IPCA
0,83 Mai.2024
Topo

Empreender é ouvir com sabedoria

Marco Roza

Colunista do UOL, em São Paulo

28/08/2013 06h00

Quem decide assumir os riscos de abrir e gerenciar um empreendimento muitas vezes se imagina como proprietário, dono, chefe e patrão. Sempre no comando. Sempre emitindo ordens, orientações e estratégias.

Todas essas nomenclaturas, que traduzem em parte a decisão de se tornar empresário, falharão se o empreendedor não souber ouvir o chamado do mercado para se tornar o líder que sua empresa (existente ou não) precisa para servir seus clientes.

O grande problema, segundo nos explica Leonard Sweet, no livro “Summoned to Lead”, que poderíamos traduzir como “Chamado a liderar”, é que as concepções clássicas de liderança, que assimilamos ao longo do último século, falharam.

Segundo o autor, sete de cada 10 norte-americanos não confiam nos principais executivos das grandes companhias. E oito de cada 10 acreditam que os principais líderes das grandes corporações adotam decisões que os beneficiam em detrimento dos ganhos dos acionistas, clientes e empregados das empresas que comandam.

A percepção clássica de liderança também é chamuscada pelos seguidos desastres que levaram à falência empresas como Enron, World.com e Arthur Andersen.

Além dos exemplos clássicos de grandes líderes políticos que caíram em descrédito após levarem seus países a guerras insensatas ou a crises econômicas que geraram recessão e desemprego.

A principal tese do livro de Leonard Sweet é que os líderes não nascem prontos e nem podem ser fabricados através de universidades ou de MBAs, considerados tops de linha.

Segundo o autor, nessas verdadeiras fábricas de novos executivos, o treinamento estimula, prioritariamente, a visão do empreendimento, como uma tradução para “planejamento estratégico”, que nem sempre convence e mobiliza os envolvidos na cadeia produtiva. Mas que ajuda a elevar quem assume o discurso de visionários ao status de “alpha líderes”.

Por isso, o autor é taxativo: “Líderes são chamados à existência pelas circunstâncias. Aqueles que ouvem o chamado das oportunidades é que se tornam líderes”.

E para ser chamado a existência, o líder é aquele (ou aquela) que ouve o chamado e se entrega, de corpo e alma, ao que as circunstâncias impõem. A partir de uma frase atribuída a Blaise Pascal: “O coração tem razões que a própria razão desconhece”, Leonard Sweet escreve que “os ouvidos têm razões que os olhos desconhecem”.

E afirma, com convicção, que “Liderar é uma arte acústica”. E lembra que para os antigos sumerianos “ouvir” e “sabedoria” tinham o mesmo significado.

Ouvir oportunidades

No Brasil, desde 1994, com a relativa estabilização do Real, as ruas comerciais, os shoppings, os aeroportos, assim como os museus, as clínicas médicas, os parques e hotéis se encheram de novos sons.

Ficamos expostos, gradativa e consistentemente, a vozes, expressões regionais e culturais, e a ruídos que antes eram confinados às favelas, aos rincões do interior do Nordeste, aos pampas e ao cerrado e aos bairros distantes dos centros.

Eram homens, mulheres, jovens e idosos que chegavam manifestando sua vontade de serem integrados ao consumo, aos prazeres de uma viagem oceânica, de gastarem apenas algumas horas de avião e não alguns dias de ônibus para reverem seus parentes.

Quem deu ouvidos a esse ruído incessante das camadas populares ajustou suas empresas, sabiamente, à nova música que chegava ao mercado consumidor e prosperou.

E hoje, acompanhamos as empresas que foram germinadas pelo esforço e dedicação de homens e mulheres que ouviram o chamado das ruas, de um novo Brasil em mutação constante. Parabéns. Mas a música continua. E como aproveitá-la?

Nova sinfonia

Na pressa de dançar de acordo com a música emanada desses consumidores emergentes muitos empreendedores se esqueceram de afinar seus ouvidos a novas vontades de uma clientela sempre ávida.

Esgotam-se, aos poucos, a vontade a qualquer crediário por aparelhos eletroeletrônicos, tablets, celulares, roupas consideradas de marca. A música, ainda discreta que emerge dos bolsos que aprenderam a gostar da sensação de consumo, é mais refinada.

Os pais não querem apenas os filhos nas escolas, querem perceber os resultados da Educação que consome grande parte do orçamento familiar. Quem compra um carro, não quer mais pagar dois através de financiamentos extorsivos. Quem sai da loja quer ter apoio ao longo da existência do produto.

Quem entra numa loja, na rua ou num shopping, quer ser ouvido com sinceridade e estabelecer um diálogo que o ajude a se decidir, de maneira imparcial, pelo produto ou serviço que contratará.

Os bolsos afinam aos poucos seus sons e uma nova sinfonia emerge. E quem ouvir seu chamado e se ajustar à nova sabedoria do mercado consumidor, muito provavelmente, se tornará a liderança dos novos empreendedores brasileiros.