Nova CLT completa um ano

Reforma trabalhista não cria empregos prometidos, e informalidade cresce

Mariana Bomfim Do UOL, em São Paulo FolhaPress

A mais profunda mudança nas leis trabalhistas desde a criação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em 1943, a reforma trabalhista completa um ano neste domingo (11). 

A nova legislação foi uma das principais agendas econômicas do presidente Michel Temer, que a batizou de "modernização trabalhista" e a defendeu como essencial para criar empregos.

Indicadores oficiais mostram, porém, que a reforma teve pouco impacto na geração de empregos e não conseguiu reduzir a informalidade do mercado de trabalho. Nesta reportagem, o UOL ouve especialistas e apresenta dados sobre os efeitos da nova CLT na vida do trabalhador.

FolhaPress
Valter Campanato/Agência Brasil

Governo prometeu 2 milhões de vagas; criou 298,3 mil até agora

Aprovada quando o país tinha 13,3 milhões de desempregados e uma taxa de desocupação de 12,8%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a nova lei foi vendida pelo governo como solução contra o desemprego e a informalidade.

Ao sancioná-la, Temer repetiu o que disse durante toda a tramitação da proposta: que a reforma era indispensável para a criação de empregos. O então ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, chegou a dar um número: 2 milhões de vagas em 2018 e 2019.

A julgar pelo balanço do primeiro ano de reforma, o país terá que pisar fundo no acelerador para conseguir cumprir a previsão do ex-ministro.

Desde que a reforma entrou em vigor, em novembro de 2017, até setembro deste ano, mês do dado mais recente, o país criou 298.312 vagas com carteira assinada, de acordo com o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério do Trabalho.

É um cenário muito melhor que o visto entre 2014 e 2017, quando o país perdeu milhões de empregos. Mas está muito aquém dos anos pré-crise econômica, quando o país chegou a abrir mais de 2 milhões de vagas com carteira por ano.

Saldo de vagas com carteira assinada*

Arte/UOL Arte/UOL
Bobby Fabisak/JC Imagem/Estadão Conteúdo

Só crescimento econômico gera emprego, dizem especialistas

Para o economista Hélio Zylberstajn, professor da USP (Universidade de São Paulo) e coordenador do Salariômetro, da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), não se criam empregos com mudanças na legislação trabalhista, e sim com crescimento econômico. As 298.312 vagas geradas desde a reforma, segundo ele, estariam ligadas ao aumento do PIB (Produto Interno Bruto), ainda que ele tenha sido baixo.

O governo usou a tese da criação de empregos porque queria aprovar a reforma, e esse discurso dava uma desculpa para os deputados votarem a favor dela. A reforma cria melhores condições de contratação, mas não cria vagas nem as formaliza.
Hélio Zylberstajn, professor da USP

José Dari Krein, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), também discorda da tese do governo. “Não dá para estabelecer nenhuma relação entre a reforma aprovada e a dinâmica do mercado de trabalho em 2018 do ponto de vista da geração de emprego.”

Ele afirmou que é necessário relativizar a leve queda na taxa de desemprego geral, divulgada pelo IBGE, que considera empregados com e sem carteira assinada. No trimestre encerrado em outubro de 2017, logo antes de a reforma entrar em vigor, a taxa era de 12,2%. No trimestre encerrado em setembro deste ano, era de 11,9%

A taxa de desocupação caiu, diz Krein, mas a taxa de subutilização da força de trabalho aumentou no mesmo período, de 23,8% para 24,2%. Isso mostra, de acordo com o economista, que há mais pessoas trabalhando pouco ou desistindo de procurar emprego, o que puxa a taxa total de desemprego para baixo.

Ele ainda destaca o crescimento no número de desalentados, como são chamados os trabalhadores que desistiram de procurar emprego. Eram 4,278 milhões antes da reforma; hoje, são 4,776 milhões, o que significa quase 500 mil pessoas a mais.

Os números do desemprego no Brasil

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Trabalhadores que desistiram de procurar emprego

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Qual a diferença entre os números do Caged e do IBGE?

  • Caged

    Divulgado mensalmente pelo Ministério do Trabalho, o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) se refere apenas a empregos com carteira assinada naquele mês. Os dados são repassados ao ministério pelas próprias empresas.

