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Boia-fria dá lugar a operador de colhedora de cana que ganha até R$ 2,6 mil

André Cabette Fábio

Do UOL, em São Paulo

29/11/2013 06h00

Com a aproximação do fim da colheita manual da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo, que deve ser eliminada até 2017, o setor tem trocado os cortadores de cana, conhecidos como boias-frias, por operadores de colhedoras, como são chamadas as máquinas usadas na colheita.

Segundo a Unica (União das Indústrias da Cana-de-Açúcar) e o IEA (Instituto de Economia Agrícola), em 2007 havia 163 mil cortadores manuais, número que caiu para 70 mil neste ano em São Paulo, onde 85% da colheita de cana já é realizada por meio de máquinas. Em 2007, eram apenas 58,3%, afirma a Unica.

Não há estatísticas oficiais a respeito, mas alguns desses trabalhadores continuam no setor, na função de operador de colhedora, com melhores salários e benefícios.

No entanto, para o o presidente da Fetaesp (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo), Braz Albertini, o nível baixo de escolarização dos boias-frias e falhas em parte dos programas de capacitação profissional dão poucas opções de trabalho aos que perderam o emprego no campo.

Nascido em Tocantins, Edson da Silva, de 35 anos, trabalhou por quatro anos como cortador de cana em São Paulo, recebendo um salário mensal de cerca de R$ 1.000. Em 2009 foi treinado para operar tratores e colhedoras de cana-de-açúcar pela usina Iracema, de Iracemápolis (SP), que faz parte do Grupo São Martinho.

"O desgaste físico do serviço [de cortar cana manualmente] é muito alto. Hoje, com a tecnologia que temos, tem operador da usina que tem carro e diz que o conforto [da colhedora] é bem maior", afirma.

No início deste mês, o ex-boia-fria passou por um novo treinamento na usina, para aperfeiçoamento na condução da máquina.

Os operadores de colhedoras do Grupo São Martinho têm salário médio de R$ 2.640, e recebem benefícios previstos em lei.

Mais de 90 mil vagas são cortadas e destino dado a ex-boias-frias é criticado

O caso de Silva, que saiu da colheita manual para se tornar operador, não é, no entanto, a regra. No curso de formação e atualização para operadores do qual participou no início deste mês, dos 16 participantes apenas ele e um outro haviam trabalhado como boias-frias.

A Fetaesp não possui dados precisos sobre a quantidade de cortadores que foram capacitados e realocados pela indústria da cana. O número de postos de trabalho eliminados, porém, é estimado em 90 mil.

"A região de Ribeirão Preto [que concentra a produção de cana no interior paulista], não tem fruticultura ou leiteria [fazenda voltada à produção de leite], que usam mais mão de obra; só tem cana-de-açúcar", afirma o presidente da entidade, Braz Albertini.

"Sem o corte manual, o cidadão tem que ir para cidades grandes concorrer com uma massa assalariada com qualificação muito melhor do que a dele", diz. Segundo Albertini, na cidade os cortadores encontram trabalho em áreas como construção civil e aumentam a população de favelas.

Carlos Eduardo Fredo, pesquisador do IEA (Instituto de Economia Agrícola), critica o acordo fechado em 2007 entre as usinas e o governo para a eliminação do corte manual, por não tratar especificamente do destino dos ex-cortadores com o fim da profissão no Estado.

"O acordo se preocupa muito com a questão ambiental e o benefício econômico, com a exportação de um produto considerado sustentável; mas não há uma linha no documento que fale do problema social. Poderia haver um cronograma de capacitação dessas pessoas, com metas anuais", afirma.

Uso de máquinas no corte cria novas vagas, diz entidade

O diretor-executivo da Unica, Eduardo Leão de Sousa, afirma que a entidade capacitou 20 mil pessoas, entre boias-frias e suas famílias.

Além disso, segundo a Unica, apesar de uma colhedora substituir 80 trabalhadores do corte manual, cada uma cria de 20 a 25 vagas de operadores de colhedoras e motoristas de caminhões e tratores.

