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Vale de R$ 600 é boa surpresa, mas não sei se basta, diz economista da USP

Ricardo Marchesan

Do UOL, em São Paulo

29/03/2020 04h00

O auxílio emergencial de R$ 600 para trabalhadores informais, aprovado pela Câmara na quinta-feira (26), é positivo, mas pode não ser suficiente para o Brasil manter o nível de atividade. O governo precisaria ser mais agressivo em medidas de apoio para minimizar o impacto da pandemia de coronavírus. Não é ajuda pequena, mas talvez precisasse de mais. Essa é a avaliação de Helio Zylberstajn, professor sênior da Faculdade de Economia da USP e coordenador do projeto Salariômetro, da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

"Eu não tenho certeza se isso vai ser suficiente. Provavelmente não. Se você olhar para os países, estão indo nessa direção. Eu me refiro aos Estados Unidos, me refiro à Inglaterra. Os governos estão sendo muito mais generosos lá porque a intenção é ajudar a economia a manter o nível de atividade", afirma.

A princípio, o governo anunciou que ia liberar um voucher no valor de R$ 200. Na quarta-feira (25), a equipe econômica admitiu ampliar o benefício para R$ 300, mas seguiu sem enviar nenhum projeto ao Congresso. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), resolveu dar andamento a um projeto de lei de 2017 que já estava na Câmara para garantir R$ 500. Após o anúncio de Maia, o presidente Bolsonaro disse que aceitaria subir o valor para R$ 600.

A previsão do governo é que o auxílio beneficie mais de 24 milhões de pessoas.e custe R$ 14,4 bilhões por mês aos cofres públicos.

Confira no texto abaixo ou no vídeo acima os principais trechos da entrevista com Helio Zylberstajn.

UOL: Como o senhor vê o pacote de medidas que o governo anunciou até agora para a economia?
Helio Zylberstajn: Eu acho que todos nós estamos agradavelmente surpresos pelo avanço nos valores que o governo está anunciando. Para quem anunciou inicialmente R$ 200 e foi lentamente aos R$ 300, no final das contas chegar a R$ 600 é uma coisa surpreendente do lado positivo.

Agora, eu não tenho certeza se isso vai ser suficiente. Provavelmente não. Se você olhar para os países que estão indo nessa direção -eu me refiro aos Estados Unidos, me refiro à Inglaterra-, os governos estão sendo muito mais generosos lá porque a intenção é ajudar a economia a manter o nível de atividade.

Eu não sei se essas medidas vão ser suficientes no Brasil para manter o nível de atividade. Não são pequenas. Elas não são pequenas. Elas são apreciáveis. Mas talvez a gente precisasse de alguma coisa a mais.

Quando o senhor diz "alguma a coisa a mais", tem algo específico em mente?
Não tenho, mas acho que a gente precisaria de um pouco mais de agressividade ainda.

Como o senhor avalia a atuação da equipe econômica nessa crise?
Eles ainda estão preocupados com a questão fiscal. E essa relutância em oferecer mais generosidade mostra isso. Apesar de a oferta ter sido surpreendente, ela poderia ser ter sido mais agressiva. O impacto teria sido maior.

Eu acho que, neste momento, ficar pensando em economizar, em manter o equilíbrio fiscal, pode custar muito caro. Muito mais caro do que uma medida mais generosa para ajudar a população.

O governo chegou a publicar uma medida provisória permitindo a suspensão dos salários por quatro meses, mas depois recuou e retirou a proposta. Como o senhor avalia aquela possibilidade?
A empresa, por decisão unilateral, podia suspender e não precisava indenizar ou compensar o trabalhador em nada, a não ser que ela quisesse.

Embora muitas empresas vão precisar fazer isso, uma decisão unilateral complica a coisa. Porque o jogo, na relação de emprego, não é equilibrado. A corda do trabalhador é sempre mais fraca do que a da empresa.

Uma das críticas foi que, neste momento em que as pessoas estão precisando ficar isoladas, elas perderiam a renda e seria mais complicado se isolarem, porque teriam que sair para procurar alguma renda, se tivessem o salário suspenso. É uma crítica que faz sentido?
Faz sentido e eu tenho a impressão de que nós vamos ver, a qualquer momento, medidas em uma direção contrária. O governo deve voltar com essa possibilidade da suspensão do contrato de trabalho, mas ela vai vir acompanhada de alguma compensação.

O próprio governo deve entrar com uma espécie de seguro-desemprego. A empresa deve pagar alguma coisa, e vai haver uma possibilidade, estou imaginando, não de suspender o contrato de trabalho, mas reduzir jornadas e salários.