  • IBGE

    Dados também são divulgados mensalmente na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), mas são mais amplos e consideram períodos de três meses. Levam em conta toda a população com idade para trabalhar (acima de 14 anos), incluindo empregados com e sem carteira de trabalho, empregadores, trabalhadores por conta própria e pessoas que desistiram de procurar emprego, dentre outros. A pesquisa é feita por amostragem em cerca de 3.500 municípios.

Renato Ribeiro Silva/Futura Press/Estadão Conteúdo

Desemprego alto não é culpa da lei, diz especialista

Na época em que a reforma trabalhista estava em discussão no Congresso, o governo Temer e o relator da reforma na Câmara, o deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN), defenderam o papel da proposta como geradora de vagas, dizendo que o mercado de trabalho brasileiro era muito regulamentado. A "tutela excessiva" do Estado, diziam, prejudicava o mercado e dificultava as contratações.

Essa regulamentação seria reduzida com alguns pontos da reforma, como o que estabelece que acordos coletivos entre patrões e representantes dos trabalhadores podem se sobrepor às leis trabalhistas. 

Carlos Alberto Ramos, professor de economia da UnB (Universidade de Brasília), diz que é errado culpar as leis trabalhistas pelo desemprego alto.

Existem países com muita legislação e que geram muito emprego, como a Áustria e a Suíça, e outros com pouca legislação e muito emprego, como os Estados Unidos. Então, o problema não é se tem muita lei ou não, e sim se a lei é eficiente.
Carlos Alberto Ramos, professor da UnB

Eleições teriam interferido nos efeitos da reforma

Ainda é cedo para dizer se, nesse sentido, a nova CLT é eficiente, diz o economista. "Um ano é um prazo muito curto para avaliar uma mudança dessa extensão, ainda mais em uma situação macroeconômica desfavorável."

A "situação desfavorável" diz respeito tanto à crise econômica, da qual o país está saindo devagar, quanto às eleições deste ano.

"Era um contexto em que alguns candidatos diziam que iam alterar a reforma, e isso tem impacto no mercado de trabalho", diz.

Informalidade sobe e atinge 11,5 milhões de trabalhadores

Fábio Mott/Agência Estado

Outra grande promessa da reforma trabalhista era reduzir a informalidade, ou seja, os empregos sem carteira assinada.

Segundo os defensores da reforma, novas formas de contratação, como o trabalho intermitente (sem horário fixo, ganhando pelas horas trabalhadas), levariam as empresas a formalizar seus trabalhadores.

Passado um ano, o número de trabalhadores empregados sem carteira assinada aumentou de 10,979 milhões para 11,511 milhões, o que significa 532 mil pessoas a mais sem direitos trabalhistas.

Fábio Mott/Agência Estado

Empregados sem carteira assinada*

Arte/UOL Arte/UOL
Getty Images

A adesão às novas formas de contratação ainda é muito baixa. Do total de vagas geradas da reforma para cá, apenas 12% foram com contrato intermitente, por exemplo. E os números do Caged sugerem que quem conseguiu "formalizar o bico" não está conseguindo mais de um trabalho, como previam os apoiadores da reforma. Foram 35.930 contratos desse tipo desde novembro de 2017, mas só 693 trabalhadores firmaram mais de um contrato.

Zylberstajn, da USP, afirma que as novas modalidades tiveram efeito limitado porque refletem uma situação também limitada no mercado de trabalho. "O movimento sindical alardeou que o [contrato] intermitente era o fim do emprego, mas o que estamos vendo é que ele está sendo usado onde realmente é intermitente, para o pedreiro e o garçom, por exemplo", diz. "Ele formalizou o bico e resolveu um problema."

Ramos, da UnB, diz que o trabalho com contrato por hora é importante porque "a formalização de vínculos não tradicionais inclui no mercado de trabalho pessoas como estudantes ou uma mãe que quer trabalhar meio período", diz. "Nem todo vínculo não tradicional é precarização do mercado."

As 10 ocupações com mais contratos intermitentes desde o início da reforma

Arte/UOL Arte/UOL

Krein, da Unicamp, diz que "a reforma rebaixou o padrão do que era considerado trabalho formal para incluir modalidades precarizadas de contrato". Para ele, a reforma enfraqueceu o enfrentamento à informalidade.

