INSS: para encurtar fila, análise de benefício ignora acidentes de trabalho
O INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) está deixando de usar uma ferramenta, prevista em lei, que vincula a concessão de benefícios por incapacidade temporária aos acidentes de trabalho.
Na prática, isso pode mascarar as estatísticas sobre o real número de acidentes no país e reduzir a estabilidade no emprego de trabalhadores com doenças ocupacionais, segundo fontes ouvidas pela coluna.
Outro risco é a redução do valor recolhido à Previdência por empresas que recorrentemente geram problemas de saúde a seus empregados, impactando nas contas públicas.
O que aconteceu?
Numa tentativa de agilizar a análise de pedidos e reduzir as filas do INSS, o governo criou em julho do ano passado o Atestmed.
Desde então, para solicitar o benefício por incapacidade temporária (o antigo auxílio-doença), o segurado envia documentos e atestados médicos por meio do aplicativo Meu INSS, sem a necessidade de passar por uma perícia presencial.
No entanto, a análise documental do Atestmed ainda não leva em conta o NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário), ferramenta que permite avaliar se o problema de saúde desenvolvido por uma pessoa tem relação direta com seu trabalho.
Instituído pela Lei 11.430 de 2006, o NTEP cruza os dados de atividades econômicas com a Classificação Internacional de Doenças (CID), auxiliando a análise feita por peritos para a concessão de benefícios.
Por meio do NTEP, é possível saber, por exemplo, que funcionários de frigoríficos têm excesso de risco para lesões por esforço repetitivo, por realizarem movimentos frenéticos na desossa de animais. Quando um empregado de um abatedouro apresenta esse tipo de doença, a comprovação do nexo com o trabalho é automática.
Em nota, a assessoria de imprensa do Ministério da Previdência Social afirmou que a adoção do NTEP "ainda depende de ajustes sistêmicos com a Dataprev [empresa estatal de tecnologia da informação] para sua utilização na análise documental".
Desvantagens para o segurado
Ao não reconhecer a relação com o trabalho, o INSS deixa de conceder o benefício chamado de "acidentário" e aprova apenas o "previdenciário".
A nota do Ministério da Previdência afirma que não há diferença de valor entre os dois tipos de benefício. Porém, há pelo menos duas desvantagens para os segurados que não recebem o acidentário, segundo Rômulo Saraiva, advogado especialista em Previdência e colunista do jornal Folha de S. Paulo.
O primeiro é a perda da estabilidade de doze meses garantida a quem retorna à empresa depois de uma doença causada pela atividade profissional. Já o segundo diz respeito a uma eventual transformação da incapacidade temporária em uma aposentadoria por invalidez. Nesse caso, o valor do benefício sem relação com trabalho é inferior ao do que tem relação com o trabalho.
"Inicialmente, não tem diferenciação financeira", explica Saraiva. "Mas quando a pessoa vem fazendo tratamento médico, um ano, dois anos, três anos e não melhora, aí o INSS para de pagar auxílio doença e transforma em aposentadoria. Quando acontece isso, o cálculo vem em prejuízo [do segurado]", complementa.
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Atualmente, as empresas que geram acidentes com mais frequência são obrigadas a pagar um percentual variável sobre a folha de salários, além da contribuição ao INSS.
A ideia é penalizar os empregadores campeões em acidentes e levantar recursos para custear benefícios e aposentadorias especiais decorrentes desses problemas.
Na avaliação de Maria Maeno, médica especializada em saúde e segurança do Trabalho, o Estado acaba esvaziando a base de dados que possibilita a cobrança das empresas que mais geram doenças ocupacionais, ao ignorar o NTEP e deixar de reconhecer as condições de trabalho como causa de afastamentos. "O próprio Estado boicota a si próprio", afirma a médica, que também é pesquisadora da Fundacentro.
Segundo a nota do Ministério da Previdência, "não há dados consolidados que evidenciem a afirmação" de que as estatísticas sobre acidentes de trabalho estejam sendo jogadas para baixo.
Valeska Pincovai, secretária de saúde do sindicato dos bancários de São Paulo, reforça a importância do uso do NTEP. "Por que é importante ter ali documentado [o número de benefícios por acidente]? Porque se cria uma estatística. Aí, através disso, você pega a lista de doenças relacionadas ao trabalho e vai cobrar da empresa o papel de resolver esse problema", explica.
De acordo com Valeska, é alto o número de bancários afastados por problemas psíquicos, causados sobretudo pelo sistema de metas adotado pelas instituições financeiras. Reconhecer o vínculo dessas doenças com a atividade profissional é a única forma de fazer as empresas repensarem a organização do trabalho, avalia a sindicalista. "Cerca de 90% das pessoas procuram a gente por ansiedade e depressão", finaliza.
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