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Aprovado e infeliz: por que passar em concurso nem sempre traz satisfação?

Getty Images
Imagem: Getty Images

25/10/2017 04h00

Amigos,

Estou criando uma comunidade de pessoas que participam do meu curso e interagem de forma amistosa e positiva, compartilhando desafios, soluções, dores e alegrias. Tenho certeza de que uma pessoa pode mudar o mundo e de que várias juntas são ainda mais exponencialmente poderosas.

Dentro desse propósito, tive a alegria de, nessa comunidade extraordinária em formação, recém-nascida ainda, ler essa mensagem:

“Estudo para concursos há 12 anos. Já aprovei em alguns e hoje sou servidora pública há 6 anos, com cargo estável de nível médio e um salário razoável. Eu sempre achei que depois disso seria feliz. Mas não. Nas atividades do meu cargo eu não encontro nenhuma realização pessoal, nenhum reconhecimento, nenhuma alegria, sinto que não há nenhum sentido em fazer aquelas atividades e todo o dia acordo odiando ter que ir pro trabalho que eu tanto me matei e me sacrifiquei durante anos para conseguir. Depois que me formei, continuo estudando para concursos, agora para nível superior, espero com toda a fé encontrar a tão sonhada realização profissional, poder ter aquela alegria que eu imagino que terei ao acordar de manhã e ir alegre para o trabalho, porque estarei fazendo algo para ajudar a sociedade, algo de bom para melhorar a vida das pessoas, enfim... O problema é que agora me sinto um pouco desmotivada, achando que vou me sacrificar outra vez durante mais uns bons anos da minha vida e no final vai acontecer a mesma coisa: vou passar, serei nomeada e, então, a realização pessoal e profissional que eu idealizei na minha cabeça, na realidade será outra coisa bem menos alegre e gratificante... Tenho esse receio e por isso meus estudos hoje não são tão focados como eram antigamente antes de eu ter o cargo público que tenho agora.”

Compartilho com vocês minha resposta para a amiga. Ei-la:

Colega,

Uau! Parabéns pelo seu sucesso! Você conseguiu o que é o sonho de milhões de pessoas, já parou para pensar nisso?

Ah, ok, você acabou de me dizer que não está feliz. Mas eu sei o motivo.

Você cometeu um erro dos grandes, mas não se culpe por isso: ele é extremamente comum, corriqueiro mesmo. Achou que seria feliz quando alcançasse algum lugar, algum resultado. E a felicidade não vem de um lugar aonde se chega, mas do jeito como se caminha.

O tema felicidade é um dos meus prediletos, e ainda bem que você já chegou a ele. Só mesmo ter passado no concurso (objetivo 1) permitiu que crescesse e descobrisse que precisa de um objetivo 2. O medo é que ao conseguir o objetivo 2 ainda não esteja feliz e precise do 3, do 4... sem nunca ser feliz, não é mesmo?

Vamos por partes, então.

Primeiro, parabéns pelo seu sucesso no objetivo 1, você é uma vencedora! Vamos comemorar isso!

Segundo, celebre o fato de que está evoluindo como pessoa, pois está enfrentando sua insatisfação e teve a coragem de verbalizar isso. Só por isso você já se livrou de uma série de doenças, acredite!

Terceiro, vamos falar sobre felicidade.

Um dos conceitos de felicidade diz que ela expressa o resultado de expectativa menos realidade. Você criou expectativas maiores do que devia e por isso se frustrou, colocou “carga” demais sobre uma ponte ótima (ser servidor), mas que não cuida de todos os “caminhões” que a vida pede que a gente carregue. Se você situar o que o concurso e o cargo público podem “transportar”, irá ficar muito mais satisfeita.

Outra questão é que nós, humanos, tendemos a “normalizar” as conquistas. Até conseguir, aquilo que sonhamos é tudo, mas às vezes já no minuto seguinte a coisa perdeu a graça. Um amigo meu, vítima do vício de comprar carros novos e caros, me confidenciou que cada novo automóvel que adquire dá a ele menos de um minuto de felicidade. No concurso, leva um pouco mais de tempo: até acostumarmos ao novo salário, até descobrirmos que não é um “mar de rosas”. Às vezes a pessoa passa a ganhar dez ou vinte vezes mais do que antes, mas em pouco tempo muda o padrão de consumo etc., e fica tão apertado de dinheiro quanto estava antes. Falta de inteligência financeira, anoto, mas algo que tem solução.

Você “normalizou” tudo de bom que o concurso lhe deu e nem consegue mais ver o quanto tem de privilégios merecidos e duramente conquistados!

