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O que acontece quando se estoura a meta de inflação?

Ruth Costas

Da BBC Brasil em São Paulo

06/03/2015 11h06

Faz 16 anos que sempre que um índice de preços é divulgado, uma das primeiras perguntas que os analistas se fazem é: está dentro ou fora da meta?

A meta, no caso, refere-se ao nível "desejável" da inflação anual, definido com dois anos de antecedência pelo Conselho Monetário Nacional, ligado ao Banco Central.

Ainda estamos em março, mas já há certo consenso entre consultorias econômicas de que, pela primeira vez em 12 anos, em 2015 haverá um estouro do teto da meta de inflação - que para este ano é de 4,5% com dois pontos percentuais de tolerância, para cima e para baixo.

E o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), divulgado nesta sexta-feira (6) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), ajuda a confirmar essas expectativas.

Em fevereiro, a inflação ficou em 1,22% puxada pelas altas de 8,42% na gasolina, 7,24% nas mensalidades escolares e 3,14% na energia elétrica. A expectativa dos analistas era que ficasse em 1,08%.

Além disso, no acumulado de 12 meses a alta de preços chegou a 7,7% - maior índice desde maio de 2005.

Hoje, boa parte dos agentes do mercado espera uma inflação por volta de 7,5% em 2015 - e ainda é possível que isso seja revisto diante da alta de fevereiro.

Ou seja, as expectativas de que convirja para o "teto" da meta, de 6,5%, são quase nulas.

Foi o estabelecimento do sistema de metas de inflação que garantiu a estabilidade do real quando o sistema de câmbio fixo ruiu, no final dos anos 90. E esse sistema ainda é visto como um dos garantes dessa estabilidade.

Então, o que pode acontecer quando não se cumpre a meta?

Carta aberta

Thais Zara, economista-chefe da consultoria Rosemberg Associados, explica que a única consequência direta desse descumprimento é que o Banco Central tem de se explicar em uma carta aberta ao Ministro da Fazenda.

No documento, deve dizer por que a meta não foi cumprida, o que deverá fazer para assegurar que a inflação volte aos limites estabelecidos e em que prazo se espera que essas providências surtam efeito.

Em geral, a solução tem envolvido um aperto da política monetária, com alta dos juros – o que, para alguns economistas, em um cenário de estagnação como o atual, pode dificultar ainda mais a retomada do crescimento.

Também há certo consenso de que o não cumprimento da meta alimenta dúvidas sobre a capacidade do governo manter a inflação sob controle no médio prazo. "Além disso, essa é uma das variáveis que ajuda a deteriorar o ambiente econômico, inibindo investimentos", opina Zara.

“Ou seja, na prática não acontece nada. Mas não há como negar que há uma piora na percepção de risco país”, concorda Otto Nogami, professor do Insper.

'Realismo' de preços

O curioso, porém é que analistas e consultorias parecem ver no descumprimento da meta deste ano ao menos um dado positivo.

"É melhor descumprir a meta com as políticas corretas para promover um ajuste fiscal e realismo, ou transparência, nos preços do que cumprí-la com artimanhas, como no ano passado", diz a economista da Rosemberg Associados.

Zara se refere, principalmente, à represa de preços administrados para conter o índice. Muitos economistas acreditam que o governo segurou o reajuste de itens como energia, combustíveis e transporte para evitar uma aceleração da inflação em 2014 pelo fato de este ser um ano eleitoral.

Tal prática, segundo seus críticos, teria custado caro aos cofres públicos e, no caso dos combustíveis, também teria prejudicado as finanças da Petrobras.

De fato, foi a alta desses preços administrados que puxou a inflação neste início do ano. Só a gasolina, que subiu em função de um aumento de tributos sobre o produto, teve um impacto de 0,31 ponto percentual no IPCA, sendo responsável, sozinha, por um quarto do índice de fevereiro.

"No mercado já existe uma certa aceitação dessa inflação fora da meta como consequência de um realismo na política de preços administrados e também de uma mudança no câmbio - mercado que agora tem sofrido menos interferência", diz Antonio Carlos dos Santos, professor da PUC (Pontifícia Universidade Católica).

Para André Biancarelli, economista da Unicamp, a questão é que “diante das incertezas sobre a capacidade do governo aprovar seu ajuste fiscal no Congresso, saber se o Brasil terá uma inflação de 6,5% ou 7,5% tornou-se quase que o menor problema do país agora."

Histórico

Desde que o sistema de metas foi adotado, em 1999, o limite máximo para a inflação já foi ultrapassado três vezes.

Em 2001 a alta de preços ficou em 7,6% quando deveria ser 6%. Na época, o então presidente do BC, Armínio Fraga, justificou o descumprimento citando o contágio da crise argentina e os ataques de 11 de setembro.

Em 2002, ficou em 12,3%, quando o teto da meta era 5,5%. E em 2003 foi de 9.3% quando deveria ser, inicialmente, de 6,5%.

Na época, o BC de Henrique Meirelles criou uma meta extraordinária, ou “ajustada”, de 8,5%, argumentando que 2003 teria herdado os efeitos da inflação de 2002.

Biancarelli diz que, na ocasião, também houve uma certa aceitação para descumprimento da meta, uma vez que ela estava “convergendo” para valores mais baixos, após um período de turbulências políticas e no câmbio.

Para ele, o grande risco do aperto monetário que está sendo implementado para fazer a inflação convergir para mais perto da meta é que ele termine causando desemprego. “Mas ainda assim, hoje não há nenhum sistema eficiente no mundo alternativo ao sistema de metas de inflação”, diz ele.

Zara, da Rosemberg Associados, lembra que, nos EUA, o Banco Central tem um duplo mandato: deve manter os preços estáveis mas com o máximo nível de emprego possível.

Para alguns, esse modelo duplo permite mais flexibilidade no manejo da política monetária. Nogami e Santos, porém, acham que no Brasil isso não funcionaria.

“A diferença é que temos um histórico de hiperinflação, então não dá para arriscar”, diz o professor da PUC. “Aqui, ao se definir duas metas, poderiamos correr o risco de não alcançar nenhuma.”