Em 2015, o governo da ex-presidente Dilma Rousseff editou uma medida que visava a manutenção de emprego por meio da redução da jornada e do salário, mas com o governo bancando parte da perda de renda do trabalhador. Como o senhor avalia o que foi feito naquela época? Tem alguma lição que pôde ser aprendida com essa experiência?
Sim, sem dúvida. Naquela vez, o governo Dilma editou essa legislação que permitia, por negociação coletiva, que a empresa reduzisse a jornada e os salários. E o governo, com o dinheiro do seguro-desemprego, pagava para o trabalhador metade dessa redução de salário.

Era um jogo interessante em princípio, porque a empresa diminuía o seu custo, o trabalhador mantinha quase integralmente a sua renda e o governo economizava, porque ele ia gastar para repor uma parte da renda, mas não ia ter que gastar com o seguro-desemprego, porque a alternativa para a empresa seria demitir.

Não deu certo. De 2015 até hoje, apenas 217 acordos de redução de jornada e de trabalho usaram essa medida, que se chamava Programa de Proteção ao Emprego (PPE). 601 acordos foram feitos sem a ajuda do governo.

Por quê? Porque havia algumas exigências que não faziam sentido. Por exemplo: a empresa podia usar esse programa, desde que não tivesse demitido ninguém no ano anterior. Outra exigência: ela podia usar, desde que não estivesse inadimplente com o Fisco.

Ora, uma empresa que chega num ponto, na hora da recessão, de ter que demitir, é porque muito provavelmente já demitiu um pouco antes e, muito provavelmente, ela não está em dia com os impostos. Essa medida afastava quem mais precisava dessa assistência.

A lição que a gente tira é que essa nova medida provisória deve vir mais simples. Que ela simplesmente permita, independentemente de qualquer exigência, que a empresa e os empregados acertem pela negociação coletiva, seja suspensão, seja a redução da jornada. E o governo, nos dois casos, assistiria as duas partes, porque isso é do interesse de todos nós.

Então, o senhor acha que uma nova medida nesse sentido agora pelo governo Bolsonaro não poderia ter tantas exigências para que a empresa se enquadrasse?
Isso. É importante uma medida para dar base legal, muito forte, muito robusta, para essa negociação, que ela pode ser feita.

Hoje mesmo nós temos notícias de diversas empresas que reduziram jornada e reduziram salário, porque isso é permitido na Constituição. Não é proibido, desde que seja feita por negociação coletiva. Mas aí não tem nenhuma ajuda do governo.

Para que o governo ajude, é preciso que ele faça uma legislação, ampliando então a possibilidade dessa cooperação de três parceiros.

Faz sentido que o governo banque, ao menos em parte, como era no PPE, esse salário reduzido ou não é necessário que o governo entre com esse valor?
Faz todo sentido que o governo entre nesse jogo e inclusive apoie muito mais.

Veja o que está acontecendo na Inglaterra, que vai transferir para todos os trabalhadores até 2.500 libras para ajudá-los a sobreviver nessa hora tão difícil. Os Estados Unidos estão passando uma legislação em que o governo vai transferir US$ 1.000 para cada trabalhador americano.

Por quê? Porque nós estamos diante de uma hecatombe. Nós estamos sob a ameaça de uma paralisação da atividade econômica e, se o governo não amparar a renda das pessoas, elas não vão ter como gastar. Não tendo como gastar, as empresas não vão vender, as fábricas não vão produzir e a economia para.

É absolutamente necessário que o governo ajude de todas as maneiras. E nós estamos falando do trabalhador que tem carteira. Esse trabalhador, mesmo que seja demitido, o que é muito ruim, mas vai ter um aviso prévio, seguro-desemprego, multa do Fundo de Garantia, tem o 13º e as férias proporcionais. Ele não sai com uma mão na frente e outra atrás.

Dentro do que já foi discutido, nos últimos dias e semanas, há alguma medida que o senhor considera que poderia estar também em discussão e ainda não entrou no debate econômico, que pode ter algum efeito no emprego especificamente?
Para o emprego se ampliar, a gente precisa voltar a crescer. Neste momento não dá para pensar em voltar a crescer. Quem é que está investindo? Muito pouca gente.

O que a gente espera é que o governo ampare as empresas e os trabalhadores. Essas medidas de dilatação dos prazos para recolher impostos, para recolher o Fundo de Garantia, tudo isso vai fazer um pacote grande, além de ampliação e facilitação do acesso ao crédito para que as empresas possam rolar o seu dia a dia.

O governo tem que atacar em todas as frentes, tem que ajudar a sustentar a produção e a renda para que possa comprar a produção. E aí a gente volta a caminhar.