Ela fragilizou as instituições públicas do trabalho e reduziu as possibilidades de punição às empresas que sonegam o registro dos funcionários.
José Dari Krein, professor da Unicamp

Citando dados apurados pelo seu grupo de estudos, ele diz que o número de processos trabalhistas movidos por empregados requerendo que as empresas assinem suas carteiras caiu 42% no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. Como a informalidade aumentou no mesmo período, na visão de Krein, os trabalhadores estão deixando de procurar a Justiça atrás dos seus direitos.

Sem punição, diz, as empresas têm menos incentivo para respeitar as leis trabalhistas.

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Ações da Justiça do Trabalho caem 36%

A redução no número de ações trabalhistas foi geral. Segundo o TST (Tribunal Superior do Trabalho), de janeiro a setembro deste ano, o número de novas ações na Justiça do Trabalho foi de 1.287.208, queda de 36% em relação ao mesmo período do ano passado (2.013.241). O TST desconsidera os meses de outubro e novembro de 2017 porque, como a reforma estava em vias de entrar em vigor, houve uma corrida à Justiça, distorcendo a estatística.

A principal mudança na CLT com impacto nas ações trabalhistas foi a possibilidade de, em uma ação, a parte perdedora arcar com os gastos envolvidos no processo, como a realização de perícia. Isso criou situações em que o trabalhador entrava na Justiça alegando ter direitos a receber, perdia o processo e era obrigado a pagar até mesmo os honorários do advogado da empresa que ele processou. 

Zylberstajn diz que a rigidez das novas regras gerou o impacto positivo mais visível da reforma trabalhista.

Não significa que o acesso à Justiça tenha sido negado, mas antes existia um uso irresponsável da Justiça do Trabalho, com o trabalhador entrando com ação mesmo sem ter direito só para ver se ganhava alguma coisa.
Hélio Zylberstajn, professor da USP

Krein afirma que essa mudança introduzida pela reforma criou dificuldades para o trabalhador acessar seus direitos.

O trabalhador que tem seus direitos desrespeitados acaba sendo inibido de reclamar na Justiça diante da possibilidade de pegar um juiz desfavorável a ele e ainda ter que pagar. O crime passou a compensar.
José Dari Krein, professor da Unicamp

A reforma trabalhista nos tribunais

Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Diversos pontos da reforma trabalhista foram alvo de questionamento dos tribunais superiores. Alguns já foram votados, outros ainda aguardam julgamento.

Uma decisão importante sobre a validade das novas leis foi tomada pelo TST em junho deste ano. A Corte decidiu que a reforma só vale para casos ocorridos após ela entrar em vigor, em 11 de novembro de 2017. Todas as situações ocorridas antes desta data devem ser julgadas à luz da legislação antiga.

No STF (Supremo Tribunal Federal) tramitam várias ações alegando que dispositivos da reforma são inconstitucionais. 

Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

O que o STF já decidiu

  • Fim da contribuição sindical obrigatória

    Em junho, o STF decidiu que os sindicatos não podem obrigar os empregados a terem o imposto sindical descontado do salário.

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  • Terceirização irrestrita

    A reforma regulamentou pontos da lei da terceirização. Em agosto, o STF decidiu que as empresas podem terceirizar qualquer ramo, incluindo sua atividade-fim.

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O que o STF ainda não julgou

Wikipedia

Pagamento de custos do processo pela parte perdedora

Ação da PGR (Procuradoria-Geral da República) questiona o pagamento de custas processuais por trabalhador beneficiado pela Justiça gratuita. Julgamento foi suspenso em maio.

Valor da indenização por dano moral

Questiona o cálculo da indenização por dano moral com base no salário do trabalhador. Esse dispositivo da reforma permite que empregados com salários diferentes recebam indenizações diferentes para um mesmo dano.

Shutterstock

Realização de atividade insalubre por grávidas e lactantes

Questiona ponto da reforma que permite que mulheres grávidas e que estão amamentando trabalhem em atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, exceto quando apresentarem atestado.

Mateus Bruxel/Folhapress

Criação da modalidade de trabalho intermitente

Ação diz que o contrato pago por hora contraria a CLT, precariza o trabalho e fere direitos fundamentais ao deixar o trabalhador à disposição da empresa sem receber por isso.

