Siga nas redes
Reportagem

Casal vítima de escravidão em SP espera indenização há 16 meses: 'Difícil'

O caso dos costureiros bolivianos, Briyan Vargas e Gabriela Chura, libertados do trabalho escravo em uma oficina da capital paulista em setembro de 2020, foi "um dos mais sérios" presenciados por Renato Bignami, auditor fiscal do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) tarimbado nesse tipo de operação.

"Tinha ameaça, tinha privação de alimentação. A Gabriela estava grávida de quase nove meses e a criança nasceu no meio do resgate", relata Bignami. A confecção precária, onde o casal morava com outras três filhas e produzia roupas em turnos de 16 horas diárias, prestava serviço para a Program, uma conhecida marca de roupas "plus size".

Acompanhada pela equipe do Profissão Repórter, da TV Globo, a história gerou comoção e teve ampla repercussão nas redes sociais. Passados três anos, no entanto, o casal ainda não viu um centavo do dinheiro a que tem direito — mesmo com decisões judiciais em duas instâncias a seu favor.

Somados, Briyan e Gabriela têm a receber cerca de R$ 260 mil entre verbas rescisórias e indenizações. Porém, desde março do ano passado, o pagamento está pendente de autorização da 10ª Vara do Trabalho, em São Paulo.

"A minha esposa já perdeu a esperança de que a gente vai receber. Eu digo para ela que temos que ser pacientes, mas é difícil", diz Briyan, em entrevista à coluna.

Pagamento antecipado

O processo trabalhista movido pela DPU (Defensoria Pública da União) contra a Anfa Indústria e Comércio, responsável pela marca Program, "andou até relativamente rápido", analisa o defensor João Dorini. No processo, ele representa o casal de costureiros e uma terceira trabalhadora também resgatada que voltou para a Bolívia.

"A defesa da empresa sempre usou a tese de que ela não tinha responsabilidade, porque terceirizava a contratação de uma oficina de costura. Então, seria essa oficina a responsável pelas violações", complementa o defensor.

O argumento, porém, não convenceu a Justiça. Um ano e meio após a fiscalização, já havia decisão em segunda instância do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) de São Paulo confirmando a condenação em primeiro grau da empresa. A Justiça entendeu que a confecção estava sob controle total da Anfa e que a terceirização era, na realidade, uma fraude — para cortar custos.

Continua após a publicidade

Além disso, pelo fato de o casal se encontrar em situação de extrema vulnerabilidade financeira, o TRT também determinou a execução antecipada do pagamento a Briyan e Gabriela, antes do chamado "trânsito em julgado" — o fim propriamente dito do processo.

Só que a determinação para que a Program deposite os recursos na conta do casal já se arrasta há 16 meses na 10ª Vara do Trabalho. "O que falta para isso acontecer? Somente um despacho da Vara falando: 'pague'", resume Dorini.

Em outras palavras, a mesma Justiça que já garantiu ao casal o direito do pagamento antecipado ainda não fez valer a própria decisão, passados três anos do resgate do casal de costureiros pelos auditores fiscais.

A coluna tentou contato com a Anfa, mas não obteve retorno até o fechamento do texto. A matéria será atualizada, caso a companhia se manifeste.

Reclamação no CNJ

No fim do mês passado, a DPU ingressou no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão responsável por apurar e punir eventuais falhas de magistrados e servidores, com uma "representação por excesso de prazo" contra a 10ª Vara do Trabalho.

Continua após a publicidade

A assessoria de comunicação do CNJ afirmou que a análise está em andamento e que uma providência poderá ser tomada, "se verificada pela prova dos autos a existência de grave atraso ou de grande acúmulo de processos".

Já a assessoria de imprensa do TRT-SP informou, por meio de nota, que "os cálculos [dos valores a receber pelo casal] foram enviados para análise" e que "as tabelas serão juntadas pelo calculista para aprovação ou não do juízo". Segundo a nota, ainda nesta semana "deveremos saber se os cálculos foram homologados ou não".

Dificuldades

Depois da operação do Ministério do Trabalho, Briyan afirma ter tentado, sem sucesso, "arrumar um emprego com carteira assinada".

Com o dinheiro de doações e do seguro-desemprego recebido após o resgate, ele e a esposa compraram duas máquinas de costura. Agora, trabalham por conta própria, costurando peças de roupas em jornadas superiores a 12 horas por dia.

Questionado sobre o que faria com o recurso da indenização, ele afirma que a ideia é comprar uma casa, "para ficarmos mais tranquilos".

Continua após a publicidade

Ameaçado de despejo no mês passado, ele, a esposa e as quatro filhas deixaram o local onde residiam e se mudaram para o bairro do Limão, na zona norte da capital paulista. O aluguel custa R$ 1.400 ao mês.

"O que ganhamos só dá para isso [o aluguel]. Temos o Bolsa Família também, que ajuda com a comida. Mas às vezes não é suficiente", diz.

Na opinião do auditor fiscal Renato Bignami, a família de Briyan e Gabriel foi duplamente atingida. "A primeira, por não termos sido capazes de prevenir adequadamente o caso de violência. A segunda, por não conseguirmos repará-lo tempestivamente, deixando a família desamparada, necessitada e ainda mais vulnerabilizada. A Justiça do Trabalho, quando tarda, deixa de ser justa e não cumpre seu papel de pacificadora social", finaliza.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes