Equipe econômica abre debate espinhoso sobre ajuste fiscal via benefícios sociais
Por Bernardo Caram e Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - A equipe econômica do governo passou a indicar, em declarações recentes, a necessidade de avançar em medidas de ajuste fiscal pelo lado das despesas, levantando debate sobre propostas que, na prática, reduziriam as correções de benefícios previdenciários e sociais, tema que encontra resistência histórica da esquerda e pode esbarrar na oposição da base política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmou na última semana que o crescimento do gasto previdenciário merece cuidado e "eventualmente medidas que permitam que a dinâmica dessa despesa tenha um crescimento compatível com a sustentabilidade fiscal".
Na ocasião, ele também tratou como “sinal de alerta” a elevação de gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a idosos de baixa renda e pessoas com deficiência.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico publicada nesta segunda-feira, a ministra da Planejamento, Simone Tebet, disse que já discute com sua equipe um cardápio de propostas que inclui a desvinculação de aposentadorias e benefícios sociais da política de ganhos reais do salário mínimo, avaliando também alternativa para o piso de despesas com Educação.
“Vamos ter que fazer isso pela convicção ou pela dor”, disse ao jornal, ao pontuar que a proposta é manter a correção dos benefícios pela inflação, um mandamento constitucional.
A regra em vigor para a correção do salário mínimo e dos benefícios vinculados a ele prevê aumentos reais anuais.
A despeito de uma abrangente reforma da Previdência aprovada no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, os gastos com aposentadorias e benefícios seguem crescendo a passos largos, influenciados tanto pela dinâmica de envelhecimento populacional quanto pela política implementada por Lula para corrigi-los acima da inflação. Nos 12 meses até março, o déficit da previdência, incluindo servidores ativos e militares, chegou a 4% do Produto Interno Bruto (PIB).
Pelas estimativas do governo, cada real de aumento no salário mínimo gera um gasto adicional anual para o setor público de aproximadamente 400 milhões de reais, por conta das vinculações dos reajustes de aposentadorias, benefícios assistenciais, seguro-desemprego e abono salarial.
Em outra indicação de que o tema da desvinculação está na pauta da equipe econômica, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, recomendou na quinta-feira em redes sociais, sem tecer mais comentários, um artigo do economista Bráulio Borges no qual ele defende que o ajuste fiscal deveria ser feito tanto pela recomposição de receitas como via corte de gastos, chamando de "elemento crucial" a desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo.
Borges defendeu no artigo que o salário mínimo deve ser reajustado em termos reais para refletir ganhos de produtividade da mão de obra, mas que as aposentadorias e pensões deveriam apenas manter seu poder de compra ao longo do tempo.
A discussão toca em um tema sensível para Lula, que, segundo uma fonte da equipe econômica, destacou com ênfase em reunião recente a portas fechadas que a manutenção da política atual de reajuste de salário mínimo deve ser mantida, mesmo que em detrimento de todas as outras.
Após anos com atualização do piso nacional apenas para repor a inflação, Lula sancionou no ano passado a retomada da política determinando que os reajustes anuais do salário mínimo levarão em conta a inflação medida pelo índice INPC nos 12 meses anteriores mais a taxa de expansão do PIB de dois anos antes.
A mesma fonte, ouvida em anonimato, pontuou que não está claro se Lula terá disposição para avançar com a ideia da desvinculação dos aposentadorias ao salário mínimo, visto que mais de 60% dos beneficiários da Previdência ganham apenas um salário mínimo, sendo, portanto, diretamente beneficiados pela sistemática atual de correção, o que torna o tema politicamente sensível para a base do presidente.
Acima de um salário mínimo, as aposentadorias têm sido atualizadas apenas pela inflação.
Em outra frente, o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025 enviado ao Congresso em abril apontou que a equipe econômica prepara uma reavaliação do seguro-defeso, benefício pago a pescadores, e deve continuar o processo de revisão de incentivos fiscais.
Lula, que tem defendido que gastos públicos são, na verdade, investimentos, também reforçou, ao discursar em evento do Dia do Trabalhador, promessa de campanha de forte impacto fiscal sobre aumentar, até o fim do seu mandato, a isenção do imposto de renda para trabalhadores que ganham até 5.000 reais, ante faixa de isenção de 2.824 reais hoje.
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