou as razões da iniciativa.
REVIRAVOLTA
A decisão de Fachin, se mantida, causará uma reviravolta na maior investigação de corrupção do país e também no tabuleiro político para a sucessão em outubro do próximo ano.
O ex-presidente foi preso em abril de 2018 após condenação em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito do processo do tríplex do Guarujá (SP).
Posteriormente, em agosto de 2018, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiram barrar o registro de candidatura ao Palácio do Planalto do ex-presidente --à época líder em todas as pesquisas de intenção de voto-- com base na Lei da Ficha Limpa pela condenação do tríplex.
Lula ficou preso por 580 dias e foi solto em novembro de 2019, após o STF mudar entendimento a respeito da execução da pena de prisão para condenados em segunda instância.
Desde então, a Lava Jato e o principal juiz da operação, Sergio Moro, que se tornou ministro da Justiça do presidente Jair Bolsonaro, sofreram uma série de revezes no Supremo, após a revelação de um suposto conluio entre o ex-magistrado e procuradores da força-tarefa da operação, sendo a decisão de Fachin a última delas.
Procurada, a assessoria de Sérgio Moro não se manifestou de imediato sobre a decisão.
REAÇÕES
O presidente Jair Bolsonaro reagiu à notícia dizendo que Fachin tinha ligações com o PT e defendeu que a decisão seja examinada pelo plenário do Supremo.
"O ministro Fachin, ele tinha uma forte, sempre tem uma forte ligação com o PT, então não nos estranha uma decisão nesse sentido", disse Bolsonaro a jornalistas.
A despeito de Fachin já ter tido ligações com movimentos de esquerda e ter sido indicado ao Supremo pela ex-presidente petista Dilma Rousseff, ele rejeitou inúmeros recursos de Lula apresentados ao STF.
A decisão de Fachin causou repercussão imediata nos mercados financeiros e no meio político.
O mercado de ações brasileiro fechou em forte queda, com o índice de referência, o Ibovespa recuando 3,98%, devolvendo boa parte da alta da semana passada (+4,7%).
O dólar, por sua vez, fechou no maior patamar desde maio a 5,7787 reais na venda, maior nível desde 15 de maio do ano passado.
O receio de investidores de que o governo enverede por um caminho mais populista aumentou nas últimas semanas, depois de uma série de episódios em que, para o mercado, Bolsonaro agiu deixando de lado princípios de uma política econômica liberal.
O deputado petista José Guimarães, líder da Minoria na Câmara, comemorou a decisão de Fachin como "a vitória do Direito, da Justiça, das regras, das normas".
O também petista Jean Paul Prates (RN), que lidera a Minoria no Senado disse ter certeza que "um processo limpo e despido de interesses vai agora inocentar o maior presidente que o Brasil já teve".
"O Judiciário agora precisa se questionar sobre como tudo isso foi possível", acrescentou.
A decisão de Fachin acabou tendo efeito sobre avaliações relacionadas a Moro também.
Atual aliado de Bolsonaro, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que já apoiou o governo do petista, afirmou no Twitter: "Minha maior dúvida é se a decisão monocrática foi para absolver Lula ou Moro. Lula pode até merecer. Moro, jamais!"
Para Miguel Pereira Neto, especialista em direito criminal, sócio do Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados e conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo, "a decisão é tecnicamente correta".
"O vício era evidente e finalmente o STF o reconhece", disse. "A fundamentação da decisão se estende a outros acusados e condenados em processos com igual atecnia. O processo não é de direita, nem de esquerda, é de Direito."
(Reportagem adicional de Maria Carolina Marcello e Eduardo Simões; Edição de Alexandre Caverni)
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