Felipe Salto

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Opinião

A boa notícia do déficit de 2024

As expectativas do mercado financeiro para o déficit público em 2024 eram piores do que o dado final deverá mostrar. Na Warren Investimentos, coletamos os dados do SIGA-Brasil, sistema mantido pelo Senado para acompanhar a execução do Orçamento, e concluímos que o déficit primário (sem incluir juros da dívida) encerrou o ano passado em R$ 47,5 bilhões ou 0,4% do PIB (Produto Interno Bruto).

A meta fiscal deve ter sido cumprida, uma vez que, retirados os gastos com o Rio Grande do Sul realizados por meio de crédito extraordinário, a conta fica em -0,2% do PIB, melhor que a banda inferior da meta zero, de -0,25% do PIB. A saber, as despesas com a calamidade ocorrida no Sul são excluídas porque a Constituição trata dessa maneira o crédito extraordinário, um instrumento previsto, justamente, para ocasiões de guerra, calamidade etc.

Em relação a 2023, o governo promoveu uma melhora expressiva do déficit. Naquele ano, o resultado havia sido negativo, pelos dados do Banco Central, em R$ 264,5 bilhões ou 2,4% do PIB. Mesmo se descontarmos os R$ 92,4 bilhões em precatórios que tiveram de ser pagos, em dezembro de 2023, por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal), o saldo ainda seria negativo em R$ 172,1 bilhões ou 1,6% do PIB.

O déficit de 0,4% do PIB em 2024, portanto, é um feito importante, na direção do ajuste fiscal. Os dados oficiais serão divulgados pelo Banco Central, no final de janeiro, na Nota de Estatísticas Fiscais, mas provavelmente se situarão próximos aos aqui apresentados.

Colaborou para esse desempenho uma alta real das receitas líquidas de transferências a estados e municípios de 8,8%. A despesa, por sua vez, já descontando da base os referidos precatórios, aumentou cerca de 4% acima da inflação.

A perspectiva para 2025 é que o pacote fiscal anunciado no final de 2024 deva colaborar, mas ainda serão necessárias medidas adicionais. Como a receita prevista na proposta orçamentária contempla mais de R$ 160 bilhões em arrecadação nova, que não necessariamente se confirmarão (derivada de medidas em curso ou novas), e a economia está em desaceleração, o déficit tenderia a aumentar neste ano.

O desafio do governo é fazer cumprir o que conseguiu aprovar em termos de cortes e ampliá-los. O contingenciamento orçamentário (corte de despesas discricionárias, não obrigatórias, previstas na proposta orçamentária) teria de ficar ao redor de R$ 40 bilhões para que a meta fiscal, usando-se a prerrogativa da banda inferior de -0,25% do PIB, fosse observada.

A boa notícia de 2024 deve ser comemorada e mostra que a situação fiscal está longe do apocalipse vislumbrado por parte da opinião pública. Por outro lado, há um desafio importante a ser superado: a geração de superávits primários condizentes com a recuperação das condições de sustentabilidade da dívida/PIB.

Para isso, como mostrei no artigo anterior, é necessário avançar com uma agenda mais pormenorizada de mudanças nas despesas públicas e nos gastos tributários. Cada medida de contenção tem custos políticos e enfrenta resistência no Congresso, mas não há atalho ou outro caminho possível.

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A agenda da arrecadação é fundamental e deve ser mantida. As medidas tomadas pelo governo, como a tributação das offshores e mesmo o fim do duplo incentivo fiscal baseado em benefícios do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), surtiram efeito. Mas os gastos tributários ainda são gigantescos, superam a marca de meio trilhão de reais. Isso não combina com ajuste fiscal, qualquer que seja ele.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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