Cúpula da Amazônia em Belém focará no combate ao "narco-desmatamento"

Por Jake Spring e Gabriel Stargardter

SÃO PAULO (Reuters) - Quando os presidentes das nações amazônicas, incluindo Brasil, Peru e Colômbia, se encontrarem em uma cúpula regional na próxima semana, em Belém, eles vão focar em um novo grupo de criminosos que se sente tão à vontade derrubando a floresta tropical quanto enviando drogas para o exterior.

O "narco-desmatamento", como foi chamado em um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) no mês passado, representa um novo alvo para as forças de segurança que operam na floresta amazônica, onde as fronteiras entre grupos criminosos especializados são cada vez mais tênues.

"Nós estamos preocupados com a Amazônia", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que propôs a cúpula durante a campanha, em um discurso no mês passado. "É lá que está sendo fomentado o crime organizado, o narcotráfico e tudo que é ilícito."

Os oito países membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que vão se reunir em Belém para uma cúpula em 8 e 9 de agosto, devem chegar a um acordo para cooperar no combate a esses crimes, disse Carlos Lazary, diretor executivo da organização.

Por conta das abundantes colheitas de coca andina e da demanda recorde de cocaína na Europa, a Amazônia tornou-se nos últimos anos uma grande via de tráfico de drogas. Cargas ilícitas passam facilmente pela vasta região escassamente povoada e pouco policiada em barcos, aviões ou mesmo submarinos a caminho do Oceano Atlântico.

Com lucros crescentes, muitas das gangues de drogas na Amazônia agora estão lavando o dinheiro por meio de grilagem de terras, extração de madeira, garimpo e outros meios, alertou o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime em seu Relatório Mundial sobre drogas.

Charles Nascimento, policial federal brasileiro e veterano da operação antidrogas na Amazônia, disse que os grupos criminosos costumam usar as rotas de drogas existentes para levar ouro e madeira colhidos ilegalmente para o mercado.

“O que está acontecendo lá é que muita gente que atua no garimpo também atua no tráfico, e vice-versa”, afirmou. "É como se uma coisa retroalimentasse a outra."

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Essa crescente polinização cruzada criminal levou a polícia a expandir uma operação antinarcóticos recorrente na Amazônia entre o Peru e o Brasil, programada para este ano, também visando crimes ambientais, disse Nascimento.

ASSASSINATOS REMOTOS

Os assassinatos em 2022 do indigentista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, supostamente pelas mãos de uma quadrilha de pescadores ilegais com conexões com o crime organizado, levaram o governo federal a aumentar o policiamento em áreas remotas, disse Nascimento.

Lula -- que tem usado sua reputação internacional para acabar com o desmatamento desenfreado registrado no governo de seu antecessor, Jair Bolsonaro -- implementou uma série de medidas para combater o crime ambiental desde que assumiu o cargo em 1º de janeiro.

A mais importante foi a criação de uma diretoria especializada da Polícia Federal voltada para a Amazônia e crimes ambientais.

Seu governo também propôs um centro de cooperação policial internacional em Manaus, a maior cidade da Amazônia, o que pode ser um fator para o acordo final da cúpula, disse Lazary, da OTCA.

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Países vizinhos -- assim como agências de países desenvolvidos que importam madeira e ouro ilegais -- serão convidados a enviar representantes permanentes ao centro para ajudar a coordenar as investigações, afirmou Valdecy Urquiza, chefe da diretoria de cooperação internacional da PF.

Em uma reunião da polícia internacional em Belém um dia antes da cúpula presidencial da próxima semana, o Brasil também promoverá planos para compartilhar tecnologia que pode identificar se a madeira e o ouro foram obtidos ilegalmente, segundo Urquiza.

Bancos de dados de amostras de ouro e madeira retiradas de toda a Amazônia -- que usam análise molecular para identificar os locais específicos da fonte -- podem ajudar a polícia a determinar se os bens apreendidos são originários de uma área onde é ilegal garimpar, como em reservas indígenas, disse Urquiza.

O Brasil -- que sediará a cúpula global de mudanças climáticas COP30 em Belém em 2025 -- começou a treinar policiais na América Latina e na Europa sobre esses métodos.

Reuniões e acordos internacionais anteriores não conseguiram gerar muita cooperação entre as cautelosas forças policiais nacionais na Amazônia, disse Robert Muggah, principal autor do capítulo do relatório da ONU sobre o crime organizado na Amazônia.

Os países amazônicos assinaram um compromisso firme para cooperar em crimes ambientais no Pacto Leticiam de 2019. Mas Bolsonaro e o então presidente da Colômbia, Iván Duque, excluíram a Venezuela, e os signatários falharam em seguir com ações concretas, afirmou Muggah. A virada à esquerda na América do Sul sob Lula e o colombiano Gustavo Petro pode ajudar a melhorar a cooperação, acrescentou.

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“O crime está entre os principais, senão o principal problema enfrentado pela proteção de uma floresta em pé na Amazônia”, disse ele. "Precisa ser motivo de preocupação para nossos tomadores de decisão."

(Reportagem de Jake Spring, em São Paulo, e Gabriel Stargardter, no Rio de Janeiro)

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