A entidade contabiliza a compra de 3.500 colhedoras, 7.000 tratores e 6.000 caminhões desde 2007 para viabilizar a mecanização em São Paulo.

Uma das principais fabricantes de máquinas agrícolas do país, a multinacional Case IH, afirma que já treinou 10 mil trabalhadores para operar colhedoras de cana nos últimos três anos, 50% deles em São Paulo.

Para aqueles que conseguem emprego como operadores, as condições de trabalho melhoram muito.

Uma colhedora modelo 8800 da Case, que custa R$ 800 mil, tem bancos com suspensão, sistema de GPS, ar-condicionado e frigobar, usado para manter a água gelada durante as jornadas na lavoura.

Acordo entre governo e usinas prevê fim da colheita manual até 2017

Segundo uma lei de 2002, a colheita manual e as queimadas nos canaviais --que facilitam o corte da cana com facão-- deveriam acabar em 2021 no Estado. Mas o processo foi acelerado com um acordo fechado em 2007 entre as usinas e as secretarias estaduais de Agricultura e de Meio Ambiente.

As usinas se comprometeram a acabar com a colheita manual em todas as áreas planas até 2014. Em áreas com desnível, o prazo é 2017. Produtores independentes das usinas, que respondem por 35% da produção do Estado, também devem acabar com a colheita manual até 2017.

"Pelo acordo, acaba a poluição e o uso da mão de obra intensiva, e os agricultores recebem o selo do governo provando que produzem de forma sustentável. Além disso, cai o custo com mão de obra e processos na Justiça [do Trabalho]", avalia Fredo, do IEA.

Além da poluição, o corte manual da cana já esteve associado, em determinados casos, a problemas como trabalho escravo e morte de trabalhadores.

Com mecanização, grupo agroindustrial aumenta produtividade em 20%

O Grupo São Martinho, que controla três usinas de cana e tem capacidade para moer 19 milhões de toneladas da planta, já tem 85,7% da colheita mecanizada. Ao todo, possui 124 colhedoras de cana, operadas por funcionários que se revezam em três turnos diários.

Segundo o gerente agrícola da usina Iracema, em Iracemápolis (SP), Ivan Dalri, com a mecanização, o grupo conseguiu aumentar em 20% a sua produtividade entre 2010 e 2013.

Filho de cortadores, José Carlos Fernandes, de 52 anos, tem acompanhado de perto todo o processo de transição. Ele começou a trabalhar na colheita manual aos 14 anos. Em 1995, mudou para função de operador de colhedora na usina Iracema.

"Um bom cortador tirava oito, nove toneladas por dia, mas o trabalho era terrível", afirma. Hoje, ele opera uma colhedora de cana da marca Case que retira de 500 a 700 toneladas por turno de trabalho, com duração de sete horas e vinte minutos.

De dez irmãos que trabalharam no corte manual, apenas José Carlos e mais um ficaram na agricultura, em funções técnicas. O resto foi para a cidade.

Operadores de colhedoras também vêm das cidades

Ao mesmo tempo em que cortadores migram para setores como construção civil nas cidades, há também trabalhadores que fazem o caminho inverso, ocupando as vagas que se abrem no campo com a busca por trabalhadores com maior qualificação.

Marina Honório de Oliveira, de 50 anos, já trabalhou como secretária, faxineira de uma floricultura e, por nove anos, como cozinheira na cidade de Iracemápolis. Em 2009, fez um curso para operar trator do qual ficara sabendo a partir de um anúncio num carro de som.

Há dois anos, ela começou a trabalhar como condutora de trator e, em novembro deste ano, foi uma das três mulheres a se formar como operadora de colhedora na usina Iracema.

"Todo mundo que dirige um trator quer vir para a colhedora. Minha qualidade de vida melhorou muito; hoje, não troco isso por nada e não me vejo trabalhando em lugar fechado, longe da natureza", diz.