Setores do empresariado alertaram que essa parada total da economia deve gerar um efeito negativo que pode ser maior do que o da própria pandemia. Qual é a opinião do senhor sobre esse debate?
Eu acho que o governo está dando sinais de que vai mudar a estratégia. O pronunciamento do presidente (na terça-feira) já é um indício dessa mudança. Muitas pessoas estão aconselhando os governantes do mundo inteiro, não somos só no Brasil. O próprio (presidente dos EUA Donald) Trump fez um pronunciamento muito parecido. O Trump deu um prazo para voltar a engatar a marcha. Ele vai fazer uma coisa parecida.

O que é essa coisa? Em vez de um recolhimento horizontal, em que todos os cidadãos se recolhem em casa e, com isso, você interrompe ou retarda a transmissão do vírus, mas, também paralisa a economia, a ideia agora é um recolhimento vertical. Nós vamos pegar as pessoas de mais idade, as pessoas que têm doenças que comprometem a base da saúde delas. Essas pessoas não podem pegar esse vírus porque isso complicaria demais e poria em risco a vida delas.

Essas pessoas precisam ficar isoladas. Eu preciso ficar isolado. Eu tenho 74 anos. Sou diabético, sou hipertenso e, para piorar, ainda sou corintiano (rindo). Quer dizer, eu sou muito vulnerável ao vírus. Então eu estou recolhido aqui, quietinho em casa. Mas você está na flor da idade, pode sair na rua. Se pegar o vírus, muito provavelmente vai ficar um ou dois dias em casa e tudo bem. Está imune.

Então essa é a ideia: as pessoas que têm menos risco continuam trabalhando. A economia retoma. As lojas abrem, os bancos abrem, o transporte abre. Quem vai estar na rua é quem pode ter menos prejuízo para a saúde se pegar o vírus. E vamos recolher os mais indefesos, os mais vulneráveis. Parece que esse é um caminho, essa é a virada que o governo deve anunciar.

E o senhor acha que faz sentido essa virada?
Eu acho que é uma aposta. A popularidade do nosso presidente está caindo, e se a economia parar, vai ser uma tragédia, e a popularidade vai junto. Então ele precisa mudar esse jogo. Ele está meio que pagando para ver.

E é muito interessante que o Trump esteja numa posição muito parecida. Ele também tem queda na popularidade. A eleição está próxima. Fazer uma eleição com uma economia parada é um risco eleitoral muito grande, então ele também parece que vai pagar para ver. Tanto o Brasil quanto os Estados Unidos devem mudar a política e fazer o recolhimento vertical, e não horizontal, dos seus cidadãos.

O Reino Unido, no início do combate à pandemia, tinha optado justamente por essa posição de não parar tudo, manter do jeito que estava para que a população criasse imunidade e a economia não sofresse. Porém, mudaram a rota quando viram que estava crescendo o número de casos e, consequentemente, de mortes. Existe realmente essa separação entre saúde e economia?
O número de casos cresceu, mas eles provavelmente não isolaram os idosos e os doentes, então é um pouco diferente. Por exemplo, o ministro da Saúde de Israel tem anunciado essa ideia. Recolher os idosos e os doentes. Isolar essa parte da população, e o resto deixa pegar esse vírus. É como o H1N1. A maior parte das pessoas não tem problema nenhum com o H1N1, e com qualquer gripe.

De fato, você tem uma ligação muito grande entre economia e a pandemia. Se você recolhe todo mundo, é um desastre para a economia. Se você vai por esse outro caminho, pode não ser um desastre. Agora, se nesse outro caminho não conseguir preservar os idosos, aí está no pior dos mundos. E essa é a aposta que provavelmente vai ser feita.

Estamos neste momento de muita incerteza, mas, de alguma forma, é possível prever ou fazer qualquer tipo de estimativa de quão alto pode chegar o desemprego no Brasil dentro desse cenário?
Não dá para fazer essa previsão.

Como é a perspectiva de recuperação após essa crise? É possível prever se será longa, se vai demorar para voltar ao nível em que estávamos até ontem, pelo menos?
O que eu posso dizer é que já estava difícil recuperar sem a pandemia. Agora, com a pandemia fica muito mais difícil. Mas tudo pode acontecer. De repente, uma virada, o vírus para de contagiar os idosos. As taxas de morte pelo vírus desabam. A Bolsa sobe, o investimento volta, a confiança volta, a gente toca o barco. Esse é um cenário extremamente otimista, evidente. Mas ele pode acontecer muito bem. Vamos torcer para ele.

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