Felipe Salto

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Opinião

BNDES, crescimento econômico e equilíbrio fiscal

Os erros cometidos no passado recente, no âmbito fiscal e econômico, não devem paralisar as políticas públicas, sobretudo aquelas que têm potencial para elevar o crescimento e reduzir as desigualdades. A concepção de uma nova política industrial, por meio de uma reorganização de orçamentos e ações, a partir do BNDES, é um passo importante. Ao lado de outras iniciativas, poderá colaborar para o desenvolvimento, respeitadas as restrições fiscais.

O programa Nova Indústria Brasil (NIB), anunciado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) e pelo BNDES, nos últimos dias, tem os seguintes objetivos, conforme documento oficial: a) estimular o progresso técnico, a produtividade e a competitividade; b) aproveitar as vantagens comparativas do país; e c) reposicionar o Brasil no comércio internacional.

De fato, são eixos fundamentais para retomar o crescimento econômico. É que só há dois caminhos para elevar as taxas de crescimento do PIB: exportar mais e investir muito mais. Essas duas frentes demandam a participação do Estado, o que não significa comprometer as contas públicas. Ao contrário, é preciso fortalecê-las, mantendo o compromisso permanente com a responsabilidade fiscal.

A NIB baseia-se em princípios e missões gerais, que incorporam as questões de transformação digital, infraestrutura, saneamento, mobilidade, sustentabilidade, inclusão socioeconômica, inserção internacional, dentre outras dimensões. Dos instrumentos escolhidos para a operação da NIB, destaco o eixo Crédito e Subvenção. Nele, inclui-se o Plano Mais Produção.

Vou me ater a ele a partir deste ponto.

O Plano Mais Produção contempla, entre outras ações, a substituição da Taxa de Longo Prazo (TLP) pela Taxa Referencial (TR) para projetos ligados à inovação, em linha com a previsão da Lei nº 14.592/2023. Esses empréstimos estarão limitados a 1,5% do saldo dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) no BNDES.

Não custa lembrar que o FAT é alimentado pelos recursos arrecadados com o PIS e o PASEP. A Constituição reserva 28% dessa receita para constituir fonte permanente ao financiamento das operações do banco de fomento. Uma garantia importante.

Trata-se de uma fonte segura, estável e permanente, que já confere ao BNDES poder elevado para promover o desenvolvimento por meio de financiamentos e empréstimos que combatam as falhas de mercado, que estimulem projetos com elevado retorno social e econômico, mitiguem riscos em investimentos estratégicos e promovam o desenvolvimento nacional, sob os princípios da responsabilidade fiscal.

O corpo técnico do banco é composto por profissionais reconhecidamente qualificados, capazes de elaborar todas as avaliações necessárias para a boa escolha dos melhores projetos, dadas as diretrizes fixadas, por óbvio.

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Em 2023, o BNDES realizou mais de R$ 75 bilhões em desembolsos e a atual carteira do banco, conforme dados dos últimos meses de 2023, já se aproximava de R$ 480 bilhões. Além disso, o caixa situa-se em R$ 54 bilhões, volume que se soma a mais de R$ 150 bilhões em títulos e ações. Esses números evidenciam que a NIB pode também ser guarnecida sem onerações adicionais ao Erário ou ao próprio banco.

Mas, voltando às ferramentas indicadas pelo Plano Mais Produção, o uso da TR merece atenção. Já autorizado por lei, mas com a limitação em 1,5% do saldo do FAT Constitucional (algo como R$ 6 bilhões ao ano, a partir dos números atuais), o uso da TR, controlado e pontual, pode ser útil para motivar setores com elevado retorno social, que justifiquem a mobilização desses recursos vultosos. De todo modo, os empréstimos para as áreas de inovação e correlatas poderão sair à TR, porque a remuneração devida pelo BNDES ao FAT será a própria TR, nestes casos, e não a TLP (bem mais alta).

