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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Não entenderemos de toda a tecnologia, mas precisamos entender de pessoas

Camilo Barros

24/03/2022 11h43

Nos últimos dias, as comunidades criativas e de inovação se reuniram presencialmente após longos dois anos para discutir o futuro no SXSW deste ano, que aconteceu semana passada, nos Estados Unidos.

Apesar de muito do que foi discutido de forma presencial nos levar a pensar em como viveremos digitalmente a partir de agora, o que fica como base de tudo é o nosso papel como humanos de assumir o protagonismo destas histórias.

Inclusive, fomos lembrados disto por Hugh Forrest, diretor do SXSW, ao dizer que não podíamos esquecer de que enquanto estávamos ali tinha uma guerra acontecendo lá fora sem o mínimo sentido —e o nosso papel seria discutirmos ali como podemos salvar o mundo, não como super-heróis dos nossos futuros utópicos, mas como agentes transformadores que somos.

A seguir listo os principais aprendizados e lições da última edição da SXSW:

É hora de rever os conceitos, ressignificar nossas ideologias e re-perceber o que se apresenta

Se pudermos resumir esse encontro em uma palavra eu elegeria "Repercepção". O termo apresentado e exercitado por Amy Webb é a grande palavra do festival e reflete em como podemos ver o mundo com novos olhos (e percebê-lo de forma diferente). Precisamos rever os conceitos, ressignificar nossas ideologias e re-perceber o que se apresenta.

Amy Webb nos exercitou sobre repercepção e talvez isso seja de fato o grande exercício que temos que fazer daqui em diante, lembrarmos de questionar nossas suposições de como tudo isso funciona, olhar os sinais fracos muito antes de serem tendências, sermos curiosos. "Precisamos praticar a repercepção todo dia". Assim nos tornamos agentes deste novo território repleto de novo repertório.

O repertório que temos que carregar para os próximos anos é brutal, tanto quanto foi a escalada aritmética do digital nos últimos anos, não somente acelerado pela pandemia, mas também pelo que vamos viver com a Web3, onde promete-se uma revolução de proporções ainda maiores que a revolução industrial.

Metaverso, web3 e as marcas

A Web3 é sobre transparência. A Web3 é sobre interoperabilidade e confiança. Se a Web1.0 era descoberta, a Web2.0 era social media, a Web3 é sobre descentralização em tudo aquilo que a compõe. A grande diferença é ser um membro, de preferência ativo, e não apenas um usuário. Ainda estamos vivendo uma fase de experimentação, mas a tendência de descentralização veio para ficar.

Entre diversas tecnologias que a compõem, começarei pelo metaverso, que imagino ser a grande dúvida da humanidade no momento atual. Metaverso, que nos parece certo que será de fato o novo mundo onde viveremos, mas não nos parece ser o que nos dizem que é hoje. O que ainda queremos entender é o que ele de fato será, e ainda não estamos preparados para isso.

Por exemplo, sempre questionamos "os donos da mídia" como é hoje, mas nenhuma discussão sobre esse novo universo nos tirava a pergunta de "quem regula esse novo universo?". Ou seja, será que, como pessoas, estamos preparados para isso ou precisamos reperceber as coisas?

O termo foi cunhado em 1992 por Neal Stephenson no seu livro Snow Crash, justamente onde ele descreve um futuro distópico dominado pela tecnologia, mas que minimizou o fato durante o seu talk no evento acreditando que estão banalizando o termo, e ninguém quer saber o que é o metaverso agora e sim onde ele estará daqui a alguns anos.

Neal passaria sem comentar a palavra mais usada no evento se não fosse uma pergunta da audiência preferindo focar em uma causa mais nobre como a crise climática e o nosso papel nela, base do seu novo livro "Termination Shock".

Metaverso busca que as pessoas estejam imersas nas histórias, e assim traz uma série de valores humanos. Os negócios na Web 3, sobretudo os realizados em metaverso, além de serem competentes, precisam ser éticos.

Ao invés de fornecer uma série de informações sobre seu produto, as pessoas querem que você gere uma conversa empática, crie uma relação verdadeira com elas, para que a troca seja também neste ambiente de cocriação. Algumas marcas têm saído na frente desta corrida, e além das tradicionais nativas digitais, Gucci, Adidas, Nike, entre outras, têm se destacado na integração entre o virtual e o real.

Como a Blockchain pode mudar o jogo dos influenciadores nas redes sociais

Outro termo é o Decentralized Social Blockchain (DeSo), protocolo aberto que o mundo inteiro pode construir de forma colaborativa, o que acreditamos que acabará criando ainda mais maneiras de desbloquear o verdadeiro potencial dos criadores e que trará competição e inovação de volta às mídias sociais.

Nos parece a salvação dos problemas atuais onde as próprias mídias sociais, através de pessoas, são agentes de um mundo posto em risco por polarização, disputas ideológicas alimentadas por fake news e desinformação. Hoje, o Facebook é a maior - e em alguns países a única - plataforma de mídia, e sabemos que ele não lida muito bem com a qualidade de suas informações.

Será o verdadeiro empoderamento do produtor de conteúdo, que terá cada vez mais plataformas, como Privacy, Patroen, Medium, para poder vender seu conteúdo diretamente ao usuário, ao invés de produzir conteúdo gratuito para que a plataforma seja a grande remunerada neste ecossistema, recompensando o criador com base no retorno de mídia.

Aliás, esse é o menor ponto de dúvida sobre a força do Facebook (ou Meta), neste novo modelo, pois é uma plataforma genuinamente de mídia.

DeFi e um sistema financeiro descentralizado

Nesta linha, mais um termo importante para o futuro é o DeFi, Decentralized Finance, ou seja um sistema financeiro descentralizado, que promete através disso dar aos seus membros mais poder e autonomia, utilizando-se de blockchain.

Não existe um centralizador destas operações, o que nos parece ótimo, mas já vemos casos onde as próprias criptos, moedas deste novo ambiente, sofrem influência de pessoas poderosas, utilizando as redes como são atualmente, por exemplo, Ellon Musk, que com um simples comentário no Twitter ou no Reddit pode colocar em colapso ou mesmo apenas beneficiar os seus seguidores no sistema financeiro.

Esse conceito de descentralizar nos traz outro tão importante quanto, a interoperabilidade, ou seja, a capacidade de transitarmos de um lugar ao outro neste ambiente misto de tecnologia e humanidade com a mesma identidade e carregando nossos assets, e também os nossos valores, afinal somos pessoas, como é sempre bom lembrar.

Os NFTs muito além da modinha do momento

Por fim, entre os principais termos da Web 3, mais uma buzzword, os NFTs - tokens não fungíveis, que são a digitalização e criação de identidade única de assets, não serão o que temos hoje, e também não serão artes, serão sim um dos principais modelos de receitas possíveis dentro do metaverso.

Hoje, existe uma bolha que comercializa jpegs e gifs superfaturados, mas estamos falando em modelos mais complexos, ou mesmo de um artista poder compartilhar o direito autoral da sua música a quem de forma autônoma o financiar, e apostar no seu sucesso por exemplo, correndo junto o risco.

Neste caso os fãs o farão para ter benefícios com seus ídolos, mas o modelo pode ir muito além do que isso, mas antes vai passar por uma provável banalização em massa ao estar disponível para compra no Instagram por exemplo.

Parece distópico não, como se estivéssemos vivendo um episódio de Black Mirror, mas não se assuste se isso tudo ainda não parece palatável para você.

O metaverso e as novas tecnologias são sobre colaboração e a tal da interoperabilidade, mas ainda é difícil acreditar neste modelo. As empresas não estão preocupadas com essa transição dos usuários entre os diversos universos e sim em construir os seus próprios.

Os grandes players da indústria de games saltam como os prováveis donos do metaverso como vemos hoje, mas isso não garante a descentralização do poder, apenas o recentraliza trocando de mãos entre os tecnocratas e os novos entrantes.

Um futuro que nem Black Mirror previu

Parece distópico não, como se estivéssemos vivendo um episódio de Black Mirror, mas não se assuste se isso tudo ainda não parece palatável para você.

Não há mais como ser um especialista, você precisa ser um bom entendedor, mas será difícil dominar todos os conceitos e logicamente não serão as salas de aulas convencionais que nos trarão essa sabedoria.

Nossos líderes também precisarão acompanhar essa evolução. A maior arma contra o autoritarismo será cibernética, mas, por outro lado, exercer liderança terá cada vez mais a ver com entender pessoas e não somente entender do seu negócio e dominar as tecnologias. O bom líder é aquele que tem as perguntas certas e não somente as respostas. "As pessoas que entendem as pessoas sempre vencem", como frisou Rohit Bhargava.

Como pessoas, tememos tanta tecnologia, e ao saber que não há mais nenhum canto escuro, estamos preocupados em nos proteger contra o reconhecimento facial, bobagem, já estamos próximos de sermos reconhecidos pelo nosso batimento cardíaco ou mesmo pela respiração, e você tem contribuído assiduamente com isso através daquele seu smartwatch, que facilita demais a sua vida, por exemplo.

Isso é de certa forma colaboração, mas como você pode participar deste negócio, sendo remunerado por isso? Se já não temos mais como controlar o acesso aos nossos dados, ganhar dinheiro com eles nos parece justo.

"Não estou pedindo para vocês estarem prontos para tudo. Estou pedindo para vocês estarem prontos para qualquer coisa, especialmente se desafiar suas crenças mais profundas. Eu preciso que vocês comecem", diz Amy Webb.