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Ingerência na Petrobras 'piora muito' olhar externo sobre Brasil, dizem analistas

Na sexta-feira (19/02), Bolsonaro comunicou através das redes sociais a decisão de substituir o atual presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, pelo general Joaquim Silva e Luna, hoje presidente da Itaipu Binacional - Isac Nóbrega/PR
Na sexta-feira (19/02), Bolsonaro comunicou através das redes sociais a decisão de substituir o atual presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, pelo general Joaquim Silva e Luna, hoje presidente da Itaipu Binacional Imagem: Isac Nóbrega/PR

23/02/2021 15h00

A troca súbita do presidente da Petrobras pelo presidente Jair Bolsonaro e as declarações sinalizando ingerências em outras estatais, como a Eletrobras, aumentaram o pessimismo em relação ao Brasil no exterior. Na avaliação de analistas consultados pela RFI, as divergências entre as ambições políticas do presidente e a linha pregada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, além das falhas na gestão da pandemia de coronavírus, contribuem para "piorar muito" o olhar externo sobre o país.

Wilber Colmerauer, sócio-fundador da consultoria de investimentos EM Funding, de Londres, conta que os investidores estrangeiros estão "preocupados, perdidos" desde sexta-feira, quando o anúncio da saída de Roberto Castello Branco, indicado por Guedes, foi feito de surpresa pelo presidente. No lugar, foi nomeado o general da reserva Joaquim Silva e Luna. A troca acontece num momento em que a alta dos preços da gasolina e do gás provocam desgaste político para Bolsonaro.

"Esse governo não tem sido muito bom em cumprir o que se propôs a fazer no início. Agora houve um processo extremamente danoso, na minha opinião, que vai ter repercussões muito além da Petrobras. Isso atinge diretamente a comunidade financeira", comenta.

A intromissão do presidente representa, para muitos, uma atitude populista e que assinala a "ruptura" com os ideais liberais pregados pelo ministro da Economia. "A gente tem toda uma leitura a respeito de empresas públicas que se alterou profundamente, e o presidente ainda ameaçou fazer mais mudanças ao longo dessa semana. Eu acho que piora e muito como os investidores verão a gente, porque não se trata especificamente da Petrobras. Tem a ver com que se pretende ou se deseja fazer", afirma o economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito, em São Paulo.

Blindagem da estatal pode ser contornada

Depois dos escândalos de corrupção na petrolífera, uma série de mudanças no estatuto da companhia foram adotadas para blindar a estatal de ingerência do governo, em especial na política de preços dos combustíveis. O Planalto pode contornar as regras e conceder subsídios e exonerações, por exemplo - mas é obrigado a reembolsar à estatal os prejuízos gerados pelas medidas. O problema é que, na situação atual das contas públicas, com o déficit em disparada para sustentar os gastos com a pandemia, o país entraria numa "tempestade perfeita", adverte o sócio-fundador da EM Funding, especialista em países emergentes.

"Para quem está fora, que é de onde eu vejo, existe uma preocupação muito grande. Governança é um item extremamente importante. Qual a segurança eu terei de investir dinheiro dos fundos de pensão, aqui fora, dos fundos de investimento ou soberanos, numa empresa grande e que tem um certo potencial, se você começa a colocar na frente os problemas políticos que existem", explica. "O Brasil fica mais difícil de entender", resume.

Falta de planejamento

André Perfeito diz que até compreende que o presidente queira combater a alta de mais de 10% do preço do gás de cozinha - com impacto no bolso de uma parcela imensa da população brasileira, em plena crise. Entretanto, avalia que a maneira improvisada como Bolsonaro agiu causa desconfiança sobre o futuro.

"Como a gente não sabe o que ele quer fazer, sim, essa crise vai demorar mais tempo. Já estamos tendo efeito no dólar, nos juros, que devem subir já na próxima reunião do Banco Central em março", adverte o economista-chefe da Necton. "O que estamos vendo agora é que talvez o tempo do ajuste não tenha mais respaldo no tempo da política. Será que dá tempo de ficar esperando todas as mudanças acontecerem para gerar alívio político pro presidente? A resposta é não. Então, agora a dúvida que todo mundo tem é se Paulo Guedes continua", observa.

Wilber Colmerauer frisa ainda que essas turbulências se somam a fatores que já aumentavam a desconfiança no exterior, como a política ambiental de Brasília e a ausência de um planejamento para combater a pandemia de coronavírus, no segundo país mais atingido pela Covid-19.

"É inevitável: eu acho que vai haver um novo rating, uma requalificação do Brasil, para pior, porque para indicar que o risco aumentou - e num momento em que o Brasil está frágil, por causa da gestão da pandemia. O fato é que a gente pode estar na beira de uma nova onda, que já começou mas não sei se termina ou se piora, e não estamos preparados para isso", ressalta. "A conjuntura é muito difícil."

Em 2020, os investidores internacionais retiraram quase R$ 32 bilhões aplicados na bolsa no Brasil.