Além desse instrumento, cita-se a criação da Letra de Crédito para o Desenvolvimento (LCD), proposta no bojo do Projeto de Lei nº 6.235/2023. A LCD servirá para o BNDES (e outros bancos de fomento) captar até R$ 10 bilhões ao ano, constituindo-se como fonte adicional, mas criando um empecilho que não deve ser ignorado. Refiro-me à competição com os títulos do próprio Tesouro Nacional. Mais uma vez, destaca-se a boa situação financeira acima exposta e as disponibilidades de caixa à mão do BNDES.

As iniciativas que se pretende incentivar envolvem, além da área de inovação e tecnologia, a ambiental, a de estímulo às exportações e à do aumento da produtividade. A previsão é que o Plano Mais Produção compreenda, até 2026, R$ 300 bilhões. Não é uma cifra preocupante, até porque inclui 2023. Possivelmente, os desembolsos tenderão a aumentar, neste e nos próximos dois anos, mas, em que pese a flexibilização nas taxas de juros, não há em princípio risco fiscal iminente.

No caso da TR, já expliquei o mecanismo. Além dele, o PL nº 6.235 também preconiza o uso de outras taxas alternativas à TLP para o BNDES remunerar o FAT: juros prefixados com base em títulos do Tesouro de 5 anos ou de 3 anos (neste último caso, apenas para micro, pequenas e médias empresas) e a própria Selic (mas, neste caso, limitado a no máximo metade do saldo do FAT). Então, são cinco possibilidades, no cenário de aprovação do referido PL: TR, TLP, Prefixado de 3 anos ou de 5 anos e Selic.

O PL ainda limita os juros que o BNDES pagará ao FAT a 6% ao ano. Isto é, se os juros médios dos empréstimos, consideradas todas as novas possibilidades, superarem a marca de 6%, o excedente deverá transformar-se em dívida do banco junto ao fundo.

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Em resumo, este é o eixo que envolve as ações de crédito, via BNDES, e que entendo adequadas, desde que se preserve a premissa do equilíbrio fiscal. Esse compromisso foi repetido diversas vezes tanto pelo ministro e vice-presidente Geraldo Alckmin quanto pelo presidente do BNDES, Aloizio Mercante. Ademais, não se tem um descasamento entre as taxas alternativas à TLP e a remuneração ao FAT.

Do lado das possíveis melhorias, a limitação de 6% ao ano, a meu ver, é um mecanismo que deveria ser retirado da proposta, para evitar que se contrate risco fiscal futuro, com uma dívida do BNDES junto ao FAT sem prazo para quitação. Esse teto de 6% vai limitar a remuneração do FAT a um percentual possivelmente inferior aos juros médios da dívida pública. Não há necessidade e é um fator de pressão sobre as contas públicas.

No limite, vejo com bons olhos a retomada de um papel central para o BNDES nas estratégias de crescimento econômico do país, sem incorrer nos erros do passado, a exemplo de concessões de crédito pelo Tesouro, com elevadas emissões de títulos públicos para essa finalidade. Não sou contra subsídios, desde que concedidos de maneira transparente. Aliás, a intenção de resgatar o papel da indústria é fundamental, sobretudo para motivar a expansão de investimentos e de exportações de maior valor agregado, com vistas à geração de empregos de boa qualidade.

Não é pecado fazer política industrial, como muitos alarmistas já bradam por aí. Ao contrário, é necessário organizar melhor e até realocar o que já gastamos nessa matéria. Como tenho falado neste espaço, em matéria de renúncias tributárias, por exemplo, a agenda promovida pelo ministro Fernando Haddad é louvável.

O redesenho conjunto de tudo isso é bem-vindo. Com bom planejamento e sem ilusões quanto à expansão do subsídio e do gasto — que, por si só, não serve senão para piorar as coisas — a Nova Indústria Brasil é bem-vinda.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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