Pior, você está cometendo o mesmo erro outra vez: acha que o concurso para o nível superior vai resolver seu problema. Não vai. Ou você vai conseguir ser feliz agora, ou  não será após essa nova conquista. Mas você pode ser feliz agora, eu sei disso.

Você é persistente, consegue fazer os sacrifícios necessários, já provou sua capacidade antes e tem meios materiais para conseguir o que sonha. Parabéns por isso. Comemore isso! Mas aprenda a lição: você precisa ser feliz agora.

Se quer o cargo novo só para ser feliz, pode ser que sua felicidade imediata a faça desistir do concurso. Se for assim, sem problema. Mas pode ser que, já sendo feliz, ainda queira galgar mais esse degrau. Se você já estiver feliz antes, ok, sem crise, vai fundo, guria! E será feliz do outro lado do rio porque já é feliz do lado de cá. Eu, como mentor, recomendo que gaste parte do seu tempo e de sua energia aprendendo uma das minhas matérias favoritas: “Felicidade”. Esta matéria está em Aristóteles (veja o livro Ética a Nicômaco), Tomás de Aquino, Agostinho, Epicuro etc. Mas vamos pensar nisso de forma simples.

Ao contrário do que diz uma lenda moderna, ninguém tem o “Direito de Ser Feliz”. Como já diz a Declaração de Independência dos Estados Unidos, com a qual concordo: “Consideramos estas verdades por si mesmas evidentes, que todos os homens são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo seu Criador certos Direitos inalienáveis, entre os quais se contam a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade”.

Você tem o direito de perseguir a felicidade. Ponto.

Espero que continue participando do workshop gratuito e que, se puder, também participe do curso completo. Nada obstante, desde já quero deixar algumas sugestões para você.

1) Entenda que por mais que uma atividade pareça idiota ou inútil, existe uma enorme probabilidade de, por haver um cargo e um pagamento, ela ser de alguma utilidade sim. Provavelmente ela faz parte da engrenagem, e um parafuso a menos pode fazer a máquina fundir. Aprenda a entender como funciona a máquina e descubra o valor da sua parte no processo.

2) Se após analisar o que faz chegar à conclusão de que é inútil ou idiota mesmo, cabe a você sugerir uma mudança que aproveite melhor os recursos públicos, a bem do país, da sociedade, do serviço público (e seu também!)

3) Dentro de uma visão mais completa e sábia, não existem funções menos importantes. Veja o que diz o livro de I Coríntios 12:14-24:

“O corpo não é composto de um só membro, mas de muitos. Se o pé disser: ‘Porque não sou mão, não pertenço ao corpo’, nem por isso deixa de fazer parte do corpo. E se o ouvido disser: ‘Porque não sou olho, não pertenço ao corpo’, nem por isso deixa de fazer parte do corpo. Se todo o corpo fosse olho, onde estaria a audição? Se todo o corpo fosse ouvido, onde estaria o olfato? Se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Assim, há muitos membros, mas um só corpo. O olho não pode dizer à mão: ‘Não preciso de você!’ Nem a cabeça pode dizer aos pés: ‘Não preciso de vocês!’ Pelo contrário, os membros do corpo que parecem mais fracos são indispensáveis, e os membros que pensamos serem menos honrosos, tratamos com especial honra. E os membros que em nós são indecorosos são tratados com decoro especial, enquanto os que em nós são decorosos não precisam ser tratados de maneira especial” (Observação: se seu chefe não sabe isso, é chato e triste, mas nem por isso deixa de ser a verdade).

4) Sua realização pessoal pode estar em vários lugares, entre os quais ganhar o dinheiro que precisa para pagar suas contas, se divertir e ser feliz com outras coisas. Só isso já é um motivo para ir alegre para o trabalho.

5) Sua realização pessoal passará por fazer diferença para aquela pessoa que, mesmo que não a veja diante de você, está precisando desesperadamente que o serviço público funcione. Uma pessoa que na maioria das vezes não tem nem um décimo de todas as coisas boas que você tem. Ao fazer isso, consegue mais uma das coisas que aspira: fazer algo para ajudar a sociedade.

6) Não dependa de aplauso ou reconhecimento. Você precisa ser autossustentável nisso: saber que faz seu melhor, que cumpre seu dever e “caminha a milha extra”, e pronto. Se alguém gostar, reconhecer e aplaudir, ótimo, mas “a recompensa por fazer o bem é ter feito o bem”.

7) Você pode querer cargos com mais capacidade de decisão, poder e influência, ou cujas atividades sejam mais parecidas com seus gostos, não há nenhum problema nisso. Mas enquanto não chega lá, seja grata e sirva bem no lugar que lhe dá a chance de ter condições de continuar estudando.