Fim do imposto sindical obrigatório afeta finanças das entidades

Tenho certeza de que o movimento sindical no Brasil vai se surpreender, porque o trabalhador terá consciência da importância do sindicato

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Ronaldo Nogueira, então ministro do Trabalho, em 11/11/17

Kelly Lima/Eder Content/UOL

O fim da obrigatoriedade do imposto sindical, já validado pelo STF, foi um dos principais pontos da reforma trabalhista. Antes, todo trabalhador pagava, no mês de março, o imposto equivalente a um dia de trabalho por ano. Agora, a nova lei diz que o desconto da contribuição no salário depende da "autorização prévia expressa" dos empregados.

Na época da discussão sobre a proposta, entidades afirmavam que, sem a contribuição, que era a principal fonte de financiamento dos sindicatos no país, as entidades ficariam enfraquecidas e com menos condições de representar os trabalhadores nas negociações com as empresas.

Passado um ano, Krein diz que esse enfraquecimento realmente aconteceu e, como prova disso, apontou que o número de acordos e convenções coletivas assinadas neste ano até setembro caiu 28,6% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com o Salariômetro, medido pela Fipe.

Sou contra o imposto obrigatório, mas não da forma que isso foi feito, asfixiando e fragilizando os sindicatos, que ficam incapazes de resistir ao interesse das empresas.
José Dari Krein, professor da Unicamp

Para Krein, a reforma deve fragmentar a representação dos trabalhadores e deixá-los mais vulneráveis.

Já o coordenador do Salariômetro, Zylberstajn, diz que a queda nos acordos se deve a outro fator. “Como é uma questão de vida ou morte para muitos sindicatos, a obrigatoriedade do imposto sindical vira moeda de troca na negociação”, diz. “Eles tentam colocar a obrigatoriedade nos acordos coletivos, a empresa fica em uma situação insegura, e a negociação trava.”

A saída para as entidades, diz, é ir às bases e convencer trabalhadores a se filiar.

Com o tempo, a tendência é termos menos sindicatos, mas mais fortes.
Hélio Zylberstajn, professor da USP

Quem foram os principais atores por trás da reforma?

Marcos Corrêa/PR

Michel Temer (MDB-SP)

Já falava em propor uma reforma antes do impeachment de Dilma Rousseff, no documento "Ponte para o Futuro", em 2015. Já presidente, Temer enviou uma proposta ao Congresso em dezembro de 2016.

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Alan Marques/ Folhapress

Ronaldo Nogueira (PTB-RS)

Foi ministro do Trabalho do início do governo Temer a dezembro de 2017 e apoiou a reforma. Deputado federal, concorreu à reeleição neste ano, mas perdeu.

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Agência Brasil

Rogério Marinho (PSDB-RN)

Relator da reforma na Câmara, o deputado federal ampliou a proposta do governo. Seu relatório alterou mais de cem artigos da CLT. Concorreu à reeleição neste ano, mas perdeu.

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Ueslei Marcelino/Reuters

Ricardo Ferraço (PSDB-ES)

Relator da reforma no Senado, aceitou acordo do governo para não alterar a proposta e, assim, evitou que o texto voltasse à Câmara. Concorreu à reeleição neste ano, mas perdeu.

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MP prometida por Temer para "amenizar" reforma perdeu validade

Durante a tramitação da proposta de reforma trabalhista, o governo Temer fez um acordo com o Senado para agilizar sua aprovação. Os senadores aprovariam o texto sem modificações, evitando que o texto tivesse que retornar à Câmara. Em troca, o governo se comprometeu a fazer as mudanças exigidas pelos senadores por meio de uma medida provisória (MP). 

A MP foi editada pelo governo uma semana depois de a reforma entrar em vigor, mas perdeu validade em abril deste ano. Ela chegou a receber 967 emendas. Precisava ser votada e aprovada pela Câmara e o Senado antes de ser sancionada pelo presidente, mas nem chegou a ser analisada pela comissão mista das duas Casas.

Sem a MP, pontos polêmicos da reforma trabalhista voltaram a valer integralmente. Por exemplo, grávidas podem trabalhar em locais insalubres e empresas podem demitir funcionários para, em seguida, contratá-los como intermitentes. Além disso, a contribuição previdenciária dos intermitentes ficou em um limbo, com a possibilidade de o trabalhar contribuir para o INSS e não ter o tempo de trabalho contado para a aposentadoria.

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