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REPORTAGEM

Produção da Netflix diz que Boeing não treinou pilotos para evitar quedas

O 737 Max foi suspenso em todo o mundo em 2019 após dois acidente, que mataram 346 pessoas - Getty Images
O 737 Max foi suspenso em todo o mundo em 2019 após dois acidente, que mataram 346 pessoas Imagem: Getty Images

Alexandre Saconi

Colaboração para o UOL, em São Paulo

20/03/2022 04h00

As quedas dos voos Lion Air 610, em outubro de 2018, e Ethiopian Airlines 302, em março do ano seguinte, mudaram para sempre a maneira como aviões são certificados nos Estados Unidos e mundo afora. Os dois acidentes, com cinco meses de intervalo entre eles e com o mesmo tipo de aeronave, acenderam um alerta na aviação mundial de que algo estava errado.

Em ambos os casos, os aviões no centro dos problemas eram do modelo 737 Max, da fabricante americana Boeing. Ele havia entrado em serviço no ano anterior, e, em tão pouco tempo, foi o responsável por 346 mortes. Pouco mais de três anos após a primeira queda do modelo, a Netflix lançou o documentário "Queda Livre: A Tragédia do Caso Boeing", que retrata problemas como falta de treinamento dos pilotos. A Boeing diz que prioriza a segurança (veja nota da empresa no fim deste texto).

Sistema polêmico

A produção da plataforma de streaming começa relatando os primeiros momentos após as quedas, e como os pilotos, que não estavam mais presentes para se defender, foram culpados pelas quedas. Entretanto, é revelado que os tripulantes não foram informados sobre o MCAS, um sistema novo no avião, principal suspeito de ser responsável pelos acidentes.

MCAS é a sigla para Maneuvering Characteristics Augmentation System, ou, Sistema de Aumento das Características de Manobra. De maneira simplificada, ele atua para evitar que o avião entre em situação de estol, ou seja, perca velocidade e sustentação e comece a cair.

Para isso, o sistema baixa o nariz da aeronave para um ângulo seguro, independente do acionamento dos pilotos. Ele é ativado automaticamente em situações como quando o piloto automático está desligado, quando a aeronave está com o nariz muito elevado ou quando está sendo realizada uma curva muito inclinada.

Lucro teria se tornado prioridade

O documentário afirma que a Boeing mudou sua postura nas décadas anteriores aos acidentes, passando a priorizar o lucro. Desde que a empresa absorveu a fabricante McDonnell Douglas, em 1997, uma mudança na cultura da companhia teria deixado de lado a busca pela qualidade máxima.

Diversas denúncias de irregularidades foram tratadas pelos entrevistados, entre elas, a de que a empresa acelerou o desenvolvimento do 737 Max para conseguir competir com o Airbus A320neo, que tinha sido anunciado em 2010.

Novos motores e falta de treinamento

A principal diferença do modelo frente aos seus antecessores é a inserção de novos motores, mais econômicos e que tornariam o Max capaz de competir com o concorrente da Airbus. Eles são maiores, e tiveram de ser reposicionados na asa mais para frente e para cima do que os outros, o que fazia o nariz do avião subir quando era acelerado.

Essa tendência a inclinar para cima poderia causar a perda de sustentação, por isso o MCAS baixava o nariz do avião de maneira considerada brusca. A empresa definiu que apenas um dos sensores que medem o ângulo de ataque, que é a inclinação do nariz do avião, seria utilizado para informar se o MCAS precisaria agir.

Se esse sensor falhasse, todo o sistema estaria prejudicado. Essas alterações, entretanto, iriam requerer treinamento dedicado dos pilotos, com passagem por simuladores, o que a empresa negava que fosse necessário à época.

Treino em simuladores costumam retirar os pilotos por alguns dias das escalas de voo, e ainda requerem que eles sejam levados para centros específicos onde esses equipamentos se encontram, gerando gastos com viagem e hospedagem, eventualmente. Isso, entretanto, é algo comum e necessário nesse mercado, sempre buscando garantir a segurança da operação.

Impactos do caso

Após ficar 20 meses sem voar, o modelo começou a ser liberado para voltar à operação aos poucos. Nem todos os países e empresas que operavam o modelo ainda autorizaram seu retorno.

Isso se deve à quebra de confiança dentro do setor aeronáutico, principalmente envolvendo a Boeing e a FAA (Federal Aviation Administration, órgão regulador similar à brasileira Anac - Agência Nacional de Aviação Civil).

Parte dos questionamentos se concentram em como um órgão regulador como a FAA permitiu que ocorresse a série de problemas que causou as quedas. Ao mesmo tempo, a Boeing teve sua imagem manchada por revelações de que não agiu da maneira correta, omitindo diversas informações relevantes no processo de certificação do avião.

Mudanças após as investigações

O documentário não retrata de maneira ampla quais as alterações foram feitas nos aviões e nos treinamentos após os acidentes. A FAA, por sua vez, emitiu uma lista com todas essas mudanças.

Entre elas, destacam-se:

  • Instalação de novo software de controle de voo
    O objetivo é evitar a ativação errônea do MCAS entre outras questões.
  • Atualização do software que exibe as informações aos pilotos na cabine de comando
    Com isso, se houver algum problema com os sensores do avião, ficará mais claro para os pilotos, que podem tomar a atitude correta para sanar o problema
  • Revisão e implementação de novos procedimentos no manual de voo do avião

A tripulação passa a ter uma nova orientação sobre como agir em caso de problemas com a aeronave durante o voo

Veja a nota da Boeing sobre o documentário:

"Sempre nos lembraremos das vidas perdidas nos voos 610 da Lion Air e 302 da Ethiopian Airlines. Desde o ocorrido, a Boeing passou por mudanças significativas como empresa, e no projeto do 737 MAX, para garantir que acidentes como esses nunca mais aconteçam.

A segurança é fundamental para o sucesso de nossa indústria, e tomamos medidas após cada acidente e incidente para sempre melhorá-la. E, nos últimos 50 anos, foi esta jornada de melhoria contínua que estabeleceu a aviação comercial como a forma mais segura de transporte do mundo.

Nós continuamos trabalhando com as agências reguladoras e nossos clientes para garantir a retomada da operação do 737 MAX em todo o mundo de forma contínua e segura. Desde dezembro de 2020, mais de 185 dentre 195 países aprovaram a retomada das operações com a aeronave. Mais de 35 companhias aéreas em todo o mundo já realizaram mais de 360 mil voos comerciais do 737 Max de forma segura - totalizando cerca de 900 mil horas de voo. E a confiabilidade da programação do avião está acima de 99%."