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Imaginação, intuição e inspiração criativas

Marco Roza

Colunista do UOL, em São Paulo

18/12/2013 06h00

“No princípio criou Deus o céu e a terra”. Está na Bíblia Sagrada, em Gênesis, no primeiro versículo, do primeiro capítulo. E os que acham difícil acreditar que é possível criar um céu e uma terra, inteirinhos, do nada, é porque talvez lhes faltem também fé na própria inspiração, na intuição e na imaginação.

Qualidades com as quais aprendemos a lidar, apesar de serem invisíveis, quando decidimos tornar nossas vidas mais criativas. E decidir avançar para além do emprego e correr os riscos de criar uma empresa, uma escola ou uma tendência que possamos chamar de nossa.

Atividades criativas que nos elevam para estados de alma intangíveis que, ao se combinarem, nos ajudam a imitar, enquanto artistas, os milagres divinos, de recriar do quase nada beleza, funcionabilidade e emoção, com altas chances de se transformar em ganhos.

O empreendedor quando tem uma ideia criativa e surpreendente consegue mesmo criar do quase nada. Pois devemos ter sempre em mente que só Deus cria do nada. Mas mesmo para arrancar algo novo do quase nada devemos ter em mente que só o conseguiremos enquanto nos fizermos profundamente humanos.

É assim que foram dadas à luz obras de arte que resgatam almas dilaceradas, como Guernica, de Picasso. Ou versos que sugerem a própria transcendência, como os que lemos em “The Dry Salvages”, de T.S. Eliot:  “Mas vós sois a música/Enquanto a música perdura.”

Ou ainda quando oramos junto com John Coltrane, ao ouvir, mais uma vez, “A Love Supreme”.

Ao crermos, piamente, na inspiração, na intuição e na imaginação como condições essenciais para desenvolver e consolidar nossa criatividade, não estamos sós.

Temos o apoio documentado de Albert Einstein, quando ele diz que acredita na intuição e na inspiração.

"A imaginação é mais importante que o conhecimento. O conhecimento é limitado, enquanto a imaginação abraça o mundo inteiro, estimulando o progresso, dando à luz a evolução”, escreve Albert Einstein no livro “Sobre Religião Cósmica e Outras Opiniões e Aforismos”, publicado em 1931.

Antes que você se empolgue e se sinta um empreendedor artista e inovador, um alerta: é muito dificultoso assumir a própria criatividade. Por que? Porque desde o berço nos querem dependentes das organizações hierarquizadas.

Nos treinam para consumir nossas energias nas tarefas permutáveis por salários. Sequestram nossa alma ainda na infância e junto com ela levam embora nossa inspiração, intuição e imaginação.

Mas não desanimai-vos. É possível soprar essa brasa criativa que ainda pulsa em você. Insistir e buscar ajuda, por exemplo, do psicólogo junguiano James Hillman, que nos presenteia com reflexões de uso imediato em “O Código do Ser –Uma busca do caráter e da vocação pessoal”.

A obra nos mostra, com naturalidade, como sobrevivemos com a ajuda dos repetidos milagres cotidianos.

“Pois sem dúvida, morrer é fácil. Uma fração de segundo de desatenção e os planos mais bem elaborados por um ego forte vão por água abaixo. Alguma coisa me salva diariamente de rolar a escada, tropeçar no meio-fio, levar um encontrão”, escreveu James Hillman.

O autor também questionou "como é possível dirigir a toda numa estrada com o gravador tocando, a cabeça em outra, e continuar vivo?"

E afirmou, ainda, que em vez de acreditarmos nos milagres cotidianos responsáveis por prolongar nossas vidas por mais um dia, que preferimos “as apólices de seguro às garantias invisíveis da existência”.

Se morrer é fácil, conviver com o invisível é quase tão difícil quanto nos tornarmos criativos depois de décadas nas quais tivemos nossas almas sequestradas.

Porque a decisão de apostar nos nossos próprios milagres criativos nos obriga a lidar com qualidades que apesar de serem intrinsicamente nossas, são intangíveis, como a inspiração, a intuição e a imaginação.

Psicólogos como Hillman, especialmente por serem de formação junguiniana, reforçam o invisível que nos torna humanos. Nos aproximam das principais religiões do mundo que colocam Deus e Alá na mesma condição, como podemos ler no Sagrado Alcorão.

“Ele é o Primeiro e o Último; o Visível e o Invisível, e é Onisciente.”

Por isso, quando decidimos transformar nossa criatividade em novos empreendimentos convém que aprendamos a lidar com o “invisível em nós”, ao alcance de nossas pequeninas convicções, a exemplo da intuição, da inspiração e da imaginação.

Para sermos capazes de resgatar nossas almas, atingir nossa plenitude e ser responsáveis por nossos pequeninos milagres. Suficientes para sobrevivermos e, de quebra, criar do quase nada o poema que traduz uma vitória; o texto cadente que ousa confirmar corações condenados à paixão.

Ou desenvolver o produto ou serviço que será disputado por consumidores que ainda nem sabem que se trata de algo essencial para suas vidas.