Ressurgência do dólar com exterior turbulento aumenta dilema do BC às vésperas de Copom
Por José de Castro
SÃO PAULO (Reuters) - A escalada de 9% do dólar ante o real desde as mínimas recentes está consolidando a visão de analistas de que o Banco Central não terá outra saída a não ser seguir elevando os juros depois da decisão da próxima semana, com riscos de um "calor" no mercado caso o BC seja interpretado como ainda mais "dovish".
O mercado já vinha enxergando o BC como menos inclinado a subir as taxas de juros, o que segundo analistas pesou adicionalmente nos preços dos ativos nos últimos dias. O Citi divulgou relatório recente no qual disse não acreditar que o BC levaria os juros para o nível necessário para reancorar as expectativas de inflação no horizonte relevante --o banco privado, no entanto, vê juro em alta para além da próxima semana.
Esse é o panorama enxergado por investidores de forma geral, e a disparada do dólar e o potencial repasse cambial aos preços num cenário de commodities ainda valorizadas, condições financeiras globais mais apertadas --o Fed tem indicado restrição mais forte na política monetária-- e lockdowns na China não apenas referendam esse cenário como também aumentam a assimetria para o caso de o BC não cumprir as expectativas.
"Se o BC não incluir essas informações novas na conta, isso vai gerar um impacto surpresa no mercado, que não comprou o discurso mais 'dovish' dado recentemente", disse Luca Mercadante, economista da Rio Bravo.
"São alguns fatores novos que o BC tem que avaliar. E essa alta do dólar talvez não tenha impacto tão grande no modelo, mas aumenta o componente dentro do balanço de riscos, muda o processo de decisão do BC", completou.
O Federal Reserve (banco central dos EUA) está cada vez mais agressivo nas sinalizações de política monetária, e os bloqueios na China contra a Covid-19 ameaçam atrasar uma já lenta recuperação nas travadas cadeias de suprimentos, razão central para o salto da inflação no mundo.
"O exterior --China fraca e Fed 'hawk'(duro com a inflação)-- está fazendo bastante preço. E aqui o BC 'dove' está acelerando a deterioração do real em específico", comentou um profissional de uma gestora em São Paulo.
Cálculos do Credit Suisse apontam que um choque de 100 pontos-base nos juros dos EUA forçaria o Banco Central aqui a elevar a Selic em 70 pontos-base extras ao longo de quatro trimestres. Nesse mesmo cenário, a taxa real de câmbio depreciaria 8% apenas no primeiro trimestre após o choque.
A curva de juros embute quase 100% de chance de alta de 100 pontos-base da Selic na quarta-feira da próxima semana. Mais 41 pontos-base de alta estão precificados para o Copom de junho e outros 16 pontos para agosto. Esses números pouco se alteraram desde a semana passada, uma vez que operadores já viam pressão tamanha na inflação que não permitiria a parada do ciclo.
"O Copom provavelmente será forçado a continuar aumentando a taxa de juros em junho de 2022 (para 13,25%), caso contrário as expectativas de inflação continuarão se deteriorando", disse Leonardo Porto, economista-chefe do Citi, em nota.
"O nível desconfortável das expectativas de inflação para 2023 corrobora nossa visão de que a taxa Selic de dois dígitos permanecerá por mais tempo, com o ciclo de afrouxamento começando apenas no segundo semestre de 2023", finalizou, acrescentando esperar um ambiente global menos benigno para o real à frente.
As expectativas de inflação apuradas a partir de contratos futuros de cupom de IPCA (DAP) na B3 dispararam recentemente, com as taxas implícitas para 2022 e 2023 em 8,61% e 6,70%, respectivamente, conforme dados da Renascença.
O relatório Focus com projeções do mercado, divulgado nesta terça-feira pelo BC após um intervalo de quase um mês por causa da greve dos servidores da autarquia, aponta para um IPCA de 4% em 2023, já bem acima da meta central de 3,25%. A mediana da expectativa para a Selic está em 13,25% para o fim deste ano e em 9% para o final de 2023.
(Por José de Castro)
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