Opinião

RS: Inflação e PIB já serão afetados em 2024, além de prejuízos duradouros

As águas que agora inundam as ruas e lares do Rio Grande do Sul não apenas deixam um rastro de destruição física e emocional, mas também lançam uma sombra sobre a economia e o desenvolvimento econômico da região. Enquanto os esforços de socorro se concentram em resgatar vidas e restaurar as condições básicas de sobrevivência para quase 2 milhões de brasileiros, os impactos econômicos começam a emergir, ainda que de forma pouco quantificada, revelando uma teia complexa de desafios que se desenrolará nas semanas e meses seguintes. Não se nega a importância destes efeitos sobre a inflação, e até mesmo sobre o PIB brasileiro em 2024, muito embora já se mencionem impactos ainda mais duradouros.

O Rio Grande do Sul é um importante estado para o país, responsável por quase 6% do PIB nacional (dados de 2023) e por aproximadamente 24% do PIB agro brasileiro, sendo suas principais culturas soja, arroz, trigo e milho, além de proteínas (frango, bovinos e suínos). As perspectivas de crescimento para o setor em 2024 eram, antes de tais acontecimentos, bem promissoras: o IBGE indicava perspectivas de avanço da produção de cereais, leguminosas e oleaginosas de quase 50% frente a 2023. Este resultado faria com que a produção do estado atingisse proporção bem mais arrojada.

No entanto, hoje, a realidade é infelizmente muito diferente: parte significativa da produção de 2024 se perdeu em meio às águas, especialmente arroz, milho e soja. Possivelmente, uma parcela que já havia sido colhida, mas não encaminhada aos seus destinos e não poderá ser integralmente aproveitada, especialmente por conta da ausência de infraestrutura adequada neste momento para escoamento. São perdas diretas de produção que podem chegar a impressionantes 6 milhões de toneladas perdidas.

O mesmo cenário de perdas aconteceu com as proteínas animais, em um cenário de aniquilação dos rebanhos jamais vista, cuja cifra pode chegar (ou até mesmo superar, segundo consultorias) a casa dos R$100 milhões.

Os efeitos na indústria também são relevantes. Fábricas foram inundadas, equipamentos danificados e estoques perdidos, resultando em perdas financeiras substanciais. Empresas que dependem de fornecedores e parceiros na região agora enfrentam a incerteza de prazos de entrega e disponibilidade de matéria-prima, o que pode levar a atrasos na produção e perda de contratos.

O setor varejista também enfrenta diversas incertezas, que geram dúvidas tanto sobre a disponibilidade de fornecedores quanto sobre a demanda por produtos. A estes resultados somam-se as perdas do turismo, atividade central e principal fonte de receita para muitas cidades da região, que sofre novo revés prejudicando negócios locais, como hotéis e restaurantes. No desdobramento de tais impactos, não deverá nos espantar um retrocesso no mercado de trabalho nesta região, levando a reduções nos níveis de renda e demanda, com pioras em indicadores socioeconômicos.

Todos os efeitos desenham uma inequívoca redução dos níveis de atividade econômica, personificada no quase inquestionável recuo do PIB do estado neste ano, com impactos também negativos sobre o PIB nacional. A Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS) estima que cerca de 95% da atividade econômica deve ter sido afetada pelas enchentes, com prejuízos ainda não calculados, mas certamente muito significativos. Mas este não é o único desdobramento econômico que a situação nos aponta.

Os indicadores de inflação devem, muito em breve, refletir parte dos efeitos desta tragédia, com menor oferta de alimentos in natura, como cebola e batata, proteínas de forma generalizada (com especial atenção a frango e suínos), e grãos como arroz, feijão, soja e milho. A redução da oferta desses produtos deverá impactar os índices de preços, tanto ao produtor quanto ao consumidor, dada a importância da produção do estado, encarecendo a alimentação do brasileiro de forma generalizada no país.

Além disso, à medida que as águas recuam e a limpeza e reconstrução começam, os custos financeiros continuam a se acumular cada vez mais, tornando evidentes os desafios (sobretudo econômicos) que estão por vir ao longo do tempo.

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O governo local enfrenta um ônus significativo para reparar infraestruturas danificadas, fornecer assistência humanitária e implementar medidas que mitiguem novos desastres. Recentemente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um pacote de auxílio da ordem de aproximados R$ 50 bilhões em socorro à região. Novos auxílios poderão ser considerados, a depender da evolução e da extensão deste cenário. Assim, a necessidade de medidas emergenciais, aliadas a ações planejadas de reconstrução e prevenção a novos desastres, já pressionam o orçamento, sobretudo federal. Essa despesa adicional, somada a redução da arrecadação, sobrecarrega os recursos já escassos, culminando numa pressão fiscal ainda mais acentuada. E ainda que não seja essa calamidade a responsável pelo provável (e indesejável) distanciamento dos resultados fiscais de 2024 em relação às metas estabelecidas, ela ajudará a aumentar tal distância.

Os impactos fiscais poderão, inclusive, ultrapassar as barreiras de 2024, causando marcas mais duradouras nos orçamentos públicos. A reconstrução das cidades e de suas estruturas produtivas possivelmente serão lentas, e exigirão auxílios consecutivos por parte da União, conta esta ainda não provisionada nos cálculos dos resultados fiscais dos próximos anos.

Não é, portanto, de se estranhar que não nos faltem dúvidas sobre como este cenário de fato se delimita ao longo dos próximos meses. Enquanto o Rio Grande do Sul luta para superar essa tragédia e se reerguer, é evidente que os impactos econômicos serão significativos. A resiliência do estado será testada não apenas na reconstrução física, mas também na capacidade de se adaptar e se recuperar diante dos desafios econômicos iminentes, e na disposição de enfrentar os custos que estão por vir. Afinal, reconstruções, independente de sua natureza, são sempre custosas.

*Juliana Inhasz é coordenadora da graduação em Economia no Insper; professora de Macroeconomia e Macroeconometria.

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