Felipe Salto

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Opinião

STF e Fazenda desarmam bomba de meio trilhão

No Brasil, não raramente, dá-se pouca importância àquilo que não acontece. Evitar más decisões da administração pública é, muitas vezes, mais importante do que elaborar novas políticas e tomar medidas a toque de caixa.

É que o passado é capaz de assombrar, sobretudo, quando se trata dos esqueletos do rol das contas públicas a dormitar nos escaninhos do Judiciário. A chamada "revisão da vida toda" é um desses casos.

Na última quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, acertadamente, desarmar uma bomba de quase meio trilhão de reais. Segundo o Anexo de Riscos Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) , a fatura seria de exatos R$ 480 bilhões.

A revisão da vida toda é um tema que envolve o cálculo dos benefícios da Previdência Social. O peso do Ministério da Fazenda para esse resultado deve ser lembrado. No fundo, apesar de muitos não reconhecerem, o atual governo é fiscalmente responsável. Suas ações falam mais alto.

A revisão da vida toda se trata da discussão envolvendo os aposentados que adquiriam as condições para concessão do benefício até um dia antes da publicação da Lei do Fator Previdenciário (Reforma do Governo FHC). O que estava em disputa é a apuração do seu salário-de-benefício pela regra de transição. Vou explicar.

Ocorre que a regra de transição para calcular a aposentadoria determinava o uso da média dos maiores salários para um período de, no mínimo, 80% dos meses desde julho de 1994. Já a regra geral, para quem ingressasse no regime de previdência pós-reforma, considerava 60% para o referido cálculo.

O leitor perceberá: se posso escolher menos meses para fazer o cálculo, fica mais fácil selecionar salários mais altos. Mas, se sou obrigado a escolher os maiores salários num período obrigatoriamente maior, a média tende a ser mais baixa.

De fato, a regra de transição resultou em cálculos de salários de benefícios de previdência menores do que pela nova regra geral pós-fator. Mas, não custa lembrar, isso fez parte da própria lógica da reforma aprovada, evitando-se criar uma situação, para os aposentados "sob a transição", muito discrepante do caso dos aposentados pós-fator.

Em que pese ainda pender de resposta a questão levantada no ano passado pelo INSS (sobre a revisão da vida toda), a decisão da semana passada já determinou um entendimento que a afetará permanentemente. Para ter claro, se o STF decidiu que a regra de transição da Lei do Fator Previdenciário deve ser respeitada, não há como contrariar o entendimento da União na resposta para o INSS.

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Nas redes sociais, vê-se muita confusão a respeito do tema. Entendo que aposentadoria é um assunto que mobiliza corações e mentes. O meu coração e a minha mente também. Nós todos podemos ter parentes, amigos e conhecidos afetados. O que importa, entretanto, é o bem coletivo. E isso precisa ser discutido a sério, nesta e em outras questões.

A decisão do STF não prejudica os aposentados. Ela deixa "o passado" menos incerto e impreciso. A saber, aprovou-se uma reforma, as regras foram absorvidas pelos gestores das contas públicas, pelo Congresso, pelos governos, pela sociedade, pela imprensa e, agora, o STF apenas disse o seguinte: é isso mesmo, sigam a lei de 1999 e observem o seu artigo 3º (regra de cálculo da transição), inclusive.

Previsibilidade é uma palavra-chave em Economia. Qual seria a razão para uma revisão retroativa da aplicação do critério de cálculo? Um dos argumentos é que, na presença de regras mais benevolentes, jamais se poderia aplicar uma regra mais dura para determinado indivíduo. Mas, esse raciocínio não tem cabimento para o caso em tela.

O artigo 3º da Lei n.º 9.876/1999 é direto ao determinar a regra específica para aqueles que se enquadrassem na transição do antigo para o novo regime. Isto é, não cabe falar em opções. Não há opções, há uma regra para estes casos e ponto final.

É preciso louvar, portanto, a decisão do STF e o papel do Executivo, sobretudo do ministro Fernando Haddad e de sua equipe. A argumentação técnica, o cálculo dos riscos fiscais e apresentação dos efeitos sobre as contas do país e a economia certamente foram decisivos para levar à derrota da tese da revisão da vida toda.

Em meio à apresentação de novos dados e projeções fiscais, a exemplo do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP) do 1º bimestre, na última sexta-feira, destaco a importância desse resultado no STF.

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O mercado e a imprensa devem dar a devida atenção. As instituições do Estado Democrático de Direito funcionam bem quando se pratica o "checks and balances" sob princípios republicanos e constitucionais. Obtêm-se resultados fiscalmente responsáveis e socialmente desejáveis.

Vida longa à Previdência Social e ao necessário equilíbrio permanente das contas públicas! Este, por sua vez, do qual não se prescinde na busca por igualdade, justiça social e crescimento.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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