O que são offshores? Entenda o PL que propõe a tributação

O Senado Federal aprovou na quarta-feira (29) o PL 4.173/2023, que muda o Imposto de Renda calculado sobre fundos de investimentos e também sobre a renda obtida no exterior por meio de empresas offshores. O projeto é de autoria da presidência da República, que estima arrecadar R$ 20,3 bilhões em 2024 e em R$ 54 bilhões até 2026. Entenda.

O que são offshores?

Offshores são empresas ou contas abertas fora do Brasil. O termo significa, na tradução literal, "fora da costa".

Esses países são, na maioria das vezes, paraísos fiscais. São territórios que possuem regras fiscais mais "flexíveis", com uma tributação muito baixa (inferior a 20%) ou mesmo inexistente. Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Cayman, Bermudas, Holanda, Suíça, Luxemburgo, Singapura e Emirados Árabes são alguns exemplos.

Segundo o Ministério da Fazenda, pessoas físicas têm hoje mais de R$ 1 trilhão (cerca de US$ 200 bilhões) em ativos no exterior. Em 2021, o Brasil era o quinto país com a maior quantidade de pessoas citadas pelo caso Pandora Papers. A investigação, conduzida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), continha 27,1 mil offshores em sua base de dados.

É importante ressaltar que abrir uma offshore não é crime. Eduardo Salusse, pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito em São Paulo, destaca que as offshores são como qualquer outro bem que precisa ser declarado — caso contrário, trata-se de ocultação de patrimônio por parte do contribuinte. O investimento precisa estar na Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (DCBE) e ser informado na Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF).

As offshores são constituídas, principalmente, por núcleos familiares. Do ponto de vista legal, podem ser utilizadas como forma de acessar investimentos que não existem no Brasil ou mesmo para a proteção do patrimônio daquela pessoa, que fica vulnerável às variações de câmbio e crises econômicas.

Por que o governo quer taxar as offshores?

O PL, que é de autoria da presidência da República, foi encaminhado ao Congresso em agosto. O governo alega que as offshores são ativos que praticamente "não sofrem tributação sobre suas rendas passivas, como juros e outros rendimentos financeiros".

Eduardo explica que para entender a situação, é necessário diferenciar pessoa física de pessoa jurídica. Por exemplo: o patrimônio da offshore é, via de regra, os investimentos feitos fora do país. Esses investimentos e aplicações serão tributados conforme a regra daquele território.

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A pessoa física, que está no Brasil, não é tributada aqui sobre os ganhos da sua offshore. Ele só paga imposto caso os rendimentos obtidos sejam transferidos para o Brasil.

Esta empresa vai pagar os impostos devidos conforme o país que está estabelecida. Os países, via de regra, são paraísos fiscais. Então essa empresa pode acumular durante cinco, dez, vinte anos, ganhos lá fora que não serão tributados. O que a lei quer fazer? Quer que a pessoa física pague o imposto correspondente a esses ganhos que a sua empresa tem no exterior, independentemente de a empresa distribuir dividendos ou não. [A lei] Quer antecipar, reconhecer esse ganho no Brasil e tributar. Por que ela quer fazer isso? Existe uma presunção ou percepção de que as empresas são meros veículos para que cidadãos brasileiros ou residentes efetuem investimentos.
Eduardo Salusse, pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV

Há exceções no projeto de lei. A tributação é sobre a renda passiva, como no caso citado acima. Isso porque há empresas abertas em outros países que exercem atividade econômica no território, ou seja, prestam algum serviço. Trata-se, neste caso, de uma renda ativa.

É diferente de uma empresa em que a pessoa pega toda a poupança, manda para lá e fica investindo no mercado financeiro, gerando renda passiva. É essa renda que eles querem pegar. Por que isso é importante? Eles entendem que se a pessoa tem uma empresa no exterior, ela pode a qualquer momento deliberar sobre a distribuição de dividendos. Há disponibilidade jurídica. Posso não ter o dinheiro, mas como tenho o controle, posso deliberar.
Eduardo Salusse, pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV

O que o governo propõe?

O governo fala em arrecadar até R$ 20 bilhões com o projeto. Se o PL for aprovado, os valores de rendimento estarão sujeitos à alíquota de 15%, estabelecida pelo relator, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ). Na primeira versão, enviada pelo governo, as alíquotas iam de 0 a 22,5%.

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A regra se aplicaria aos resultados a partir de 1º de janeiro de 2024. O projeto propõe que a tributação seja feita anualmente no dia 31 de dezembro.

Um dia depois da apresentação do projeto, em agosto, Lula falou sobre o tema. Na ocasião, o presidente da República abordou as mudanças propostas para o imposto de renda e citou o PL dos offshores. "Essas pessoas ganham muito dinheiro e não pagam nada de Imposto de Renda", disse na ocasião.

Eduardo pondera que, do ponto de vista de "justiça fiscal", o projeto faz sentido. É uma garantia de que o governo vai receber algo, ainda que seja "menos" do que o teto de tributação de 27,5%.

A proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados no final de outubro. Foram 323 votos a favor e 119 contra.

Alguns parlamentares foram contrários à proposta. Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) falou na ocasião que o projeto "pune quem atinge o sucesso e que quer investir nas oportunidades mundiais". Já Marcel van Hattem (Novo-RS) criticou a abrangência da tributação, destacando que a lei "prejudica" quem está aprendendo a investir.

Os deputados que foram favoráveis falaram em justiça fiscal e mencionaram a legislação em outros países. Chico Alencar (PSOL-RJ) falou sobre o Brasil estar atrasado em relação aos Estados Unidos, França e Alemanha e mencionou uma "inércia para privilegiar ricos". Erika Kokay (PT-DF) criticou quem ela chamou de "rentistas", que não teriam "relação com o mundo do trabalho".

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[A medida] garante que você receba, mesmo que menos. Há uma necessidade imediata de ajudar a gente a sair dessa crise e conseguir uma meta fiscal sem déficit. As projeções mostram que as contas estão difíceis. É uma crítica que a gente faz: a medida é saudável, mas eu diria que ela perde legitimidade no momento em que o Estado não faz a sua parte, não pensa na redução de despesas.
Eduardo Salusse, pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV

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