Felipe Salto

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Opinião

Um passo errado na política fiscal

A percepção de risco fiscal aumentou. O crescimento econômico depende da disposição dos produtores em ampliar seus investimentos, o que está associado à combinação de certas condições essenciais. Destaco três delas, que a meu ver perpassam todas as outras: taxas de juros baixas, ambiente externo favorável e contas públicas organizadas. Sem responsabilidade fiscal, os juros só podem ficar nas alturas. E não é o Roberto Campos Neto o vilão. Podem apostar.

As taxas de juros reais, no Brasil, estão ainda muito acima do nível considerado neutro, isto é, aquém do qual a política monetária praticada pelo Banco Central seria expansionista. Mesmo sob o atual ciclo de redução da Selic, o Conselho de Política Monetária (Copom) não conseguiu levar os juros reais a níveis suficientemente baixos para estimular o crescimento econômico e o investimento produtivo.

Por quê?

Porque há dois obstáculos centrais. O primeiro é o ambiente externo, estranho às decisões de política econômica doméstica. O segundo, a política fiscal, que está nas mãos do Poder Executivo, mas é influenciada pelas decisões de todos os Poderes, na esteira de um Poder Legislativo esbanjador e cuja síndrome de "ser governo" só aumenta, registre-se.

Os gatilhos de um cenário externo adverso residem em duas frentes, hoje: nos Estados Unidos, mais precisamente no Federal Reserve, o Banco Central americano; e no Oriente Médio. No primeiro caso, quanto mais a economia daquele país mostra-se resiliente, maior a insegurança da autoridade monetária para promover reduções nas suas taxas de juros.

Resultado? Nós, brasileiros, acabamos sofrendo com isso. Se o nosso Banco Central observa que os juros lá fora ficarão elevados por mais tempo, a Selic também acaba sendo influenciada. Fica mais difícil reduzir os juros por aqui, dada a ligação umbilical entre o diferencial de juros internos e externos e a taxa de câmbio (o preço do dólar medido em reais).

É que a redução muito intensa dos juros estimula a saída relativa de dólares, pressionando a taxa de câmbio. O dólar mais caro eleva os preços dos produtos importados e dos componentes comprados pelas empresas domésticas para produzir e vender. Ao fim e ao cabo, mais inflação para todos.

Assim, um espirro, lá fora, nos afeta diretamente aqui dentro, no sentido de que o desempenho da economia norte-americana interfere nos contornos da política monetária brasileira. Os juros mais altos, por mais tempo, para evitar um dólar caro e seu efeito inflacionário, freiam a economia. Riscos a serem acompanhados e que aumentaram depois das últimas divulgações de dados econômicos nos EUA.

Na outra frente, ainda no campo de riscos externos, a intensificação do conflito no Oriente Médio pode levar à redução da oferta de petróleo, um insumo essencial à produção. Os fluxos de capitais, em contexto de maior risco, migrariam para os destinos mais seguros, o chamado "flight to quality" ( ou "voo para a qualidade"), saindo dos países emergentes, como o Brasil, e pressionando a taxa de câmbio.

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Logo, poder-se-ia esperar, em última análise, pressão sobre a inflação interna. Os juros teriam de ficar mais altos para fazer frente a esse quadro adverso, derrubando os investimentos e o consumo, via encarecimento do crédito. Se isso acontecer, vamos ser pegos de calças curtas no front fiscal?

A pergunta é válida, porque os riscos importados se somam aos nacionais.

Não bastasse a incerteza externa, que pressiona o dólar, a inflação e os juros, o governo errou no anúncio recente do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias), conforme Josué Pellegrini e eu já comentamos neste espaço na semana passada.

A redução da meta fiscal, em si, não foi o problema central. Ela poderia ter sido bem conduzida e bem aceita, não fosse a confusão em torno de abatimentos contábeis envolvendo estimativas para os gastos com precatórios (despesas decorrentes de decisões judiciais).

Da forma como foi anunciado, o compromisso para o resultado primário do próximo ano (receitas menos despesas sem considerar os juros da dívida pública) abalou as expectativas dos agentes econômicos. O mercado reage aos sinais e não apenas aos fatos.

Reage, ainda, antecipando o que uma determinada decisão ou escolha de política econômica pode representar a respeito do compromisso futuro do governo de plantão em relação a determinado eixo da macroeconomia.

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Neste caso, o sinal errado dado na meta fiscal de 2025 levou a uma percepção de elevação do risco de materialização de um cenário de dívida pública crescente por período mais longo e de abandono das regras fiscais recém-aprovadas — Novo Arcabouço Fiscal (Lei Complementar nº 200/2023). O governo precisa desfazer essa nebulosidade indesejável.

A única forma é por meio de ações concretas, anunciando medidas de ajuste do lado do gasto, e reiterando o compromisso com as metas fiscais de curtíssimo prazo, para 2024, que têm funcionado como espécie de âncora para todas as medidas de elevação da receita pública, em alta real de 9,6% no primeiro trimestre.

Um passo errado, em economia, promove distorções tremendas, mas nem por isso precisa levar a outros passos errados subsequentes. É a tentação sempre presente. Algo do tipo: "já que começamos, então vamos até o fim". Não! Melhor parar e conter danos. Juntar os cacos e recomeçar. Sempre melhor.

Um erro mais um erro são dois erros.

Vamos corrigir esse primeiro equívoco grave enquanto há tempo. O Tesouro Nacional não terá problemas para financiar a dívida pública, porque a boa gestão praticada, há décadas, sobretudo pelo excepcional corpo técnico daquela instituição, nos trouxe até aqui com um elevado colchão de liquidez.

Aliás, colchão é como chamamos essa reserva para financiar o déficit público em momentos de dificuldade para emitir títulos públicos novos junto ao mercado. Mas tudo que é bom dura pouco, como diz o ditado. Não se deve brincar com fogo, ainda mais nessa matéria.

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As taxas reais de juros sancionadas nos últimos dias bateram a casa de 6%, em termos reais, em determinados tipos de papéis. Isso significa que a disposição do mercado para emprestar seu rico dinheirinho para o governo, neste momento, diminuiu, levando-o a exigir maior retorno. Quem paga essa conta somos todos nós, porque o gasto com juros é um gasto público, nesse aspecto, como outro qualquer. Não há como escapar.

Se você é um governo deficitário e quer caminhar na corda bamba, revendo metas, mudando um arcabouço de finanças públicas que acaba de ser aprovado e dando sinais de que poderá aceitar mais gastos, então terá de pagar o preço por isso. Pergunto: por quê?
Vamos voltar ao caminho correto, corrigir a rota e evitar dobrar a aposta. Já vimos esse filme. E faz pouquíssimo tempo. Vimos no que deu: anos a fio de déficit público e crescimento da dívida. Até hoje não resolvemos em definitivo esse legado.

É hora de fortalecer o compromisso com a responsabilidade fiscal. Ao contrário da questão externa, ela depende exclusivamente de nós.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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