Nas últimas semanas, pegadinhas feitas em voos comerciais começaram a bombar na internet. O sucesso dessa prática, entretanto, vem gerando preocupação entre empresas aéreas e tripulantes.
Em uma dessas situações, foi enviado por meio do celular aos demais passageiros a bordo um anúncio de que, se gritassem o nome da empresa, receberiam bebidas grátis. Em outro momento, foi utilizada uma caixa de som bluetooth para anunciar a presença de famosos a bordo, como Gusttavo Lima e Wesley Safadão.
Em comum, além de ambas as situações serem mentirosas, há a preocupação de que os passageiros fiquem agitados ou nervosos com algo que não será concretizado. Em situações como essa, há o relato até de passageiros que não aceitavam que a proposta da bebida era mentira e foram grosseiros com a tripulação, causando uma uma situação delicada.
Pode dar cadeia: De acordo com os advogados Veridiana Fraga e Renato Franco de Campos, sócios do SFCB Advogados, que atua no ramo aeronáutico, essa prática pode até mesmo configurar crime, dependendo da gravidade da "pegadinha".
Se a prática expuser o avião a perigo, ou impedir sua navegação aérea, a pena prevista para esse tipo de crime é de dois a cinco anos. Para que isso ocorra, entretanto, a situação deve ser grave, afirmam os sócios do SFCB.
Na esfera civil, caso alguém não leve a trollagem na esportiva, é possível até mesmo que o passageiro seja indenizado. Isso pode ocorrer em situações de danos materiais e morais, e vai depender da extensão do prejuízo ou do sofrimento causado.
Em situações como essas pode haver atrasos, perda de conexão, gasto extra com combustível, além do pânico generalizado dependendo do tipo de pegadinha.
Trollagem gera remuneração: Os advogados ainda afirmam que pode haver uma disputa por audiência entre os influenciadores que querem realizar a prática em busca de audiência. Como eles são remunerados pelo conteúdo criado, essa prática pode acabar financiando ou estimulando atitudes como essa, gerando uma exploração econômica de algo que pode colocar os voos em risco.
Com a possível escalada de "brincadeiras" do gênero a bordo, outro tipo de situação pode ser simulada a bordo. Por exemplo, ao invés de anunciar a presença de uma celebridade, pode ser anunciada uma pane, como fogo a bordo.
Isso pode causar efeitos graves sobre as pessoas a bordo, como desmaios, pânico, descontrole total, entre outras ocorrências. Esses fatores se agravam em pessoas que têm medo de voar.
Os passageiros podem processar as empresas aéreas pelo tumulto, e ela pode acionar na Justiça o autor da brincadeira de mau gosto.
Empresas preocupadas: Embora os relatos de pegadinhas a bordo não sejam novidade, mais recentemente se tornaram mais preocupantes devido à proporção que elas tomaram.
Para Fernando Amaral, diretor de segurança operacional da Gol, do ponto de vista de segurança de voo, a escalada dessas práticas é preocupante. Isso se deve ao fato de que essas atitudes podem distrair os passageiros em momentos nos quais a atenção para a tripulação é necessária.
Um exemplo é o aviso de que o avião vai entrar em uma zona de turbulência. Os pilotos fazem o alerta pelo sistema sonoro (além da luz nos painéis sobre os assentos). Se os passageiros não conseguirem escutar esse aviso devido a outro som alto na cabine, podem acabar se machucando.
Dependendo do tipo de trollagem, também pode ocorrer um pânico a bordo. Até mesmo barulhos comuns do avião deixam pessoas que têm medo de voar mais tensas, e, como não dá para prever a intenção da pessoa que faz a pegadinha, não é possível saber as dimensões e consequências desse tipo de ato.
Amaral ainda afirma que essa prática já é alvo de discussões entre as empresas do setor e a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).
Em nota, a Latam também manifesta preocupação com esses casos à "medida que comunicações inadequadas podem gerar pânico a bordo, colocando em risco a segurança do voo".
"A companhia reforça que não utiliza esse tipo de ferramenta (Airdrop e similares) para se comunicar com seus clientes a bordo. Sua comunicação oficial durante o voo é feita por meio do aplicativo da companhia, o LATAM Play, ou speech da tripulação", afirma a empresa.
Sindicato apreensivo: O piloto Bruno Libio da Silva, diretor de segurança de voo do SNA (Sindicato Nacional dos Aeronautas), relata apreensão da categoria com esse tipo de prática.
"Você tem cerca de 200 pessoas confinadas em um local fechado e precisa conseguir gerenciar essa situação. Se os passageiros não acreditam nos tripulantes, a situação pode sair de controle", diz o piloto.
"Imagine uma 'pegadinha' falando que o avião está pegando fogo ou que vai cair. Com certeza haverá um pânico generalizado antes das equipes conseguirem contornar a situação", afirma Libio.
O diretor do SNA ainda explica que a questão da credibilidade da tripulação a bordo é fundamental para a segurança. "Quando você perde essa confiança no profissional da companhia aérea em um ambiente hostil como uma avião, fica muito difícil recupera-la depois", afirma o piloto.
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