Vou copiar algo que disse para outro participante de nossa comunidade extraordinária:

Nos dias em que ser juiz me aquece, amo ser juiz; nos que não me aquecem, cumpro meu dever como tal, faço meu melhor e pronto.  Mas eu tenho uma blindagem emocional, e isso é relevante: nesses dias, aqueço minha alma com o ser pai, marido, militante do movimento negro, cristão... Ou às vezes aqueço o dia com uma boa mesa, bom vinho e amigos, rindo de nossas agruras, chorando juntos, rindo juntos, confraternizando com pessoas que aquecem meu coração. Em suma, criei tantos “oásis” que nunca poderei passar sede. O máximo que faço é usar outro poço.

Então, se você sente essa sensação de insatisfação, calma, colega, pois isto é parte da vida. Esses sentimentos são positivos, pois nos chamam à reflexão e à ação. Davi, Rei de Israel, só se tornou quem foi porque teve a oportunidade de enfrentar o gigante Golias. Eu celebro meus gigantes inevitáveis porque eles me tornarão um homem melhor! (E evito os gigantes evitáveis porque, afinal, já temos gigantes inevitáveis suficientes! Falo sobre isso no livro “Como vencer Gigantes”, que escrevi junto com Flavio Valvassoura e que foi publicado pela Editora Sextante, um livro que ficou 11 semanas na lista de mais vendidos).

Sugiro que procure descobrir dentro do que já faz algo que o motive. No meu pior dia como juiz, sei que posso fazer um processo andar e tornar a vida de alguém melhor, ou pelo menos entregar a decisão de que ele precisa para resolver sua vida, vencer, recorrer, desistir... o que for, mas que depende de um movimento da 4ª Vara Federal de Niterói. Então, no meu pior dia, quando nada mais me motiva, apenas quero não prejudicar ninguém, não punir outra pessoa porque não estou bem. E ajudar os outros aquece meu coração. Isso a gente é capaz de fazer em qualquer lugar, por pior que seja ele. No mínimo, recebemos as pessoas com um sorriso e atenção. Isso já é uma fortuna e um alívio consolador para muitos.

É muito bom querer fazer diferença no mundo. A maior parte das pessoas pensa que para isso é preciso ser gênio, presidente, bilionário ou famosíssimo. Não é. A gente pode fazer diferença no plano individual de alguém. Como diz o Talmude, “quem salva uma pessoa salva toda a humanidade” (vi no filme “A Lista de Schindler”, amei a ideia).

Aceite fazer diferença para uma única pessoa e você estará ajudando toda a humanidade. Aceite fazer para uma, isso já basta. Mais que isso: quando você aceita essas missões aparentemente pequenas, verá que irá cada vez mais aquecendo sua própria alma e atingindo mais pessoas. Eu comecei a ensinar a passar em concurso (depois a ter sucesso profissional, ou oratória), depois a melhorar relacionamentos etc. tudo no “um pra um”, e as coisas naturalmente foram acontecendo. Hoje há momentos em que falo em rede para mais de 100 mil pessoas... minha influência aumentou, mas tudo começou no “um pra um”. E, se continuasse no “um pra um”, eu, com a sabedoria que consegui adquirir ao longo desses 50 anos, sei que já seria fantástico.

Enfim, colega, você pode aquecer sua alma todos os dias, qualquer que seja o lugar em que estiver. Como diz Ted Roosevelt: “Faça o que pode, com o que tem, onde você está”. Se fizer isso, se tratar bem as pessoas, já estará fazendo diferença no mundo e deixando um legado.

Mas isso não impede que deseje mudar de espaço, crescer, conquistar. Claro que não. Se sua alma se aquece por alguma outra coisa, vá em frente. Nesse caso, aprenda a decidir se precisa mesmo “queimar seus navios” ou se pode compatibilizar os territórios já conquistados e os por conquistar.

Eu, por ter passado no concurso (gigante anterior, que escolhi enfrentar), consegui tempo e dinheiro para investir na minha editora, depois na minha preparação para a maratona. Se tivesse abandonado a magistratura não teria tantas condições de buscar essas outras conquistas. Fiz as duas coisas aprendendo a organizar meu tempo. Parte do dia era servidor público e no tempo livre ia me dedicando a construir meus novos oásis.

Agradeço por abrir seu coração comigo, espero ter ajudado ao compartilhar como processei e processo minhas insatisfações e o que aprendi ao longo de mais de trinta anos de serviço público. Está sendo um prazer conversar com você e tê-la nessa comunidade. Espero que um dia tenhamos o prazer de nos encontrar pessoalmente.

Peço que não perca a próxima aula e que chame as pessoas ao seu redor para assistir também. Se elas descobrirem o que têm de extraordinário dentro delas certamente isso vai tornar o ambiente melhor para elas... e para você também!

Receba um extraordinário abraço.

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